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Sem grande surpresa, podemos afirmar que, à semelhança da sua definição, também não há uma teoria da emoção. Ainda que o papel central das emoções no funcionamento psicológico humano pareça ser assumido por vários autores, nem sempre a sua definição é clara ou consensual, variando consoante a ênfase dada pelas diferentes teorias às suas funções específicas e componentes (Fridja, 2004).

Bowlby (1969, 1973, 1980, 1988), adotando uma linha clínica desenvolvimental, foi dos primeiros a chamar a atenção para o papel relacional e adaptativo das emoções na procura de segurança e na luta pela sobrevivência do indivíduo. Também salientou a função da expressão emocional como mecanismo de regulação das relações entre o prestador de cuidados e o bebé, e o seu papel na consequente construção do self e no ajustamento do indivíduo. Na sequência das formulações de Bowlby, vários autores têm estudado as emoções privilegiando um enfoque relacional.

O modelo de Gray (1987), de teor mais comportamental, define as emoções como estados internos provocados por acontecimentos externos ao organismo, por contingências. Neste sentido, a emoção organizar-se-ia governada por três sistemas distintos baseados na relação entre estímulos ou reforços positivos e negativos e respetivas respostas: o Sistema de Abordagem/Aproximação (com predomínio do estímulo reforçador para a recompensa ou não punição), o Sistema de Inibição Comportamental (em que predomina o estímulo

40 condicionado para a punição ou não recompensa) e o Sistema de Luta ou Fuga (em que prevalece a punição incondicional ou a não recompensa).

Na perspetiva de Sroufe (1995; citado por Melo, 2005, p. 16), a emoção é vista como “uma reação subjetiva a um acontecimento saliente, caracterizada por mudanças

fisiológicas, experienciais e no comportamento aberto”. O autor entende a emoção como

um processo dinâmico e um sistema organizado ao redor de componentes interdependentes que, ao longo do desenvolvimento, vão dando lugar a diferenças individuais na forma de experienciar e abordar as emoções. Privilegiando a referida perspetiva relacional, é aqui defendido que cada emoção tem um papel próprio e um significado relacional único. Ainda segundo o mesmo autor, que tem estudado aprofundadamente o desenvolvimento emocional nos primeiros anos de vida, as funções das emoções passam pela comunicação com os outros significativos acerca dos estados internos do indivíduo, pela promoção de competências para exploração do meio ambiente e pela preparação do organismo para responder de modo adaptativo em situações de crise ou emergência.

A Teoria das Emoções Diferenciais (TED) de Carroll Izard (1991) é dos modelos de emoções mais proeminentes no campo de investigação psicológica das emoções, destacando-se por sublinhar o carácter inato das emoções, as suas funções motivacionais básicas (Izard & Ackerman, 2004; Izard 2002) e a relação próxima entre emoções e personalidade (Abe & Izard, 1999). Pressupõe, à semelhança de outros modelos, três níveis básicos ou componentes das emoções nomeadamente, uma dimensão neuronal, expressiva e experiencial. De acordo com esta teoria, as emoções são pré-programadas, ainda que sejam admitidas algumas influências ambientais (Abe & Izard, 1999b), e formam um sistema independente de outros sistemas, como o cognitivo. É, no entanto, postulado que, ao longo do desenvolvimento, os diferentes sistemas, ainda que independentes, vão estabelecendo diferentes ligações entre si. A TED assume a existência de várias emoções básicas, com características distintas, defendendo que os sistemas emocionais podem operar de modo independente do processamento cerebral cortical e contribuir para a organização da perceção, cognição e comportamento (Izard & Ackerman, 2004). A vertente comunicativa das emoções, nomeadamente as expressões faciais, é também estudada de forma aprofundada nesta teoria (Abe & Izard, 1999). De entre as emoções básicas propostas na TED constam o interesse, a satisfação, a surpresa, a tristeza, a raiva, a aversão, o contentamento, o medo, a vergonha e a timidez (Izard,

41 1972, 1977, 1991), cada uma com efeitos distintos no sistema cognitivo e comportamental, ativadas quer por informação advinda do próprio organismo, ou informação sensorial como a sensação de dor, quer pelas expressões faciais, por acontecimentos neuronais e bioquímicos, como a mudança de temperatura sanguínea cerebral, ou ainda por processos cognitivos (Izard & Harris, 1995). Assim, nesta perspetiva, a ativação emocional pode ocorrer de diferentes formas e não está necessariamente dependente da cognição.

Já Damásio (2003, p. 28) fala de emoções como “ações ou movimentos, muitos deles

públicos, visíveis para os outros na medida em que ocorrem na face, na voz, em comportamentos específicos”. De acordo com esta perspetiva, de fundamento

neurobiológico, uma emoção é ativada como reação automática a um “estímulo

emocionalmente competente” (Ib., p.53) e caracterizada por um conjunto de reações

químicas e neuronais específicas. A ativação de uma emoção, tendo como objetivo a preparação do organismo para se adaptar e para atingir níveis de bem-estar satisfatórios, tem consequências imediatas na alteração do estado corporal e nas estruturas cerebrais a que corresponde. Algumas das componentes das emoções, ou a sua vertente expressiva, são visíveis e observáveis facilmente a olho nu, enquanto outras, como as manifestações psicofisiológicas, seriam mais difíceis de detetar. De acordo com o autor poderíamos falar de algumas emoções básicas como o medo, a raiva, a surpresa, a tristeza, a felicidade ou a aversão/repugnância, caracterizadas por uma programação inata, e de emoções algo mais complexas, designadas de emoções sociais, de que são exemplo a simpatia, o embaraço, a vergonha, a culpa, o orgulho, a inveja, a gratidão, a admiração e o desprezo. É num último nível superior de organização que Damásio coloca os sentimentos, definindo-os como a “perceção de um certo estado corporal juntamente com a perceção

de um certo modo de pensar e de pensamentos com determinados temas” (Ib., p. 86).

Finalmente, Michael Lewis (2004), refuta a defesa de emoções inatas destacando, ao invés, os processos desenvolvimentais e a relação entre a diferenciação progressiva de estados emocionais com a maturação dos sistemas neurológicos, o desenvolvimento cognitivo e com os processos de socialização (Strongman, 1996), bem como o desenvolvimento do self (Saarni, 1999). Para Lewis (2004), quando se fala de emoção tem que se referir um conjunto complexo de acontecimentos desencadeadores, comportamentos, estados e experiências. Segundo o autor, os desencadeadores das emoções correspondem aos estímulos internos e externos capazes de despoletarem

42 mudanças no estado do organismo e, não negando o desempenho de processos automáticos, o autor salienta o papel da aprendizagem neste processo, enquanto que os estados emocionais, por seu lado, são apresentados como “constelações de mudanças na

atividade somática e/ou neurofisiológica” (Lewis, 2004, p. 267), alegando-se que são

despoletados prioritariamente por processos cognitivos (ainda que não seja descartada a possibilidade de os estados emocionais não existirem por si só e de se poder falar antes de processos cognitivos que levam a emoções específicas). Na perspetiva do autor, os estados emocionais desenvolvem-se ao longo da vida, partindo de uma condição de relativa indiferenciação e de dois estados-base, positivo ou negativo, para uma progressiva diferenciação com base na ativação emocional, e, portanto, nas experiências do indivíduo. Também em relação à expressão emocional Lewis salienta o contributo dos processos de socialização, afirmando não poder ser perentoriamente afirmada uma relação direta entre expressão emocional e emoção experienciada. A terceira grande componente das emoções a que o autor se refere diz respeito à experiência emocional. É aqui fortemente evidenciado o cunho cognitivo do seu modelo e a ênfase na

“interpretação e avaliação pelo indivíduo dos seus estados emocionais e expressões percebidas” (Lewis, 2004, p. 272). Segundo Lewis (2004), esta avaliação é altamente

dependente do sentido de self construído e dos processos de socialização.

Como podemos verificar, a emoção tem sido objeto de várias teorias formuladas desde a antiguidade, cada teoria é defendida por grupos de cientistas, que possuem grandes variações entre elas. De qualquer forma, conhecer algumas destas teorias é importante para nos ajudar a ter uma ideia geral das emoções. Algumas formulações tiveram início no século passado, e é interessante observarmos que a maioria delas tinha um caráter fisiológico, e também de forma evidente, nenhuma delas foi capaz de abordar todos os aspetos das emoções.