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3.1 Modelos de leitura

3.1.2 Modelo psicolinguístico

Com base na teoria cognitiva, o modelo psicolinguístico vem a partir da mudança de paradigma do empirismo para o racionalismo. Esse modelo surge nos anos 50, quando o estruturalismo europeu convive com a teoria gerativo-transformacional norteamericana, cujo principal representante é Chomsky (1965). Para esse estudioso, as crianças, ao internalizarem regras gramaticais, são capazes de produzir um número ilimitado de sentenças de uma língua, sem serem explicitamente ensinadas, porque têm uma capacidade inata. Esse modelo de leitura defende ainda a existência de um falante/ouvinte ideal, em uma comunidade homogênea de fala, desconsiderando a natureza variacional da língua.

Braggio (1992) comenta que, segundo essa teoria, as crianças aprendem a falar compreendendo inconscientemente o funcionamento da língua, no entanto a leitura e a escrita são atos mecânicos e não processos de construção de sentidos. Essa concepção determina que é ao sujeito e à sua mente que se deve a criação da linguagem e a aquisição do conhecimento – o sujeito ideal é um agente que processa ativamente o conhecimento.

Conforme (BRAGGIO,1992, p. 19), pelo menos até a versão padrão da teoria chomskyana, a qual dá origem ao modelo psicolinguístico da leitura, ficam de fora do seu foco de análise os aspectos sócio-históricos da linguagem.

Ainda de acordo com Braggio (1992), esse ponto de vista psicolinguístico fundamentou a teoria gerativotransformacional, de Goodman (1969,1984) e Smith, o que provocou uma transformação nas bases da leitura e escrita.

Aqui o leitor, ao interagir com o texto, utiliza o conhecimento linguístico, o conceitual e sua experiência, fazendo predições ou antecipações das informações, formulando ou rejeitando “hipóteses de leitura”. Nesse processo, o leitor é um processador ativo de informação, um sujeito do ato de ler e, nas palavras de Braggio (1992), a capacidade de predizer, confirmar, rejeitar e refinar o que se lê baseia-se no seu conhecimento da estrutura linguística, seu estilo cognitivo e experiências com o material escrito.

Goodman (1984) continua seguindo a linha cognitivista e expande o modelo psicolinguístico, seguindo as pesquisas teóricas, mudando o foco da sintaxe para a semântica, considerando que o significado está na mente do autor e do leitor. A noção de leitura é ampliada e direcionada para a realidade do aluno. O processo de ler enfatiza aspectos gráficos, sintáticos e semânticos, e o leitor tenta buscar e reconstruir o significado ou mensagem pretendida e codificada pelo autor.

O leitor é sujeito do processo do ato de ler, seus conhecimentos prévios são fundamentais para a compreensão, a leitura é aqui entendida como processo. Nessa concepção, a leitura envolve autor e leitor, em que ler é atribuir significados ao texto. A linguagem é instrumento de comunicação e a língua é vista enquanto um código, um conjunto de signos combinados a partir de regras, capaz de transmitir uma mensagem, de um emissor a um receptor. Compreende-se aqui o ensino da língua como sendo descritivo, que objetiva mostrar como a língua funciona. (Hallyday, Mclntosh e Strevens, 1974, p. 257-287 apud Travaglia, 2009, p. 39).

Com base nos estudos de Leurquin (2011), essa descrição do processo da leitura comporta, de certo modo, um avanço teórico, porque o leitor desveste-se de seu papel passivo, participando agora da construção dos sentidos do texto, passando a atuar como construtor de

seus conhecimentos. O foco de luz que antes incidia sobre o texto, passou a iluminar o leitor. Todavia, persiste a ênfase no componente sintático, sendo ainda uma concepção unidirecional da leitura; dessa vez, do sujeito para o objeto.

Isto significa dizer que agora a criança, no processo de aquisição, não imita; ela interioriza regras que a capacitam a produzir e a compreender a linguagem. Desse modo, a língua não é concebida apenas como estrutura gramatical, fragmentada em sons e letras, mas em suas relações e considera-se o significado no todo da enunciação.

Para Goodman, o objetivo da leitura é a compreensão; a exclusão do significado dessa atividade resulta apenas numa decodificação. Esse autor reformula posteriormente seus estudos, propondo um modelo de leitura e escrita, no qual o leitor constrói o sentido por meio de transações e acordos com o texto e, nesse processo, ambos são transformados, o que marca a mudança que ocorre entre o modelo mecanicista e o psicolinguístico.

Com base nos estudos de Leurquin (2011), a compreensão textual, para Smith (1999), acontece quando temos questões relevantes a fazer ao texto e somos capazes de encontrar as respostas para elas. A compreensão é fundamento da leitura e não consequência, logo, quando não compreendemos, não realizamos o ato de ler.

Assim, ler não é apenas decodificar signos linguísticos, mas construir significados para eles, relacionando conhecimentos anteriores com novos que emergem do texto. O autor propõe como fundamentais, no processo de construção do(s) significado(s) de um texto, dois tipos de informações: a informação visual e a informação não visual.

A informação visual está relacionada à escrita, representada pelas letras, palavras, texto. A não visual seria a teoria de mundo do leitor, relacionada a um conjunto de categorias, de regras de atribuições a cada categoria e a uma rede de relações entre as categorias, arbitrárias, porém dependentes do ambiente da pessoa. A informação não visual possibilita aos leitores atribuírem significados à informação visual. Assim, na compreensão de um texto escrito, “quanto mais informações não visuais um leitor possui, menos informação visual necessita” (Smith, 1999, p. 86).

Sobre o processo da leitura, Smith (1999) fala sobre problemas oriundos do acúmulo de informações visuais. Quando o aluno faz a leitura de cada letra de uma palavra, sobrecarrega a memória de curto termo, fenômeno por ele denominado de visão de túnel, que dificulta a compreensão do texto, e quando há alguma interrupção no processo, apaga-se a construção do significado, antes da sua chegada à memória a longo-termo.

Observam-se os avanços qualitativos sobre o ato de ler que acontecem na passagem de um modelo para o outro, o que passa a ser visto como uma busca de significado, mas nesse modelo ainda não incorpora o contexto social.

Nessa concepção, a compreensão do texto escrito requer que sejam observados não só os objetivos de leitura determinados pelo gênero do texto, mas também a formulação de hipóteses, ambas de natureza metacognitiva. Desse ponto de vista, o leitor é peça relevante no processo de ler, controla e ativa seu conhecimento prévio e outras fontes do texto para compreender ou buscar o sentido.

Há sempre uma necessidade elencada pelo leitor para que a sua leitura não ocorra apenas como um ato mecânico e sem significado como frequentemente acontece na escola, quando o professor impõe uma leitura desmotivada ao aluno. Uma prática de leitura mecanicista, que não considera o sentido geral do texto e à qual estão ligadas diversas propostas de ensino, na visão tradicional, impedindo o aluno de integrar as informações do texto e de realizar sua leitura global.

O modelo cognitivo de leitura ou tradicional, o primeiro modelo que aqui descrevemos, frequentemente utilizado na escola, teoriza sobre os processos mentais de quem lê, mas desconsidera outros aspectos. Aos nossos estudos interessa, fundamentalmente, o processo de formação de leitores no contexto de sala de aula de língua portuguesa, logo não podemos ter por base apenas esses primeiros modelos, pois entendem que a interação leitor- texto não colabora para a atividade de socialização dos sentidos do texto, não podemos apoiar nossa pesquisa somente no aspecto cognitivo da leitura, embora não possamos abrir mão da compreensão e tais aspectos, cientes de que as concepções se complementam em seus sentidos.

Já sob a utilização da teoria interacionista, que veremos, objetiva-se ver a construção significativa do texto como um todo. O uso dessa concepção pelo professor na sala de aula insere a interação no processo de construir sentido, e se complementa com o uso das concepções anteriores. Esse enfoque permite ao aluno revelar a sua capacidade de compreensão e reposicionar os problemas que tenha a partir da compreensão do texto não somente na escola, mas nas condições adversas com que ele se depara até chegar à compreensão. Iremos ver, a seguir, os pressupostos teóricos que tratam desse modo interacionista de leitura.