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Mobilidade inclusiva e socialmente justa como atributo

3 MOBILIDADE SUSTENTÁVEL: O NOVO PARADIGMA

3.6 PLANEJAMENTO DA MOBILIDADE NAS DIMENSÕES SOCIAIS,

3.6.2 Mobilidade inclusiva e socialmente justa como atributo

A mobilidade inclusiva se relaciona com a perspectiva do direito à cidade, expondo a relação entre mobilidade e inclusão social. Os vínculos entre esses conceitos estão relacionados com o fato de que alguns grupos sociais podem ser privados de acessar oportunidades básicas em função de sua exclusão social ou por falta de acesso à rede de transportes.

Já a mobilidade socialmente justa está relacionada com a disposição das infraestruturas de modo que os impactos negativos e positivos dos sistemas de transporte sejam distribuídos no espaço urbano de maneira equânime e sustentável, com o foco em diminuir as desigualdades entre as regiões (PORTUGAL, 2017). Esse conceito leva em consideração o transporte como fomento para o desenvolvimento por trazer acessibilidade a regiões. Walzer (1983) diz que os bens com importância social devem ser distribuídos com critérios diferentes aos critérios de mercado, evitando sua mercantilização e garantindo sua distribuição entre os indivíduos sem influência do poder econômico.

Ambos os conceitos apresentados são de extrema importância na área social da mobilidade, levando em consideração que para alcançar certa atividade o indivíduo necessita deslocar-se, a exclusão do indivíduo do sistema de transporte pode excluí-lo de exercer atividades necessárias para o seu desenvolvimento.

Amartya Sen (Nobel da Economia em 1998) em seu livro Desenvolvimento e Liberdade (2000) argumenta que a pobreza não pode ser medida apenas pela comparação da renda entre indivíduos, mas sim pelas suas capacidades de realizar atividades. Em seu livro, Sen (ibid) infere que a falta de renda pode levar a privação das capacidades do indivíduo e a falta delas conduz a uma barreira para gerar renda, tornando um ciclo vicioso que dificulta a mobilidade social. Além disso, Sen defende que quanto mais privações de capacidade existem para um indivíduo, mais necessidade de renda ele tem. Pode-se tomar como exemplo, dentro da mobilidade urbana, o indivíduo que está inserido em um local com menos oferta de transporte público, esta pessoa tem menos capacidade de se locomover que alguém que dispõe de mais opções. Sendo assim, existe a necessidade de aquisição de um meio de transporte particular para que aquele cidadão cumpra as mesmas funções que o outro, a fim de estabelecer a mesma condição de locomoção. Como o transporte particular é mais custoso que o público, existe a necessidade de mais renda.

Tomando esse conceito de pobreza definido por Sen (2000), de que a pobreza é causada pela falta de capacidades e que o transporte aumenta a capacidade ao indivíduo, Melo e Andrade (2016) concluem que as limitações devidas às deficiências do transporte restringem as oportunidades do indivíduo de alcançar atividades. Essas restrições, isoladamente ou em conjunto, impedem ou dificultam o desenvolvimento econômico e social dos cidadãos. Sem a opção de deslocamento adequado, a busca por emprego se torna mais difícil, já que, o indivíduo tem opções reduzidas de lugares onde pode gerar renda. Além disso, a capacidade de combinar tarefas devida ao tempo, influencia diretamente na geração de renda, na educação, no direito à cidade e na formação de network do indivíduo, uma vez que, existe menos tempo disponível para desenvolver outras atividades.

Essa relação entre exclusão social e mobilidade também foi explorada por Lucas (2010). A autora defende que o impedimento de participar da vida econômica, política e social da sociedade por falta de acesso a oportunidades, serviços e network se dá, em parte ou completamente, por deficiências na mobilidade. Assim, pode-se concluir que restrições à mobilidade geram exclusão social. Church et al. (2000) aponta os fatores de transporte que

influenciam e/ou estão relacionados com a exclusão de certos grupos:

a) Exclusão física - por meio de barreiras físicas que inibem o acesso aos serviços de transportes, entre elas o design do veículo, a falta de lugares apropriados ou a falta de informação em relação aos horários;

b) Exclusão geográfica - ausência de oferta de serviços de transportes onde a pessoa vive, a exemplo de áreas rurais ou periferias urbanas;

c) Exclusão das instalações - grandes distâncias e dificuldade de acesso por meio de transporte a equipamentos sociais básicos, como mercados, escolas, hospitais ou locais de lazer.;

d) Exclusão econômica - Elevados custos de transportes podem impedir ou limitar o acesso do cidadão a equipamentos sociais básicos, ao emprego e a desenvolver outras atividades; e) Exclusão relativa ao tempo - Outras demandas de tempo, como, combinar atividades

reduzem o tempo disponível para a viagem e para desenvolver outras ocupações;

f) Exclusão por segurança - Onde a insegurança pública prejudica o uso dos espaços públicos e/ou o acesso ao transporte;

g) Exclusão especial - Devido ao impedimento de acesso a certos espaços por grupos específicos de pessoas.

Em síntese, nas sociedades modernas, o transporte é um vetor de inclusão na vida social, cultural, econômica e política de uma cidade (URRY, 2007; KAUFMANN, 2009), além de facilitar o desenvolvimento pessoal (PORTUGAL, 2017) e a formação de network (URRY, 2007). Ainda com relação à exclusão nos transportes, Hernandez (2012) coloca sua interpretação sobre os fatores que podem produzi-la:

a) Oferta - a exclusão ocorre devida à falta de oferta na localidade para aquele indivíduo, por inadequação de horários, regularidade e extensão temporal;

b) de institucionalidade - O individuo pode ser excluído de acordo com as decisões institucionais e governamentais sobre as redes de transporte, como estrutura tarifária, disposição e atendimento da rede. Como certo grupo de indivíduos não tem representação nas estruturas de tomada de decisão, não é ouvido, e consequentemente suas necessidades não são atendidas. Esta exclusão é bastante ligada à exclusão de participação política;

c) Riscos individuais - referentes a características individuais como o tempo disponível e sua forma de organizá-lo, habilidades e destrezas para dominar o sistema e seu funcionamento, além de limitação física;

d) Forma urbana - está ligada ao território e à localização das atividades, das oportunidades, dos serviços e da residência dos usuários.

Melo e Andrade (2016) sustentam a partir dos conceitos apresentados por Hernandez (2012), Church (2000) e Sen (2000), que a exclusão social adicionada à exclusão dos transportes fortalece um círculo vicioso da pobreza (Figura 1). Argumentam que de acordo com Hernandez (2012), a pobreza exclui os indivíduos dos transportes, que segundo Church et al. (2000), a exclusão dos transportes leva a exclusão social e, consequentemente, inibe as capacidades do indivíduo de gerar renda ou ter uma melhor condição de vida, resultando, segundo Amartya Sem (2000), na pobreza.

Figura 1 - Ciclo da pobreza

Fonte: Melo; Andrade (2016).

Além disso, percebe-se que pessoas de baixa renda tendem a se deslocar mais a pé ou de bicicleta, visto que, têm custos menores que outros transportes, como táxi e ônibus (LIMA, MAIA e LUCAS, 2016). Esse fato limita as opções de destinos e conduz a que essas pessoas consigam alcançar menos atividades.

Diante do exposto, percebe-se que existe uma relação entre mobilidade e exclusão social. Entende-se que uma mobilidade inclusiva e justa é aquela que busca eliminar as desvantagens dos mais pobres e a exclusão social dos indivíduos, ampliando seu direito à cidade e distribuindo

as infraestruturas e os serviços de transportes com o foco na diminuição das desigualdades. Considerando esses fatores, o Banco Mundial em 2002, pela primeira vez publicou relatórios que traziam o enfoque do planejamento urbano e de transporte como vetor para diminuição da pobreza e da exclusão social (GWILLIAN, 2002). Também segundo Lucas (2010), o Social Exclusion Unit (SEU) vem considerando em seus estudos a relação entre transportes e exclusão social, e que a preocupação com a falta de acessibilidade relacionada os níveis de desemprego, falta de acesso à saúde e à educação de certas áreas têm se tornado um fator relevante no planejamento urbano.

Nesse contexto, Portugal (2017) afirma que a mobilidade inclusiva está relacionada com a acessibilidade e uso do solo, pois o planejamento integrado desses conceitos são fatores fundamentais para evitar a exclusão. Ele propõe três medidas de planejamento para proporcionar uma mobilidade mais inclusiva:

a) Implementar políticas de planejamento urbano relacionadas com a distribuição espacial das atividades, ou seja, garantir a diversidade do uso do solo de modo a racionalizar os sistemas de transportes e oferecer atividades e oportunidades nas proximidades. Dessa forma, promove-se uma distribuição justa e democrática do espaço urbano e do seu uso e facilita o deslocamento daqueles que moram nas periferias;

b) Fornecer condições de acessibilidade universal que facilitem a realização de viagens para todos, ou seja, disponibilizar a infraestrutura adequada para os diversos grupos populacionais, incluindo crianças, idosos e pessoas com deficiências;

c) Implementar políticas sociais de modo a garantir o custeio do deslocamento do indivíduo na cidade, com o objetivo de atingir suas necessidades básicas. Modicidade das tarifas do transporte público e gratuidade para certos grupos sociais, são exemplos dessas medidas.

Por sua vez, a mobilidade justa é percebida no contexto do planejamento segundo a distribuição equitativa e integrada do transporte público, de modo a promover benefícios econômicos e sociais em torno dessas infraestruturas. Em adição, uma adequada distribuição das atividades na escala local através do uso do solo pode promover a distribuição de empregos, serviços e oportunidades aos residentes.