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2.4 Do Reconhecimento de Palavras à Compreensão Leitora

2.4.5 Modelos de Compreensão Leitora

A compreensão textual vista sob uma perspetiva linguística é notória nos primeiros modelos de compreensão de texto (e.g. Kintsch & Dijk,1978). Os autores procurando explicar os processos cognitivos inerentes à compreensão leitora de adultos, criam um modelo, baseado na representação semântica das preposições. As proposições resultam da divisão frásica em unidades de sentido mais pequenas que podem constituir, por si só, afirmações individuais. Segundo os autores, a compreensão assenta na construção de uma representação semântica válida, através da inter-relação entre as proposições extraídas das frases, ativas na memória a curto prazo. O número de conexões que as proposições estabelecem umas com as outras determina o tempo de permanência destas na memória a curto prazo e a facilidade da sua recuperação pelo leitor, desta forma, as proposições centrais do texto tendem ser aquelas mais facilmente acedidas. Esta apropriação de um sentido semântico do texto, ocorre ciclicamente, à medida que o leitor se vai deparando com cada proposição.

McNamara, Miller e Bransford (1996) porém referem que “A problem with propositional representations is that they are often more representative of the structure of the text than they are of the structure of memory for the text”(p.492). Segundo os autores, uma linha posterior de investigações ao nível da compreensão leitora tem evidenciado que os leitores não realizam o processamento textual apenas a um nível proposicional, mas constroem um modelo textual mental representativo dos eventos e das situações descritas pelos textos.

Contemplando igualmente a representação mental do texto, Kintsch e Rawson (2005) e Kintsch e Kintsch (2005) com base nas pesquisas de Kintsch, nos anos 80/90 enunciam uma teoria de compreensão leitora assente na interação entre dois níveis: representação base do texto e modelo situacional.

O primeiro nível, representação base do texto, diz respeito à representação linguística da estrutura do texto e do seu significado. Compreende dois subníveis principais:

(i) Micro, caracterizado, pela análise dos símbolos gráficos para extração do significado das palavras, formação de proposições (com base na significação semântica das palavras e suas relações sintáticas) e estabelecimento de relações coerentes entre proposições.

(ii) Macro, que representa a estrutura global do texto, hierarquizada em macroproposições. Este subnível contempla a identificação dos tópicos do texto e estabelecimento de relações entre eles de acordo com o assunto central do mesmo.

O nível de representação base do texto centra-se na compreensão do conteúdo explícito do texto, ou seja, é em grande medida determinado pelo que o autor escreveu. No entanto, para que a compreensão textual ocorra a um nível mais profundo, a representação base do texto deve ser integrada num nível de compreensão mais abstrato implicado no modelo situacional que inclui o conhecimento do mundo, experiencias prévias do leitor e seus objetivos. A representação situacional vai assim para além do domínio linguístico proposicional sendo por isso menos previsível, uma vez que depende de cada leitor

Kintsch e Kintsch (2005) esclarecem que o conhecimento do leitor acerca do assunto é determinante para a representação mental do texto, ou seja, se este for pouco entendido no mesmo, centra-se maioritariamente na informação proposicional extraída do texto, se for mais conhecedor do assunto, a sua capacidade inferencial aumentará e a sua representação mental do texto excederá o descrito no próprio texto para a elaboração de constructos mais complexos. A realização de inferências é o elemento crucial que caracteriza a construção ativa de significado diferenciada da apreensão passiva de informação. Estas são necessárias do ponto de vista do estabelecimento da coerência textual, não só a nível do preenchimento de lacunas na construção da representação base do texto como também na realização de representações mentais do texto no modelo situacional.

Segundo o modelo situacional para que a compreensão ocorra o leitor deve relacionar o seu conhecimento prévio acerca de determinado assunto com a nova informação fornecida pelo texto, integrando, igualmente, neste processo o conteúdo que

vai recolhendo do texto, ao longo da sua leitura. O papel da memória de trabalho e da memória a longo prazo é assim fundamental uma vez que permitem não só utilizar os conhecimentos armazenados durante as vivencias/aprendizagens diárias (memória a longo prazo) como também reter e relacionar a informação fornecida ao longo do texto com as inferências feito pelo leitor (memória de trabalho). Kintsch e Kintsch (2005) clarificam que quando lemos um texto num domínio familiar, a memória de trabalho processa componentes da memória a longo prazo. Nesta linha, a memória de trabalho relaciona-se com a compreensão leitora. Contudo, os autores expõem que não é a capacidade ao nível da memória de trabalho que marca diferenças individuais, mas sim a habilidade com que se tira partido dessa capacidade. Um leitor proficiente é aquele que é capaz de se servir com eficácia das informações armazenadas ao longo da compreensão do texto.

Em tom de síntese, da apresentação dos modelos acima, verificamos que os mesmos evoluíram de uma representação proposicional do texto a uma representação mental/situacional deste culminado na interação entre ambos. McNamara, Miller e Bransford (1996) referem ainda que um leitor dependentemente do material a ler e da tarefa a realizar escolhe o tipo de processos a utilizar, se mais a um nível proposicional (quando é necessário reter a estrutura do texto ou quando a natureza do texto dificulta a construção de modelos mentais) se mais um nível situacional (que permite reter, recolher e apreender melhor os eventos dos texto e construir conhecimento).

Face ao exposto, verificamos que para além da compreensão leitora não poder ser dissociada do conteúdo e estrutura interna do texto como um todo, ela remete para a compreensão da linguagem falada e para a aquisição e domínio vocabular por parte do leitor, que se serve desse conhecimento para fazer inferências e construir ativamente representações mentais do texto. O vocabulário é assim uma medida essencial à compreensão uma vez que não seria possível compreender um texto do qual desconhecessemos grande parte das palavras. Vários estudos evidenciam assim correlações positivas entre o vocabulário e a compreensão leitora (Biemiller, 2011; Carlson, Brownell, Jenkins & Li, 2013; Verhoeven & Leeuwe, 2008).