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CAPÍTULO I REVISÃO DE LITERATURA

1.3 MITOS SOBRE SUPERDOTAÇÃO

Diante da superdotação, o ser humano, desde os primórdios, tem apresentado sentimentos diversos, que vão da admiração à rejeição. Carregadas de representações sociais, as reações humanas refletem valores de um contexto histórico-social que sofrem alterações no transcorrer da história. Virgolim (1997) destaca que cabe à sociedade determinar os valores que permanecerão ou serão esquecidos com as mudanças no tempo e na cultura. Exemplo desta afirmação é a força com que até hoje a inteligência é vinculada à dimensão acadêmica e aos resultados dos testes de inteligência. Nesse panorama, aponta a autora, pode estar a origem de mitos e crenças populares errôneas acerca do que seja altas habilidades/superdotação.

Mito, segundo o novo dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (Ferreira, 2004), dentre outros sentidos, significa:

Imagem simplificada de pessoa ou de acontecimento, não raro ilusória, elaborada ou aceita pelos grupos humanos, e que representa significativo papel em seu comportamento. [...] Coisa inacreditável, fantasiosa, irreal; utopia. (p. 1341)

Ideias equivocadas sobre a superdotação, que fazem parte do imaginário de pais e professores, acabam por dificultar o reconhecimento e identificação de pessoas com altas habilidades, bem como o atendimento de suas necessidades (FLEITH, 2006). Crenças fantasiosas, como a de que o indivíduo com altas habilidades/superdotação terá êxito independente do ambiente, ou que toda criança superdotada será um adulto eminente, tornam- se barreiras à implementação de programas de atendimento às necessidades desse grupo.

Diante desta realidade, estudiosos do Brasil e do exterior, como Alencar (2007a), Alencar e Fleith (2001), Extremiana (2000 apud RECH; FREITAS, 2006), Fleith (2009); Guenther (2000 apud RECH; FREITAS, 2006) e Winner (1998), abordaram a problemática

das ideias errôneas sobre a superdotação. Muitos dos mitos indicados por esses especialistas, bem como os apresentados pela SEE/MEC (BRASIL,1999), em materiais de formação docente, apresentam similaridades e complementaridades, e são apontados por esses autores como empecilhos ao atendimento adequado aos superdotados.

A relevância do assunto também foi foco da atenção do periódico norte-americano Gifted Child Quarterly, que, em 1982, editou um número onde foram discutidos 15 mitos sobre superdotação e, posteriormente, em 2009, publicou, mais uma vez, um número totalmente dedicado ao assunto. O editor de ambos os números, Donald Treffinger (2009), destaca que muitos dos 15 mitos indicados em 1986 persistiram e alguns novos foram incluídos. Dentre os que permaneceram, poder-se-iam apontar: os superdotados constituem um grupo único e homogêneo; criatividade é muito difícil de medir; e há um currículo único para os superdotados. Entre os que foram incluídos em 2009, constam: é justo ensinar todas as crianças da mesma forma; alunos com altas habilidades não enfrentam problemas e desafios; e alunos superdotados não têm necessidades sociais e/ou emocionais; entre outros.

Sobre o assunto, Pérez (2003) realizou uma categorização de mitos discutidos por autores brasileiros, como Alencar e Fleith (2001), Guenther (2000 apud RECH; FREITAS, 2006) e estrangeiros, como Winner (1998) e Extremiana (2000 apud RECH; FREITAS, 2006). As categorias foram assim divididas: mitos sobre constituição, distribuição, identificação, níveis ou graus de inteligência, desempenho, consequências e atendimento.

Os mitos sobre constituição dizem respeito às origens e características inatas às pessoas com altas habilidades. São eles: (a) altas habilidades é uma característica exclusivamente genética; (b) altas habilidades é uma característica que depende exclusivamente do estímulo ambiental; (c) pais “condutores” produzem desempenho excepcional (crianças superdotadas são “fabricadas” pelos pais devido ao alto grau de investimento) ; (d) a pessoa com altas habilidades é egoísta e solitária; (e) o aluno com altas habilidades é “metido”, “sabichão”, “exibido”, “nerd”, “CDF”; e (f) pessoas com altas habilidades são fisicamente frágeis, socialmente incapazes e com interesses restritos.

Os mitos sobre distribuição apontam características socioeconômicas e culturais como determinantes ou não das altas habilidades. Citam-se nesta categoria: (a) todos os indivíduos têm altas habilidades, basta estimulá-los e poderemos “fabricar” uma pessoa com altas

habilidades; (b) a incidência das altas habilidades na população é muito pequena; (c) existem mais homens do que mulheres com altas habilidades; e (d) as pessoas com altas habilidades provêm de classes econômicas privilegiadas.

As ideias errôneas acerca da identidade e a validade em rotular uma pessoa com altas habilidades foram incluídas na categoria dos mitos sobre identificação. São elas: (a) a identificação fomenta a rotulação; (b) a identificação fomenta atitudes negativas na pessoa com altas habilidades; (c) não se deve identificar a pessoa com altas habilidades; e (d) não se deve comunicar à criança que ela tem altas habilidades.

Sobre níveis ou graus de inteligência, os mitos dizem respeito à crença de que a inteligência pode ser quantificada, como também pode ser traduzida em números ou coeficientes. Nesta categoria foram listados: (a) a pessoa com altas habilidades é apenas aquela que tem um QI excepcional; (b) pessoas talentosas, mas não com altas habilidades (quando se destacam nas áreas artísticas); e (c) as pessoas inteligentes também são criativas, na mesma proporção.

Citados por Pérez (2003) como “um dos fantasmas mais assustadores” para os superdotados, os mitos sobre desempenho dizem respeito às expectativas baseadas no desempenho acadêmico. Aqui foram compiladas as seguintes afirmações: (a) a pessoa com altas habilidades se destaca em todas as áreas de desenvolvimento humano – superdotação global; e (b) a pessoa com altas habilidades se destaca em todas as áreas do currículo escolar, tendo sempre boas notas.

Em relação às implicações do comportamento devido à da superdotação, chamados pela autora de mitos sobre consequência, foram listados os seguintes mitos: (a) a pessoa com altas habilidades desenvolve doenças mentais, desajustamento social e instabilidade emocional; (b) o QI se mantém estável durante toda a vida; (c) crianças com altas habilidades serão adultos eminentes; (d) tudo é fácil para a pessoa com altas habilidades; e (e) as pessoas com altas habilidades se autoeducam, não precisam de ninguém.

E por fim, os mitos sobre atendimento tratam das abordagens de atendimento que se configuram por: (a) pessoas com altas habilidades não precisam de atendimento educacional especial; (b) o atendimento especial fomenta a criação de uma elite; (c) alunos com altas habilidades devem ir a escolas especiais; (d) a aceleração é a abordagem de atendimento mais

correta para os alunos com altas habilidades; e (e) não se deve incentivar o agrupamento de pessoas com altas habilidades.

Uma vez que a compilação e categorização dos mitos sobre a superdotação, feita por Pérez (2003), agrega vários autores do cenário brasileiro e internacional, neste estudo, serão utilizados os dados desse trabalho para nortear a coleta de dados. Acredita-se que, dessa forma, a pesquisa abordará dados sobre ideias errôneas acerca das altas habilidades/superdotação de forma mais abrangente.

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