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CAPÍTULO II A LEITURA DO HIPERTEXTO EM PERSPECTIVA

2.3 Modelos de leitura

As pesquisadoras (Solé, 1998; Colomer & Camps, 2002; Kato,1995; Kleiman 1989, 1998, 2008) expõem que a concepção tradicional de leitura se constitui em torno dos modelos hierárquicos (ou de processamento) ascendente (buttom up) e descendente (top down).

No modelo ascendente, o leitor começa pelas partes para chegar ao todo, ou seja, dos níveis inferiores aos níveis superiores, realizando um percurso linear. Em outras palavras, o leitor começa a leitura pelas letras (decodificação), passa para as palavras, depois para frases e ao relacioná-las chega ao significado global.

Nesse modelo atribui-se grande importância às habilidades de decodificação, porque se considera que o leitor pode compreender o texto por ser capaz de decodificá-lo. Por isso, é visto como um modelo centrado no texto e, como descreve Solé (1998, p.23), “não pode explicar fenômenos tão correntes como o fato de que continuamente inferimos informações”.

No modelo descendente, temos o inverso do que ocorre no modelo ascendente. O leitor aciona seus conhecimentos prévios (do contexto, de mundo, lexical etc.) e seus recursos cognitivos para estabelecer antecipações. Colomer & Camps (2002) destacam que esse modelo permite ao leitor resolver ambiguidades e escolher uma interpretação do texto entre outras possíveis. As propostas de ensino baseadas no modelo descendente enfatizam o reconhecimento de unidades de significação e estas podem ser mais amplas que palavras, como as frase, por exemplo.

Partindo desses modelos (ascendente e descendente), Kato (1995); Moita Lopes (1996); Solé (1998) e Colomer & Camps (2002) apontam como alternativa o modelo de leitura interacional (ou interativo) que combina os dois modelos anteriores. No modelo interacional, o leitor é considerado um sujeito ativo que utiliza conhecimentos variados para obter a informação e reconstrói o significado ao interpretá-lo.

Nesse modelo, o leitor pode partir de elementos do texto (letras, palavras, frases etc.) para criar expectativas de níveis mais elevados (no nível semântico/léxico/gramatical) que serão verificadas e recriadas constantemente durante toda a leitura. Desta forma, o leitor recorre a ambos os modelos e utiliza concomitantemente seu conhecimento de mundo, de texto e de língua para chegar à compreensão do texto. (SOLÉ, 1998).

O modelo interacional de processamento de informação, conforme esclarece Moita Lopes (1996), está apoiado em teorias de esquemas. Para essas teorias, “esquemas são estruturas cognitivas armazenadas em unidades de informação na memória a longo prazo - ou seja, constituem nosso pré-conhecimento - que são empregadas no ato da compreensão” (p.139).

Para Kato (1995), o processamento interativo é mais utilizado pelo leitor maduro, pois ele usa, de forma adequada e no momento apropriado, os dois processos, ascendente e descendente, complementarmente. Entretanto, Solé (1998, p.24) destaca que quando o leitor se situa diante do texto, “os elementos que o compõem geram nele expectativas em diferentes níveis, de maneira que a informação que se processa em cada um deles funciona como input para o nível seguinte”.

É preciso esclarecer que, durante algum tempo, os estudos sobre modelos ascendente e descendente apontavam a decifração como capacidade leitora. No entanto, Colomer & Camps (2002) apontam que no modelo interacional a decifração deixa de ser vista como capacidade leitora e passa a constituir um conjunto de habilidades necessárias para entender um texto. As autoras ressaltam ainda os estudos de Hall (1989), que assinalam que a leitura é um processo interativo e, consequentemente, estratégico, uma vez que o leitor eficiente supervisiona sua

própria compreensão ficando alerta às interrupções e é seletivo ao direcionar sua atenção aos diferentes aspectos do texto.

Van Dijk (2004, p. 22), também, ao realizar estudos sobre o processamento do discurso, assegura que operamos por um modelo estratégico, pois “a compreensão de uma palavra em uma oração dependerá de sua estrutura funcional enquanto um todo, tanto no nível sintático quanto no nível semântico”.

Ainda condizente com as ideias mencionadas, encontramos os estudos de Kato (1995) que afirma que são as estratégias que auxiliam o leitor a extrair do texto mais do que ele expressa linguisticamente. De acordo com a autora, para compreendermos um texto é preciso que, em nossas estruturas internas, tenhamos mais do que uma gramática e instruções para seu uso, é preciso ter conhecimento estratégico.

Para consolidação da importância dos estudos sobre estratégias de leitura para um trabalho ativo da compreensão de texto, destacamos o trecho a seguir dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (1998) que apontam que

a leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a linguagem etc. Não se trata de extrair informação, decodificando letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica

estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível proficiência. É o uso desses procedimentos que

possibilita controlar o que vai sendo lido, permitindo tomar decisões diante de dificuldades de compreensão, avançar na busca de esclarecimentos e validar no texto suposições feitas. (PCN, 1998, p.69 – grifo nosso)

Considerando a importância do estudo de estratégias para compreensão leitora, buscamos levantar de onde surgiu esta noção e como é conceituada pelos pesquisadores. De acordo com Van Dijk (2004), a noção foi proposta por Bever em 1970. A partir daí outros pesquisadores têm utilizado essa noção de diferentes formas. No entanto, Kato (1995), que também faz remissão aos estudos de Bever, relata que o pesquisador preferiu a terminologia estratégia à terminologia algoritmo,

porque para o autor a sua aplicação não é infalível e pode apresentar variações individuais.

Van Dijk (2004, p.23) ressalta que as estratégias são parte de nosso conhecimento geral, “elas representam o conhecimento procedural que possuímos sobre compreensão de discurso”. Salienta, ainda, que as estratégias necessitam ser aprendidas e reaprendidas antes de se tornarem automatizadas e explica que outras estratégias mais específicas, como as esquemáticas, podem requerer um treinamento especial.

Outro destaque apresentado pelo pesquisador é que, em um processo estratégico, não existem garantias de sucesso, pois as estratégias são aplicadas como hipóteses operacionais eficazes sobre a estrutura, podendo ser desconfirmadas em processos subsequentes.

Antes de trabalhar o termo estratégia, Solé (1998) diz que é essencial ter bem definido os conceitosde: habilidade (qualidade de quem é hábil, capacidade de fazer alguma coisa bem); destreza (aptidão; qualidade de quem é engenhoso);

técnica (procedimentos, destreza, habilidade especial para tratar detalhes ou usar

movimentos) e procedimento (modo de fazer alguma coisa; método, processo), para assim, não confundi-los com estratégia.

Para conceituar estratégia, Solé (1998) apresenta os estudos de Valls (1990), que considera que as estratégias têm em comum com todos os demais conceitos (pontuados acima) sua utilidade para regular a atividade das pessoas, à medida que sua aplicação permite selecionar, avaliar, persistir ou abandonar determinadas ações. Desta forma acrescenta que

uma das características das estratégias é o fato de que não detalham nem prescrevem totalmente o curso de uma ação; [...] as estratégias são suspeitas inteligentes, embora arriscadas, sobre o caminho mais adequado que devemos seguir. Sua potencialidade reside justamente nisso, no fato de serem independentes de um âmbito particular e poderem se generalizar; em contrapartida, sua aplicação correta exigirá sua contextualização para o problema concreto. Um componente essencial das estratégias é o fato de que envolvem autodireção – a existência de um objetivo e a consciência de

que este objetivo existe – e autocontrole, isto é, a supervisão e avaliação do próprio comportamento em função dos objetivos que o guiam e da possibilidade de modificá-lo em caso de necessidade. (VALLS, 1990)8

Solé (1998, p.68) compartilha com Valls (1990) “a ideia que as estratégias se situam no polo extremo de um contínuo, cujo polo oposto conteria os procedimentos mais específicos, aqueles cuja realização é automática”. Conforme a pesquisadora, trata-se de procedimentos inerentes que envolvem a presença de objetivos a serem alcançados, juntamente com o planejamento das ações que se desencadeiam para atingi-los.

A autora, também, salienta que, às vezes, estabelecer uma classificação rígida para as estratégias parece um pouco artificial visto que elas aparecem integradas no decorrer do processo de leitura.

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