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3.1 Modelos de leitura

3.1.5 Modelo sociopsicolinguístico de leitura

Nesse percurso teórico dos modelos de leitura, a maioria das mudanças ocorreu quando os autores repensaram suas posturas teóricas, como é o caso dos Goodman (1984) que durante essa fase complementam seus estudos e fornecem uma visão ampliada do modelo que denominou de sociopsicolinguístico. Do modelo behaviorista da leitura ao modelo interacionista se delinearam muitas mudanças, que residem no fato de que na versão interacionista da leitura, leitor e textos embora cheguem a se tocar, seguem caminhos separados. Para a sociopsicolinguística, eles se tocam e, no processo, se transformam.

No modo de leitura elaborado nessa versão leitor e texto, no processo, se transformam ao interagirem como participantes de uma transação da qual surge o significado, redimensionando suas posições, sendo vistos como parte de um sistema maior, desse modo, os autores colocam esta como uma versão transacional para explicar como se processa o ato de leitura.

A leitura é, sob o ponto de vista desse modelo, um evento dinâmico, uma atividade processual que atinge tanto a produção quanto a recepção do texto. O ato de ler consiste numa atividade realizada na interação que ocorre entre a tríade escritor, leitor e texto, no qual o significado resulta em um novo evento, uma transação ou encontro, e não pode existir fora dessa relação. Mas esse evento não pode ser explicado considerando apenas o ponto de vista do leitor, nem somente o ponto de vista do documento lido, uma vez que o processo de ler transforma ambos e o significado é sempre uma relação entre textos e contexto (sócio-histórico-cultural).

Para (ROSENBLAT, 1978 apud BRAGGIO, 1992), o ato de ler é um evento envolvendo um indivíduo e um texto em particular, acontecendo num momento específico, sob circunstâncias específicas, num contexto social e cultural específico, como parte da vida envolvente do indivíduo e do grupo. Esse é o entendimento apresentado por Goodman (1984) para mostrar que, na atividade leitora, há uma unidade de ações que se somam para unir as modalidades de leitura e de escrita, que são transacionais.

Do ponto de vista transacional, o escritor produz o texto, que é transformado no processo de leitura, momento em que o leitor, com seus esquemas, também constrói um outro texto. O modelo sociopsicolinguístico é considerado, primeiramente, como unitário, visando à unidade que busca a diversidade, ou seja, o entrosamento entre as especificidades da linguagem escrita e a compreensão da modalidade oral. Nas palavras de Braggio:

o ato de ler e/ou escrever é visto também como flexível, já que ele varia de acordo com o objetivo do escritor/leitor, com a audiência, a proficiência, a língua, a visão de mundo, o momento sócio-histórico do sujeito e do grupo, que implica na unidade dentro da diversidade, ou seja, embora o processo seja unitário psicosociolinguísticamente, ele varia de acordo com a situação na qual é produzido, já que as características do escritor, do texto e do leitor influenciam no significado resultante. (BRAGGIO, 1992, p. 70)

Como vimos, não há ênfase especial para nenhum dos componentes do processo, nem para o leitor nem para o texto, mas na ação interrelacionada em que o significado é sempre uma relação entre o texto e o contexto sócio-cultural. Para Goodman (1984 apud BRAGGIO, 1992, p. 70) a leitura eficiente resulta da habilidade em selecionar os aspectos mais produtivos necessários para produzir e testar hipóteses sobre a linguagem escrita.

Corroborando com os estudos de Leurquin (2011), o leitor, nessa perspectiva, por meio de transações, constrói um texto durante a leitura, num evento que não se concretiza apenas no contexto de sua realização. A leitura sofrerá variações de acordo com os objetivos do leitor e escritor, com a audiência, a proficiência da língua, a visão de mundo e o momento sócio-histórico do sujeito e do grupo. No processo da compreensão, estratégias cognitivas são definidas e operam na busca do significado. A referida autora lembra ainda que esse modelo de leitura não objetiva substituir os anteriores, mas coexistir com eles, ampliando seus limites e conceitos.

Como Braggio (1992), acreditamos que esse modelo apresenta a linguagem como um instrumento formador de consciência, necessário para que o leitor tenha uma reflexão sobre a sua condição, como um ser social, para que alcance a qualidade de leitor crítico, transformador, ativo e socialmente competente. Como alerta Bakhtin (2006), a linguagem, como não é um produto acabado, não pode ser reduzida a uma norma imutável.

Entendemos outrossim que há um ponto de convergência entre os estudos de Bakhtin e essa proposta de leitura, uma vez que ambos evidenciam o status da linguagem nas interações e no meio social, histórico e cultural que constrói o homem.

O que diferencia essa proposta das anteriores é a valorização das duas modalidades ler/escrever e a percepção de que há flexibilidade entre elas, tendo em vista que o leitor ativa esses três sistemas no evento da leitura. Dessa perspectiva surgem também novos encaminhamentos para a leitura em que interagem esses três principais componentes, baseados em estudiosos como Bakhtin, Vygotsky e Freire, que pensam a linguagem, o homem e a sociedade de modo totalizante e concreto, capaz de mudar a si e a sociedade, motivado pelas contradições geradas. A junção das propostas desses três pesquisadores muito contribuiu para os estudos linguísticos e educacionais no século XX.

Segundo BRAGGIO (1992), é do entrelaçamento de suas ideias que uma concepção plena de leitura e escrita emerge. O processo de comunicação constrói-se na perspectiva de que o homem, humanizado pela linguagem, toma consciência de si mesmo e de sua realidade, reflete sobre ela, transformando-a e transformando-se como sujeito e como agente sócio-histórico. Essa perspectiva permite novos estudos e aberturas para compreendermos não só o funcionamento da linguagem, mas também o da leitura na sala de aula, por isso nela embasamos nossos estudos.

A visão sociopsicolinguística da leitura concebe como referencial o processo de leitura porque esse é contínuo, complexo e dinâmico, acontecendo em rede e de forma transacional, não sendo entendido aqui como produto acabado inalterável.

A partir desse modelo, concretiza-se uma mudança na compreensão das teorias, que deixaram de ser uniformes, unilaterais, para serem interpretadas a partir de conexões, de redes, de transações, o que resultará na formação do leitor crítico, capaz de se comunicar com variados textos de diferentes formações.

Fundamentamo-nos, para explicação desse modelo, na teoria de Vygotsky sobre a zona de desenvolvimento proximal, trazendo para a discussão o papel do professor como formador de leitores proficientes e críticos, que fazem uso da palavra para libertar não para alienar.

A Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) corresponde à distância entre o nível de desenvolvimento real que se costuma determinar através da solução independente de problemas e o nível de desenvolvimento potencial determinado, a partir da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou com a colaboração de companheiros mais capazes.

Delineamos um gráfico com a finalidade de tornar mais palpável a reflexão sobre esse conceito, mostrando que as intervenções feitas pelos professores ou pelos pares, sob conhecimento do universo sociocultural do indivíduo e de teorias que possam subsidiar esse conhecimento, o levará à produção, em conjunto, do conhecimento.

ZONAS DE DESENVOLVIMENTO

Fonte: da autora.

É nesse espaço que está localizado o papel do formador de leitores, que precisa ter conhecimento de teorias que possam subsidiar a prática da leitura a fim de melhor desempenhar o seu papel, trazemos então esse delineamento histórico dos modelos de leitura, com o intuito de contribuir para esse embasamento teórico.

Importante salientar ainda que tanto na zona de desenvolvimento proximal quanto na potencial o modelo de leitura de que se faz uso é o interativo.

As práticas de leitura em sala de aula, bem como as pesquisas sobre o ensino da leitura na escola revelam a necessidade de um estudo do conceito de língua voltado para linguagem como atividade dos sujeitos no cotidiano, como postulado nesse modelo. O trabalho com leitura deve buscar orientar o aluno para se organizar e aprender a língua em seu funcionamento ou nos diversos usos, não apenas para que aprenda a descrevê-la.

A partir do momento em que aconteceram essas mudanças na concepção de linguagem e de consciência, o papel da linguagem na comunicação e na formação da consciência foi repensado. É o que pretendemos ao falar do tema “violência contra a mulher”, tentar adquirir voz e romper o silêncio pela linguagem, defendendo a emancipação e o empoderamento das mulheres, em busca, através do feminismo, de uma sociedade mais equitativa. Embora aconteça atualmente uma dominação, como fato social, é improvável que ela seja hegemônica como ideologia dentro dos espaços sociais nos quais as mulheres tenham o direito de se colocar livremente e tivemos a intenção de abrir um desses espaços.

Compreendemos assim, com base nos estudos de Leurquin (2011) que para explicar as formas mais complexas da vida consciente é preciso buscar as origens dessa vida consciente e do comportamento nas condições externas, no convívio social, nas formas histórico-sociais da existência humana, como postularam Vygotsky e Luria, em 1987.

Em síntese, os modelos de leitura apresentados pautam-se pelas posturas teóricas em relação à aquisição de linguagem e estão relacionados ao homem e as suas práticas

Zona de desenvolvimento

Real (Independente) Zona de desenvolvimento Potencial (Sob orientação) Zona de desenvolvimento

sociais. A reconstrução desse percurso teórico visa contribuir com a compreensão dos modelos de leitura. Partimos da visão empirista para a atual, colocando os modelos não como estanques e acabados, mas respeitando a densidade dialógica da linguagem, as especificidades de cada um e situando-os no contexto sócio histórico no qual se inserem, cientes da contribuição de um modelo para a formação do outro.

A perspectiva de linguagem enquanto interação permitiu não só que os estudos linguísticos enveredassem por diferentes direções, mas também que o processo educacional, especialmente, os estudos da leitura tomassem novo impulso.

Houve, nesse percurso, um fortalecimento do estudo de língua materna voltado para o uso, com ênfase na leitura e na produção de texto, surgindo, assim, concepções de leitura, de texto e de leitor, igualmente distintas. Atribui-se ao ensino da leitura um relevante papel na educação formal, trabalhando-se atualmente com diversas linguagens e gêneros discursivos, de modo a permitir que o sujeito leitor seja capaz de transformar-se, através dessas leituras, para organizar-se em seu papel social. Esses aspectos interagem tanto na produção quanto na compreensão do texto e na construção do sentido na escola.

Entendemos então que a teoria sociopsicointeracionista pauta-se pela linguagem produzida no espaço privilegiado da interlocução e não somente no sistema da língua. Partimos do princípio de que o processo comunicativo, na comunidade discursiva, ocorre mediante os princípios que determinam os comportamentos verbais e não-verbais e não somente como modos de codificar ou de decodificar signos. A linguagem é constitutiva do sujeito, do seu pensamento, da sua consciência que só adquire forma e resistência por meio dos signos criados por um grupo organizado, em que o fenômeno linguístico é um modo de criação individual e a enunciação um lugar de manifestação desses fenômenos.