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A investigação que realizamos está fundamentada no Interacionismo Sociodiscursivo, com o objetivo de observar a mobilização das capacidades de linguagem de alunos do 7º ano do Ensino Fundamental da escola pública municipal de tempo integral Professora Antonieta Cals, em que leciono desde 2014, em uma sequência didática que aplicamos, com base no descritor 11, proposto pela matriz de referência para língua portuguesa das avaliações do SPAECE, para, a partir das dificuldades verificadas, desenvolver tais capacidades, com foco nas capacidades de ação e linguístico-discursivas.

Trabalhamos com atividades de leitura, que foram desenvolvidas durante as aulas da disciplina de língua portuguesa desta turma de 7º ano. Os dados foram coletados nas aulas de língua portuguesa, durante a 4ª etapa de 2019. Para tal, formulamos os módulos das atividades, em uma adaptação do dispositivo sequência didática para o ensino de leitura, com textos jornalístico-midiáticos, que foram trabalhados durante o período, com foco nos mecanismos enunciativos propostos por Bronckart (1999), também como parte das atividades didático-pedagógicas da turma.

Assim, a sequência didática não se realizou somente com o objetivo de compor a nossa pesquisa, mas fez parte das atividades da 4ª etapa para a turma. Importante lembrar que, embora a seleção do tema não ocorra com essa motivação, a compreensão dos mecanismos de coesão nominal também faz parte dos objetivos curriculares para o 7º ano. Prevemos a utilização de pouco mais de um mês, com 6 horas aula semanais destinadas à sequência didática, mas acabou sendo necessário a utilização do bimestre quase inteiro, por conta de contratempos que ocorreram na escola. Além desse tempo, utilizamos os horários de planejamento e outros horários para montar as atividades de leitura.

Fizemos opção por produzirmos o nosso próprio material em função da necessidade de um material específico para a nossa coleta de dados, em que se pretende desenvolver capacidades de linguagem, no entanto, importante esclarecer que os professores, de maneira geral, encontram dificuldades para realizar essa mesma produção em virtude do tempo e das condições financeiras que encontram nas escolas públicas, mesmo constando que os Livros Didáticos não atendem às expectativas do seu planejamento, mas acabam precisando utilizá-lo.

Ademais, o livro didático em uso na escola em que trabalho, “Português: linguagens”, com o qual trabalhamos há 3 anos, embora faça um trabalho que considera os gêneros textuais como ponto de partida para o ensino-aprendizagem, não apresenta atividades de compreensão leitora que objetivem o desenvolvimento das capacidades de linguagem, objetivo do nosso estudo.

Formulamos uma SD dentro da zona de desenvolvimento proximal dos estudantes a fim de perceber, posteriormente, se eles revelavam progresso no que se refere à mobilização das capacidades específicas e percepção dos mecanismos estudados. A escolha dos textos que compuseram as atividades foi realizada em função do tema e posicionamento da notícia a ser estudada, não foi feito um estudo anterior acerca do posicionamento do jornal, por esse motivo não detalhamos essa informação na nossa pesquisa.

A elaboração de todos os itens que compuseram nossas atividades e sua análise foi realizada sob a perspectiva teoria do Interacionismo sociodiscursivo, no que se refere aos mecanismos de textualização. As atividades que irão compor o nosso corpus foram elaboradas com base no gênero textual notícia sob a temática do universo da violência contra a mulher. A escolha dessa temática foi realizada em sala de aula, sob votação dos alunos.

Realizamos uma sequência didática de 16 aulas, geminadas, que se seguiram por quase 2 meses letivos, contabilizando um total de 32 horas/aula. Posteriormente, por diversas

vezes, ao longo da pesquisa, essas atividades foram reavaliadas, para regularmos os pontos em que as dificuldades foram aparecendo e, desse modo, fomos adaptando as aulas seguintes.

A definição do dispositivo didático que denomina-se sequência didática é realizada por Dolz, Noverraz & Schneuwly (2004), como um conjunto de atividades pedagógicas, organizadas de maneira sistemática em torno de um gênero textual, em que há o objetivo de oferecer ao aluno instrumentos importantes para melhorar sua capacidade de ler e escrever. A sequência didática tem por objetivo ajudar o aluno a apropriar-se de um gênero textual, contribuindo para que consiga fazer uso do seu discurso em situações de comunicação determinadas, com foco nas capacidades de linguagem requeridas para a produção do gênero trabalhado, a fim de promovermos uma pedagogia que não seja superficial, e que seja situada socialmente. Adaptamos essa teoria para a leitura, a fim de realizarmos as nossas atividades no âmbito da leitura.

Foram, assim, 5 atividades elaboradas. Cada uma delas iniciava com um vídeo que tinha a função de acionar no leitor o seu repertório, constituído a partir das suas memórias, e suscitar o debate acerca da temática do texto que seria estudado.

As memórias consistem no conjunto de procedimentos que permite ao indivíduo manipular e compreender o mundo, tendo em conta o contexto e as experiências individuais, sendo componente integradora dos processos cognitivos. A memória se encontra no centro de estudos da psicologia cognitiva, que a compreende sob duas correntes diferentes: a estruturalista (memória sensorial, memória de curto prazo e memória de longo prazo) e a processual (diz respeito às atividades mentais que executamos tendo em vista a codificação, retenção e recuperação da informação da memória). O vídeo que dava início a cada atividade tinha a função de ativar as memórias visual e auditiva (memória sensorial), a fim de suscitar o debate que daria início à compreensão textual.

O processo de coleta de dados transcorreu em um total 16 encontros, que dividimos em três módulos: o primeiro módulo constou de 2 atividades iniciais, o segundo

módulo continha mais 2 atividades (capacidades de ação) e o terceiro módulo com as 2

últimas atividades (capacidades linguístico-discursivas). Nas atividades dos módulos algumas questões pontuais tratavam ainda da capacidade discursiva de modo mais incipiente e consideramos que essa capacidade foi trabalhada também nas predições que realizamos.

As atividades do primeiro módulo foram realizadas com o objetivo de verificar os conhecimentos que os alunos já tinham sobre o tema a ser estudado. Elas permitiram termos uma visão maior do contexto de onde foram extraídos os dados da nossa pesquisa, bem como foi importante para desenharmos melhor o perfil dos estudantes. Importante lembrar que todas

as atividades foram elaboradas objetivando ajudá-los a ter acesso a possibilidades de práticas de linguagem no contexto social em que se inserem.

Inicialmente, fizemos uma sondagem com os alunos a respeito do tema que os interessava para debate e estudo. Entre os temas escolhidos tivemos: a situação estrutural em que a escola se encontra (por estar em reforma há 5 anos), os games, a violência na comunidade e a música. Dentre esses assuntos que despertavam a curiosidade dos alunos, o que se evidenciou nos relatos da maioria como mais importante para ser pauta de um debate foi a violência na comunidade, no entanto, na sequência do debate, ficou claro que um tipo específico de violência parecia incomodar mais, que, segundo relatos deles mesmos, era o que mais acontecia onde moravam e estava sendo noticiado nos jornais diariamente: o universo da violência contra a mulher. Foi o assunto que mais ganhou destaque em nosso debate.

Consideramos importante embasar nossas atividades sob este assunto uma vez que, a violência contra a mulher vem tomando espaço nos nossos jornais, diariamente, e vem atingindo um número cada vez maior de pessoas, em contrapartida, as políticas públicas que combatem esse tipo de ação estão se tornando cada vez mais escassas, trazendo a urgente necessidade de travarmos debates sobre o tema nas escolas. Além disso, “o aluno não é apenas um ser cognitivo, como, também, uma entidade afetiva e emocional” (Dolz e Schneuwly, 2004), por isso concordamos com a importância de travar um debate a partir de um tema sob consulta dos alunos.

A violência contra a mulher é uma forma extrema de desigualdade de gênero e tornou-se um problema de saúde pública e dos direitos humanos, ademais atinge um grande número de mulheres em todo o mundo. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), na Região das Américas, ao longo da vida, uma em cada três mulheres sofre violência doméstica, praticada pelo parceiro íntimo, ou violência sexual, praticada por outra pessoa que não seja o parceiro (OMS/OPAS, 2015). Importante citarmos ainda que a expressão “violência contra as mulheres” designa todos os atos de violência, dirigidos contra o sexo feminino, que causam ou que possam causar prejuízo ou sofrimentos físicos, sexuais ou psicológicos às mulheres, incluindo a ameaça de tais casos e a restrição ou a privação arbitrária da liberdade, seja na vida pública ou privada.

Em seguida, sem ativação de conhecimento prévio, aplicamos uma atividade de escrita, que consideramos como a primeira atividade desse primeiro módulo, em que foi solicitado aos alunos que escrevessem um texto do gênero notícia, com o tema “Violência contra a mulher”. Das notícias escritas pelos alunos selecionamos uma, que figurou como o texto 2 da segunda atividade desse módulo, adaptada com propósito didático.

Esses dois momentos iniciais que compuseram o primeiro módulo tiveram como objetivo estabelecer as diretrizes e orientar os conteúdos que seriam trabalhados posteriormente. Por ser professora da turma e vir acompanhando a sua evolução desde o início do ano eu já estava a par do perfil dos alunos, porém se fazia necessário mapear as dificuldades sobre as capacidades de linguagem dos aprendizes para podermos melhor mediar o processo de ensino-aprendizagem. Os 2 módulos seguintes, cada um com 2 atividades, inicial e final, se destinaram a verificar as capacidades de ação e linguístico-discursiva, respectivamente. A princípio tencionávamos não trabalhar com a capacidade discursiva, mas ao longo dos nossos estudos percebemos que ela está intrinsecamente ligada às outras duas e, embora não tenha uma atividade específica que se dedique a ela, consideramos ter trabalhado esta capacidade em meio às discussões realizadas nas predições e em algumas questões das atividades.

A princípio, elaborei a sequência didática e acreditava que poderia aplicar os 3 módulos, com a atividade inicial e as 5 atividades programadas em quatro semanas, no entanto surgiram contratempos (alguns relacionados à rotina da escola, outros porque precisamos realizar regulações no conteúdo), que só permitiram que terminássemos em pouco menos de 2 meses.

Não realizamos previamente um questionário formal sobre o contexto dos alunos, pois não achamos necessário, uma vez que, como pesquisadora sou professora da turma e venho acompanhando esses estudantes desde o início do ano letivo.

Algumas perguntas, sobre as vivências dos alunos em relação ao tema, foram realizadas durante as predições e iremos descrevê-las aqui. Ao início de cada atividade os alunos eram convidados a participar dos debates empreendidos sobre os textos seguidos das atividades de compreensão textual. Os debates que aqui descreveremos foram de fundamental importância para a compreensão dos dados analisados. Trabalhar o mundo externo à obra nos momentos iniciais foi importante, para, a partir dele, o aluno inferir o discurso encontrado em outras vozes sociais.

“É importante atentar para a mobilização dos parâmetros da ação de linguagem por um agente-produtor e que, possivelmente, interfere na forma de semiotizar um conteúdo temático, embora seja necessário o agente-produtor atentar para as coerções impostas pelo gênero e pelas regras da língua” (Bronckart, 2006)

À medida que fui aplicando as atividades, realizei anotações sobre o que acontecia durante as aulas para que não perdêssemos, principalmente, os momentos das discussões em sala, que nos informavam sobre os conhecimentos que os alunos já traziam sobre o tema. Fiz,

então, o “diário da sequência didática” em que ia anotando, a cada aula, muitas vezes no momento da aula em que os alunos iniciavam a atividade, até chegar o momento em que começavam a surgir as dúvidas. Muitas vezes a aula não era suficiente para todas as anotações, ficando algumas para os momentos de planejamento.

Registramos então as discussões empreendidas previamente a cada atividade, com o fito de perceber se o estudante apresentava um pensamento macro sobre o assunto, evocando suas construções histórico-sociais, políticas e culturais sobre o tema. Bem como, a fim de explorar o contexto de produção e os mundos social e subjetivo dos alunos.

Nessa perspectiva, as atividades serão analisadas, avaliando-se a evolução do grupo. Também será estabelecida a comparação entre as produções iniciais e produções finais do grupo.