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Modelo de relação agente-principal e assimetria de informação

V. I NTERAÇÃO ENTRE ATORES NA REGULAÇÃO POR CONTRATO : ARCABOUÇO CONCEITUAL

3. Modelo de relação agente-principal e assimetria de informação

Utilizado originalmente no âmbito da análise de estruturas hierárquicas e burocráticas, o modelo agente-principal foi adotado no debate sobre regulação como um importante instrumental analítico das relações entre políticos, reguladores e regulados103.

De acordo com esse modelo, o principal é aquele ator que delega ou impõe determinada tarefa ao agente, surgindo entre ambos uma relação de comando e controle. Essas posições se aplicam a diferentes situações. Conforme explica MELO (2000: 20),

(...) no âmbito das organizações e burocracias, o agente representa o empregado contratado pelo principal para realizar uma tarefa pré-especificada. No âmbito do mercado, o fornecedor representa o agente que é contratado para produzir bens e serviços para uma empresa conforme estipulado por um contrato. No âmbito do sistema político, os políticos recebem uma delegação do grupo de cidadãos-principal para agir em seu nome. No mundo corporativo, em que há uma separação entre propriedade e controle gerencial, os acionistas representam o principal e os executivos os agentes.

Vale frisar que o modelo agente-principal não criou nenhum conceito que já não fosse utilizado pela literatura. Pelo contrário, ele incorpora principalmente a idéia destacada nos trabalhos sobre custos de transação de que a produção e disseminação de informações

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A respeito, FAGUNDES, POSSAS e PONDE (1998: 78-79) observam que quando há especificidade de ativos, como é o caso de infra-estrutura, as interfaces no mercado são mais conflituosas. Nesse sentido, a verticalização, segundo os autores, diminui os custos de transação.

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Essa situação é a denominada dependência bilateral (WILLIAMSON, 1996: 106).

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desempenham um papel fundamental na dinâmica entre os atores. O modelo agente-principal, contudo, permitiu que se vislumbrasse com mais clareza as possibilidades de desvio por parte do agente e as medidas mitigadoras a serem tomadas pelo principal104 (EISNER, WORSHAM e RINGQUIST, 2000: 25). A simplicidade do argumento permitiu, além disso, que o modelo fosse aplicado em diferentes disciplinas, tais como economia, ciência política, direito e sociologia.

São duas as principais questões destacadas pelo modelo principal-agente: a necessidade de alinhamento de interesses entre os dois atores e a possibilidade de assimetria de informação entre eles. Deste modo, a perspectiva agente-principal ressalta que, quando os interesses de agente e principal não coincidirem e quando este último tiver um conhecimento limitado sobre a conduta (ou as conseqüências da conduta) do agente, é alta a probabilidade de que haja desvios de comportamento. Quanto maior essa assimetria e quanto mais conflituosos os interesses, mais provável que o agente se afaste da consecução dos objetivos do principal.

De modo geral, pode-se dizer que a forma de interação desses dois fatores (desalinhamento de interesses e assimetria de informação) mostra-se crucial tanto na escolha do agente quanto no monitoramento de sua atividade. Esses dois momentos coincidem com dois problemas identificados a partir do modelo agente- principal - seleção adversa e risco moral – introduzidos logo a seguir.

Seleção adversa. A seleção adversa ocorre nos casos em que a parte com maior deficiência de informação toma a primeira iniciativa para estabelecimento de uma relação contratual (SCLAR, 2000: 107). O exemplo clássico de seleção adversa ocorre nos mercados de seguro, no qual cada indivíduo possui informações mais acuradas a respeito das condições de seus bens e de seu nível de diligência do que a seguradora que faz a proposta. Portanto, tendem a procurar a seguradora as pessoas que tiverem maior probabilidade de enfrentar sinistros e, conseqüentemente, acionar o seguro.

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No debate sobre políticas públicas, o modelo agente-principal, conforme observa DONAHUE (1989: 45), traz maior nitidez sobre algumas questões básicas que devem ser enfrentadas no dia-a-dia da administração pública, propondo perguntas a serem feitas quando da decisão de contratação de um serviço de interesse público, tais como: é possível que o principal especifique quais são os objetivos a serem alcançados em seu nome e às suas custas? Há competição entre os provedores de forma a garantir ao principal um preço justo? O produto almejado é suficientemente mensurável? Quão prontamente um agente incompetente ou oportunista poderia ser substituído ou penalizado? As respostas a essas questões indicam uma série de cuidados que podem ser tomados no desenho contratual e no tipo de relacionamento a ser estabelecido entre as partes. Muitas vezes, acrescenta DONAHUE, a consideração cautelosa dessas questões pode levar à conclusão de que a solução contratual seria ineficiente ou extremamente arriscada, sendo mais apropriado manter o controle burocrático interno.

No caso de contratos celebrados pela administração pública, o problema de seleção adversa manifesta-se na possibilidade de que uma proposta que contenha preços menores reflita, não uma maior eficiência, mas uma maior ignorância por parte do proponente, ou menor qualidade dos serviços, ou mesmo uma maior tolerância ao risco (SCLAR, 2000: 107-114). Uma maneira de minimizar o risco de seleção adversa é levar em consideração critérios de qualidade e experiência do prestador do serviço. Nesse caso, conforme alerta SCLAR, a competitividade do processo deve diminuir, gerando um aumento nos preços propostos.

Risco moral. Risco moral (moral hazards) são desvios na conduta do agente em relação aos interesses do principal, que resultam da ausência de incentivos ao agente para que busque os objetivos intencionados pelo principal. Conforme afirma MELO (2000: 21), moral hazards referem-se à “não observabilidade” do comportamento do agente em uma situação pós-contratual. Quando os incentivos entre principais e agentes não são coincidentes, a possibilidade de monitoramento do agente pelo principal desempenha um papel predominante. O risco moral aponta, então, para duas precauções a serem tomadas nas situações de fato contratuais (e não apenas analisadas sob uma perspectiva contratualista). A primeira, no sentido de estabelecer cláusulas mais completas possíveis, que esclareçam qual comportamento desejado de ambas as partes e procurem conjugar um sistema de premiação e sanção coerente com os objetivos buscados. Porém, de nada adianta o estabelecimento dessas regras se, na realidade, o principal não tiver condições de acompanhar a atuação do agente. Para tanto, é necessário, em segundo lugar, que o principal possua não apenas os recursos materiais para fazê-lo (financeiros e de pessoal), mas que também tenha expertise para compreender as atividades monitoradas e possa identificar eventuais desvios.

Um exemplo de moral hazard em uma concessão de saneamento é a situação em que a concessionária, ao final do prazo contratual, descuida da manutenção da rede e equipamentos. Caso o poder público não tenha acesso às informações sobre o estado da infra- estrutura, ou, ainda que tenha, não saiba como avaliá-lo, é possível que a empresa, no afã de reduzir custos e aumentar o lucro, deixe de realizar gastos na manutenção dos bens que, ao final, serão revertidos para o poder público.

Uma observação merece ser feita a respeito da perspectiva agente-principal, antes que se siga adiante. Há sempre que se cuidar para que a adoção desse modelo não seja transfigurada em uma noção simplista de que todos os problemas de políticas públicas podem

ser solucionados por meio de um desenho contratual adequado. Sem dúvida, as disposições contratuais constituem ferramentas extremamente importantes na tentativa de se evitar desvios por parte do agente. No entanto, é necessário atentar-se para as suas limitações. Em primeiro lugar, dada a intenção de entender a prática dos contratos públicos, é necessário que se tenha em mente que o pretenso “desenho contratual ideal” requer uma racionalidade e uma expertise superior à média das organizações. Não é por acaso, portanto, como destaca SCLAR (2000: 117-118) a partir de alguns estudos empíricos, que o diagnóstico de que a solução contratual fora inadequada é sempre feito depois que o problema aconteceu. Segundo, quando se tem em tela um contrato incompleto, conforme visto acima, raramente as cláusulas contratuais terão o condão de prever todas as circunstâncias que possam ocorrer ao longo do contrato. Por fim, os incentivos para o agente atuar de acordo com o interesse do principal advêm não apenas da possibilidade de se identificar o desvio, mas também pela perspectiva de punição de seu comportamento, seja pela aplicação de multas (cuja cobrança deve ser rápida e crível), seja pela substituição do contratado. Na presença de altos custos de saída, essa ameaça tende a ser menos eficaz.