• Nenhum resultado encontrado

Modelos de explicação do medo do crime

Parte II: O medo (do terrorismo)

2. Modelos de explicação do medo do crime

Têm sido avançados vários modelos de explicação do medo do crime, sendo que cada um desses modelos dá enfase a um conjunto de variáveis que são de ordem individual, contextual ou social. Portanto, os primeiros trabalhos referem-se a características sociodemográficas (e.g., Skogan & Maxfield, 1981; Warr, 1984), inserindo-se assim no modelo da vulnerabilidade. A par deste modelo, surge a tese da vitimação que também é relevante para a explicação do medo do crime.

2.1. Tese da vulnerabilidade

Hale (1996) afirma que a noção de vulnerabilidade tem de estar incluída em qualquer modelo que procure explicar o medo. A vulnerabilidade tem sido definida como como a capacidade de lidar com a possibilidade de uma situação perigosa relacionada com o crime, ou como a capacidade para recuperar, isto é, para restaurar a situação económica, social, mental e física que existia antes da vitimação ter ocorrido (Hirtenlehner, 2008).

2.1.1. Medo do crime e o género

Dados mais consistentes da literatura, afirmam que as mulheres têm mais medo do crime, em relação aos homens, antecipam um maior risco de vitimação, tem mais tendência para considerar que o crime aumentou muito no seu local de residência e adotam mais comportamentos de segurança (prevenção). Contudo são muito menos vitimadas na maior parte dos crimes – há um desfasamento, e este é um dado universal. O que acontece é que há um paradoxo entre crime e vitimação – as mulheres tem mais medo do crime, mas são menos vitimadas, o que tem sido designado na literatura como paradoxo medo-vitimação (Hale, 1996). No que concerne aos homens, existem várias explicações mas que, recentemente, se tem procurado perceber este resultado a partir do sexo masculino, pois estes poderão não estar

22 a reportar o medo do crime por causa da desejabilidade social (Sutton & Farral, 2005). Existe um estereótipo na sociedade geral de que os homens têm de ser os mais fortes; são eles que tem de defender perante as ameaças. Será que os homens quando reportam o medo e afirmam não ter medo, será que estão a dar resposta desejável a um investigador? Sutton & Farral (2005), afirmam que os homens que reportam níveis menos elevados de medo do crime são os que reportam níveis superiores de desejabilidade social. Mais, os homens que representavam níveis nulos de desejabilidade social iriam reportar mais medo do crime que as mulheres honestas. Há um fator social muito forte, e um estereótipo da sociedade que está a mediar o medo do crime. Não é assim tão linear que os homens sintam mais medo do que as mulheres, o que existe são fatores que influenciam esse medo (Sutton & Farral, 2005).

2.1.2. Medo do crime e a idade

O que se proclamava era que os idosos tinham mais medo do crime (Skogan, 1987). Porém, ao longo do tempo, diversos estudos têm vindo a demonstrar que os jovens também apresentam níveis elevados de medo e que, muitas vezes, são superiores aos apresentados pelos idosos (Chadee & Ditton, 2003; Gomme, 1998).

Por exemplo, Ziegler e Mitchell (2003), no seu estudo, verificaram que quem tinha visto o vídeo de assalto a habitação tinha mais medo, mas este medo era seletivo, ou seja, apenas afetou os mais novos. Ao contrário do que se esperava não foram os mais velhos que ficaram mais afetados. Também verificaram que os idosos reportaram menos risco, ou seja, menor perceção de virem a ser vitimados. Estes dados vêm pôr em causa estudos anteriores que afirmavam que os idosos, de forma inequívoca, reportavam mais medo do crime em comparação com os mais jovens.

2.1.3. Medo do crime, escolaridade, posição social e etnia

Atinente à escolaridade é um dado universal que os indivíduos menos escolarizados têm mais medo de crime. Ou seja, os indivíduos menos escolarizados têm mais medo do crime. Em relação à posição social, os indivíduos mais carenciados são os que tem mais medo do crime, visto que vivem em locais mais expostos à violência, ao crime. E, portanto, podem ter mais dificuldade em se proteger (Guedes & Cardoso, 2012; Skogan & Maxfield, 1989 cit in Hale, 1996).

Por fim, no que concerne à etnia, verifica-se que as minorias étnicas são as mais inseguras, porque também residem em comunidades mais carenciadas, com mais níveis de desordem, porque efetivamente têm mais probabilidade de serem vítimas de crime porque estão

23 mais expostas nestes locais à violência e são contextos em que existem altas taxas de criminalidade (Guedes & Cardoso, 2012; Hale, 1996).

2.2. Tese da vitimação

Hale (1996) afirma que a evidência que suporta a associação entre medo do crime e vitimação criminal é mista. Por um lado, uma vitimação prévia pode fazer com que os indivíduos adotem mais comportamentos de segurança, mas tal não significa que a vitimação faça com que estes indivíduos se sintam com mais medo.

Hale (1996), ainda explica porque é que existe mais vitimação indireta do que vitimação direta: 1) a primeira está muito mais disseminada, porque a vitimação direta é um evento mais raro e a vitimação indireta é algo que os indivíduos experienciam diariamente; 2) Os indivíduos também realizam comparações entre eles próprios e as vítimas, o que pode aumentar ou reforçar o sentimento de vulnerabilidade. A adicionar a isto, existe um imaginário construído à volta das vitimações indiretas, porque não temos uma urgência ou necessidade de encontrar formas de lidar com estas situações; mas o nosso imaginário vai-se construindo ao longo das histórias que ouvimos diariamente, o imaginário vai fazer com que o medo aumente, o que não aconteceria provavelmente se fossemos diretamente vitimados.

A tese da vitimação propõe que existirá uma relação positiva entre o facto de os indivíduos terem sofrido uma vitimação e o medo do crime (Bennett, 1990). A vitimação segundo este autor é definida pelo facto de o medo do crime, numa comunidade, ser causado pela taxa de criminalidade existente ou pelo que os indivíduos conhecem sobre a atividade criminal, e aqui entra tanto as conversas coloquiais entre os sujeitos dessa comunidade, como as mensagens transmitas pelos mass media (Gomme, 1988). Desta feita, esta definição contém em si dois tipos de vitimação: direta e indireta ou vicariante. A vitimação direta consiste num ataque pessoal como consequência – envolve um processo de vitimação pessoal com perda imediata ou trauma psicológico e pode aumentar os sentimentos de vulnerabilidade. Na vitimação indireta ou vicariante, as vítimas não o são diretamente. As vítimas diretas são terceiros, como amigos, familiares, entre outros, que afeta indiretamente os indivíduos, ou seja, sofrem também com as consequências do crime praticado contra terceiros que lhes são próximos (Bennett, 1990). Em suma, esta vitimação pode derivar de distintas fontes – amigos, membros da família que foram vitimados (compaixão, identificação com as vitimas que podem ser mais ou menos próximas – e o impacto da vitimação pode ser superior, ou seja, quando mais nos identificarmos com a vitima, mais impacto a vitimação dessa nos vai causar (idem, 1990).

24 No que concerne aos estudos que sustentam a vitimação direta, uns dizem que existe uma correlação positiva: ou seja, pessoas que têm mais episódios de vitimação têm mais medo. Por outro lado, existem estudos em que não existe qualquer correlação, nem aumenta nem diminui. E há estudos que dizem que a vitimação diminui o sentimento de insegurança. Isto porque as pessoas ao serem vítimas começam a adotar mais comportamentos de segurança, e começam a estar mais atentos, e o SI das pessoas diminui. Pode acontecer isto, mas não é universal (Garofalo, 1977; Russo & Roccato, 2010; Skogan, 1987).

Os autores dizem também que não podemos tirar conclusões gerais, porque isto depende do tipo de crimes. Quando somos vítimas de crime contra a propriedade em que não há um confronto direto com o agressor, o SI não aumenta (Miethe & Lee, 1984).

Contudo, em dois estudos longitudinais, em que as mesmas pessoas foram seguidas ao longo de um ano, verificou-se que a vitimação era um preditor do medo do crime. Aqui já há uma relação entre vitimação e medo do crime, há um acompanhamento da evolução dos sentimentos em relação às vitimações que vão acontecendo. No estudo de Skogan (1987) foram realizadas duas entrevistas a cada sujeito num espaço de um ano, medindo assim, o medo do crime, comportamentos e experiências de vitimação, sendo que os resultados mostraram que a vitimação mais recente estava relacionada com o medo e comportamentos. Já o estudo de Russo & Roccato (2010) foi realizado a uma amostra de 1701 indivíduos ao longo de 1 ano (em 2 ondas), e aqui, a vitimação direta mais recente também foi o preditor mais eficaz do medo do crime.

Já no estudo transversal de Garofalo (1977), 45% das vítimas contra 46% das não vítimas sentiam-se inseguras. Portanto, nos estudos longitudinais de Russo & Roccato (2010) e Skogan (1987), há uma relação entre vitimação e medo do crime visto que há um acompanhamento dos sentimentos em relação às vitimações que foram ocorrendo ao longo da vida do sujeito.