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Capítulo 3 Suporte de Serviços em Redes Heterogéneas

3.4 Tecnologias de Mobilidade e Heterogeneidade

3.4.1 Mobilidade IP

Quando o IP foi definido, não foi considerada a possibilidade de os terminais mudarem a sua localização enquanto ligados a uma rede IP, i.e. assumiu-se que um terminal não se poderia mover de um local para outro, sem que tenha de se proceder à sua reconfiguração para se adequar à sua nova localização. Nessa altura, não se colocava ainda a possibilidade de haver terminais móveis que utilizassem IP.

Nas redes de telecomunicações tradicionais, o identificador do terminal contém informação com a qual é possível determinar a localização geográfica onde o terminal se encontra ligado, sendo acessível através do mesmo endereço independentemente da sua localização. No caso das redes IP, o identificador do terminal (endereço IP) contêm informação relativa à rede à qual se encontra ligado (o chamado prefixo de rede). Quando o terminal se move para uma outra rede, não existe uma forma intrínseca de fazer com que esse terminal continue a ter conectividade com as restantes redes IP, a não ser que o endereço IP seja alterado, ajustando-se ao novo prefixo IP existente na rede onde está. No entanto, a mudança de endereço também não é a solução perfeita, já que isso vai fazer com que o terminal não possa mais ser contactado por aqueles que sabiam da sua existência na rede original, já que ele não poderá responder pelo seu antigo endereço. Para todos os efeitos, ao mudar o endereço, o terminal muda de “identidade”, desaparecendo a “identidade” antiga.

Hoje em dia, e devido às limitações no espaço de endereçamento IPv4, não é possível que cada terminal tenha um endereço global único e é bastante frequente a atribuição de endereços privados. O acesso destes terminais ao “mundo exterior” (i.e.,

Internet) é então feito, por exemplo, recorrendo a NAT/PAT (tipicamente dinâmicos). Com

esta abordagem, não é possível que uma máquina na Internet consiga estabelecer uma ligação para estes terminais com base no seu endereço privado, ou seja, não são suportados serviços do tipo network initiator (iniciados na rede). O início de sessão terá sempre de partir do terminal que está a usar o endereçamento privado. Daqui se conclui que não são possíveis, na generalidade dos casos, ligações entre dois terminais pertencentes a redes distintas e ambos com endereçamento privado. Tendo em conta o crescimento de aplicações P2P (Peer-to-Peer), esta capacidade de estabelecer ligações de e para qualquer

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terminal é cada vez mais uma obrigatoriedade. Este é também um factor importante que se coloca quando falamos na mobilidade dos terminais. Por um lado, é necessário reconfigurar o endereço do terminal para que, em termos de encaminhamento, o tráfego de e para o terminal possa ser encaminhado. Para que isto aconteça é necessário que o terminal possua um endereço com o prefixo da rede à qual está ligado. Por outro lado, é cada vez mais importante que o terminal possua um identificador universal e fixo, de forma a poder ser contactado a qualquer momento em qualquer lugar (tal como acontece com os terminais GSM, que mesmo em roaming estão acessíveis).

Ainda que, numa primeira abordagem, se possa pensar que as mudanças de rede não são tradicionalmente comuns, a realidade actual mostra que a mobilidade dos terminais começa a ser significativa e com tendência para um claro aumento. São cada vez mais as soluções de acesso à Internet via infra-estruturas wireless, tais como WLAN (Wireless

LAN) empresariais, Hotspots públicos e redes GPRS e UMTS. Uma deslocação de um

terminal ao longo de um percurso em que o ponto de acesso rádio (estação base) não é fixo, poder-se-á assemelhar na prática, e ao nível da camada L3, a uma mudança de rede (ainda que isto possa nem sempre ser assim, podendo recorrer-se apenas à mobilidade de nível 2). A Figura 6 exemplifica um possível cenário de mobilidade com redes de acesso heterogéneas.

Fornecedor

de serviço #1 de serviço #2Fornecedor

Internet Fornecedor de serviço #N Acesso Fixo Estação Base Access Point Access Point Access Point Estação

Base EstaçãoBase

Estação

Base EstaçãoBase

Estação Base Home Agent Ethernet CATV xDSL ... Wireless LAN (802.11) GPRS UMTS 4G

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Esta lacuna do IP foi identificada e estudada, tendo daí surgido um método que visa separar o endereço IP do terminal da sua localização, o chamado mobile IP. A mobilidade IP existe quer em IPv4 (MIPv4) [Perk02], quer em IPv6 (MIPv6) [Jonh03]. No entanto, como veremos na secção seguinte, a mobilidade IPv6 apresenta mais vantagens.

Com efeito, a Mobilidade IPv6 (MIPv6) é uma das mais importantes melhorias que a versão 6 do protocolo Internet traz, permitindo que os terminais se movam entre diferentes redes – mesmo entre diferentes tecnologias – mantendo a sua capacidade de contactar e ser contactado como habitualmente. E tudo isto, de uma forma transparente para as camadas superiores (TCP/UDP e aplicações) e, consequentemente, também para os utilizadores.

De uma forma simplista o funcionamento da MIPv6 baseia-se numa operação envolvendo vários endereços IPv6. Um deles, a que normalmente se chama Home address (Ha), é um endereço através do qual o terminal é bem conhecido, sendo utilizado por todos para o identificar univocamente a qualquer momento (este deverá constar nos servidores DNS). Este endereço têm normalmente um prefixo na rede onde o terminal se encontra habitualmente – a Home Network (HN); por exemplo, o prefixo da rede local num escritório ou o endereço atribuído pelo operador no âmbito de um contrato. Os outros endereços são construídos com base no prefixo de cada uma das redes (que não a sua home

network) visitadas – chamadas Foreign Networks (FN). Este endereço, que se designa de Care-of Address (CoA), é o que possibilita que o tráfego chegue fisicamente até ao

terminal no local onde ele encontra.

Resumindo, o terminal usa o Ha para estar sempre identificável, enquanto o CoA, adquirido em cada rede que visita, permite que o tráfego seja encaminhado fisicamente até ao terminal. Aqui, serão feitas as devidas alterações de forma a que a informação que é "passada" às camadas superiores (TCP, UDP, etc.), seja a equivalente àquela que receberia se o terminal se encontrasse na sua home network (e.g. escritório).

Mas para que a MIPv6 possa funcionar correctamente, é necessário que exista uma outra entidade neste processo - o Home Agent (HA). Este agente localiza-se na HN, e tem como função reencaminhar os pacotes destinados ao terminal móvel (normalmente designado por MN – Mobile Node), para a sua localização corrente, usando para isso o CoA. Para isso, o HA tem que saber onde é que o MN se encontra, i.e. tem que conhecer a cada momento a correspondência entre Ha e CoA. A esta correspondência chama-se

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Assim, a primeira coisa que o MN tem de fazer quando muda de rede será informar o seu HA – esta mudança de rede denomina-se normalmente de handover. A partir daí, os pacotes destinados a ele ser-lhe-ão reencaminhados pelo HA e, numa fase imediatamente posterior, os pacotes passarão a ser trocados directamente entre o MN e o terminal que o contactou. A este terminal que estabelece uma comunicação com o MN chama-se

Correspondent Node (CN), podendo este ser também móvel ou não. 3.4.1.1 MIPv4 vs. MIPv6

As diferenças entre as versões de mobilidade para os dois protocolos (IPv4 e IPv6) são bem evidentes e claramente favoráveis à MIPv6.

O primeiro problema do MIPv4 reside no endereçamento. O IPv4 foi vítima do seu próprio sucesso e a escassez de endereçamento começa logo por dificultar a implantação da mobilidade a nível comercial, já que não é possível dotar todos os utilizadores de um endereço bem conhecido e único. Em IPv6 este problema não se coloca.

Outra questão tem a ver com a necessidade de, em IPv4, existir uma entidade extra no processo de Mobilidade - o Foreign Agent (FA). Esta entidade é colocada nas redes visitadas com o objectivo de fazer com que os MNs adquiram um endereço IPv4, assim como informação adicional que lhe permita contactar o seu HA. Em IPv6 isso não é necessário já que através de auto-configuração os terminais adquirem um endereço, capaz de ser utilizado globalmente. A questão do FA torna-se um obstáculo bem real na hora de colocar MIPv4 nas redes dos ISPs, já que eles não controlam todo processo, necessitando a colaboração dos administradores de outras redes – as redes visitadas.

Um outro factor importante prende-se com o facto de que em IPv6 a mobilidade conta com o mecanismo simples e flexível dos cabeçalhos de extensão, o que não acontece com a MIPv4. Estes mecanismos são de grande ajuda não só para transportar as informações adicionais relativas à mobilidade, como também para implementar mecanismos de segurança que, ao contrário do IPv4, são suportados nativamente em IPv6 (e.g. IPSec).

No entanto, a maior e mais importante diferença entre o MIPv4 e o MIPv6 prende-se com o caminho percorrido pelo tráfego entre o MN e o CN. Também aqui os cabeçalhos de extensão do IPv6 são fundamentais. Enquanto que em IPv6, logo após o primeiro pacote, a comunicação é feita de forma directa entre os dois intervenientes, em IPv4 o tráfego com origem no CN e com destino ao MN, tem que passar obrigatoriamente pelo HA. No

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entanto, no sentido oposto esta comunicação é feita de forma directa. A Figura 7 mostra esquematicamente essa situação, a que se dá o nome de Triangle Routing, devido ao triângulo formado pelos caminhos percorridos. Isto causa vários problemas:

¾ Ineficiência de percurso – o tráfego não utiliza o caminho mais curto entre a origem e o destino. Numa situação caricata o MN e o CN poderão estar na mesma rede, o HA do outro lado do mundo, e a comunicação deverá passar por este.

¾ Ineficiência de processamento – o HA e o MN têm de encapsular e descapsular os dados de modo a estes fluírem correctamente.

¾ Assimetria de percursos – este modo de funcionamento faz também com que os caminhos (ou paths) sejam assimétricos, o que nunca é boa prática quer para a detecção de falhas na rede, quer para o funcionamento de algumas aplicações/protocolos (como por exemplo a sincronização horária através do protocolo NTP – Network Time Protocol).

¾ Escalabilidade e tolerância a falhas – os HAs tendem a ficar sobrecarregados, convertendo-se também nos únicos pontos de passagem de grandes quantidades de tráfego, pelo que uma falha destes colocará muitos utilizadores fora de serviço.

Rede correspondente Rede "home" Rede visitada

Internet Home Agent IPv6 Rede correspondente Rede "home" Rede visitada

Internet Home Agent IPv4 Agente Remoto

Figura 7: Comparação de caminhos em mobilidade IPv4 e IPv6