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PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

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Gilse Cabrera Rissi

HIPERTEXTO E ESTRATÉGIAS DE LEITURA

Mestrado em Língua Portuguesa

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Gilse Cabrera Rissi

HIPERTEXTO E ESTRATÉGIAS DE LEITURA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa, sob a orientação da Professora Dra. Vanda Maria da Silva Elias.

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BANCA EXAMINADORA

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Dedico este trabalho aos meus dois

amores: Celso e Bruna, pela paciência e

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A Deus, por me permitir iniciar e finalizar este trabalho com êxito.

À minha família, pelo apoio incondicional. Sem eles, esta pesquisa não seria possível.

À CAPES, pela concessão da bolsa de estudos através do Programa de Pós-graduação em Língua Portuguesa da PUC/SP.

À minha orientadora, professora doutora Vanda M. da Silva Elias, pela valiosa orientação, pelas observações seguras, pelo incentivo e por toda dedicação.

Às professoras doutoras Anna Maria Marques Cintra e Nílvia Pantaleoni pelas contribuições valiosas para o aprimoramento do trabalho no exame de qualificação.

À amiga Flávia Serralvo, pelo grande incentivo e apoio, que foram importantíssimos na minha tomada de decisão para enfrentar este desafio.

Ao amigo Ernani Terra, pela leitura atenciosa do trabalho e pelas pertinentes observações, pelas conversas fecundas e, principalmente, pelo exemplo de ser humano que se revelou durante os anos que estudamos juntos.

Aos mestres do Programa de Língua Portuguesa, pelo muito que me ensinaram em suas aulas.

Aos colegas da PUC/SP que muito contribuíram para o meu crescimento.

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Esta dissertação, inserida na linha de pesquisa Leitura, Escrita e Ensino de Língua Portuguesa, fundamenta-se em estudos do texto na perspectiva sociocognitivo-interacional e tem o propósito de contribuir para o ensino de leitura em contexto digital.

Para o desenvolvimento do estudo, foi realizada uma pesquisa de campo com alunos de ensino médio de escolas da rede pública e privada, a fim de conhecer e identificar o perfil dos hiperleitores e as estratégias por eles utilizadas na leitura do hipertexto.

Os resultados indicam que muitas são as estratégias requeridas na leitura do hipertexto, dentre as quais merecem destaque: a manutenção de objetivo, o uso de predição, a ativação de conhecimentos prévios, o uso de inferências etc. Observa-se também que os hiperleitores utilizam estratégias adequadas à leitura do texto em contexto digital, graças a conhecimentos que possuem sobre características da escrita hipertextual, formas de localização e acesso no espaço propiciado pela internet.

De modo geral, os dados levantados na pesquisa apontam para a importância de se trabalhar o hipertexto em sala de aula, partindo do conhecimento adquirido, fora da escola, pelos alunos como navegadores e exploradores dos “oceanos da internet”.

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This dissertation, inserted in the Reading, Writing and Portuguese Language Teaching research field, is based on studies of the text in the socio-cognitive-interactional perspective and has as its purpose to contribute with the teaching of reading in digital context.

To develop this study, a research was conducted with public and private high school students, in order to identify the hyper-readers’ profile and their strategies to read hypertexts.

The results show that there are many strategies present on the hypertext reading, and among these we highlight: the maintenance of the objective, the use of prediction, the activation of previous knowledge, the use of inferences etc. It was also possible to realize that hyper-readers use adequate strategies to read texts in digital contexts, thanks to the knowledge they have about the hypertextual writing, ways of locating and accessing in the space provided by the internet.

On the whole, the research data reveal the importance of working with hypertext during classes, starting from the previous knowledge students already have about navigating and exploring the “internet oceans”.

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INTRODUÇÃO... 10

CAPÍTULO I – UM PANORAMA DA LEITURA: DA ANTIGUIDADE À ERA DIGITAL... 13

1.1 A leitura na Antiguidade... 15

1.2 O surgimento do códice... 16

1.3 A leitura na Idade Média... 18

1.4 A Idade Moderna e a popularização da leitura... 20

1.5 A leitura na contemporaneidade... 23

1.5.1 A leitura na era digital... 25

1.5.2 O hipertexto... 26

1.5.2.1 A definição de hipertexto... 28

1.5.2.2 As características do hipertexto... 29

1.6 Os hiperleitores... 33

1.6.1 O leitor errante... 37

1.6.2 O leitor detetive... 38

1.6.3 O leitor previdente... 38

CAPÍTULO II - A LEITURA DO HIPERTEXTO EM PERSPECTIVA SOCIOCOGNITIVO- INTERACIONAL... 41

2.1 Uma perspectiva para o estudo da prática de leitura... 42

2.2 O conceito de leitura sob a ótica sociocognitiva-interacionista... 44

2.3 Modelos de leitura... 45

2.4 As estratégias de compreensão leitora... 49

2.4.1 Pré-leitura: objetivos... 54

2.4.2 Uso de previsões... 55

2.4.3 Ativação do conhecimento prévio... 56

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CAPÍTULO III – A PRÁTICA DA LEITURA NA INTERNET... 63

3.1 Metodologia... 63

3.2 Descrição do instrumento e do contexto da pesquisa... 64

3.3 Os sujeitos da pesquisa... 68

3.4 Descrição e análise dos dados... 68

3.4.1 O perfil social dos informantes... 69

3.4.2 O perfil de uso da internet pelos informantes... 71

3.4.3 As práticas de leitura na internet... 73

3.4.4 Análise das estratégias off-line e on-line... 75

3.4.5 O perfil do hiperleitor... 89

CAPÍTULO IV – A LEITURA DO HIPERTEXTO NO CONTEXTO ESCOLAR... 95

4.1 Lendo hipertexto em tela... 99

4.1.1Particularidades da leitura em tela... 100

4.1.2 Alinhando os recursos... 101

4.1.3 Estratégias de pré-leitura... 102

4.1.4 Estratégias para durante a leitura... 105

4.1.5 Estratégias de pós-leitura... 108

CONSIDERAÇÕES FINAIS...

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 110

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O presente trabalho está inserido na linha de pesquisa Leitura, Escrita e Ensino de Língua Portuguesa e se desenvolve em torno das seguintes questões: 1) qual o perfil dos jovens leitores de textos na internet? 2) que estratégias são utilizadas por eles durante a leitura em tela? Ao darmos conta dessas questões, esperamos contribuir para o ensino de Língua Portuguesa, especificamente no tocante à leitura de textos em ambiente virtual.

É um fato que a internet, nos últimos anos, tornou-se um grande recurso de entretenimento e diversão, bem como transformou-se em uma importante referência no processo de ensino-aprendizagem e de construção do conhecimento para públicos variados. Também é verdade que a internet exige do leitor um novo modo de leitura devido às características do texto digital, aqui trabalhado como hipertexto, uma vez que essa produção escrita possui características que a diferenciam daquela produzida em papel, dentre elas, a não linearidade, a acessibilidade ilimitada e a conectividade.

Pesquisas têm apontado grande interesse dos jovens pela leitura do texto digital, conforme índices disponibilizados pelo CGI (Comitê Gestor da Internet no Brasil). Em uma dessas pesquisas sobre o uso das tecnologias da informação e da comunicação no Brasil, os jovens de Ensino Médio ocupam o segundo lugar em maior número de acesso à internet.

Levando em conta esses dados, definimos como objetivos desta pesquisa conhecer o perfil de leitores de hipertexto do ensino médio e identificar estratégias utilizadas por eles. Além disso, objetivamos contribuir para o ensino da leitura em contexto digital, tendo como ponto de partida o conhecimento do aluno constituído empiricamente sobre o modo de constituição e de leitura de textos na internet.

Para o desenvolvimento da pesquisa, respaldamo-nos em estudos sobre o texto e o seu processamento estratégico, sob a ótica de Solé (1998); Kleiman

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leitura em contexto digital, principalmente, aqueles realizados por Lévy (1999), Leão (2001), Rosenberg (2002), Santaella (2004); Marcuschi (2000, 2007) e Xavier (2002, 2005).

A fim de atingir os nossos objetivos, estabelecemos os seguintes procedimentos metodológicos:

1. revisão de literatura sobre leitura, texto e seu processamento estratégico, bem como sobre escrita/leitura hipertextual;

2. realização de uma pesquisa de campo utilizando a técnica de aplicação de questionários;

3. tabulação e análise dos dados;

4. exemplificação do modo de leitura solicitada pelo hipertexto com a finalidade de contribuir para o aprimoramento da prática de leitura do hiperleitor e, consequentemente, para o ensino de leitura em contexto digital.

Organizamos a dissertação em quatro capítulos: I) Um panorama da leitura da Antiguidade à era digital, II) A leitura do hipertexto em perspectiva sociocognitivo-interacional, III) A prática da leitura na internet e IV) A leitura do hipertexto no contexto escolar.

- No primeiro capítulo, inicialmente, apresentamos um panorama da história da leitura focando a mudança de suportes e dos modos de leitura até chegar à escrita/leitura hipertextual. Em seguida, tratamos especificamente do hipertexto, destacando suas características e implicações trazidas para formação do hiperleitor.

- No segundo capítulo, tratamos especificamente da leitura e de estratégias de leitura. Para tanto, fundamentamo-nos em estudos do texto situados preponderantemente no campo da Linguística Textual, chamando a atenção para uma concepção de leitura que pressupõe a atuação de um sujeito leitor “estrategista”.

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resultados obtidos na pesquisa.

- No quarto capítulo, exemplificamos como o modo de leitura solicitado pela escrita hipertextual pode ser objeto de reflexão no ensino de Língua Portuguesa.

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UM PANORAMA DA LEITURA: DA ANTIGUIDADE À ERA DIGITAL

A leitura desafia, capacita, encanta e enriquece. Pequenas marcas pretas sobre a folha branca ou caracteres na tela do computador pessoal são capazes de nos levar ao pranto, abrir nossa mente a novas ideias e entendimentos, inspirar, organizar nossa existência e nos conectar ao universo.

(FISCHER, 2006, p.7)

A leitura, na atualidade, é vista como uma prática social (BOURDIEU, 2001) que permite a participação e discussão de acontecimentos que estão à nossa volta. Também podemos dizer que a leitura é vista como fundamental e parte integrante da vida em sociedade, porque amplia e diversifica nossas visões e interpretações sobre o mundo e da vida como um todo. Segundo Manguel (1997, p.20) “lemos para compreender, ou para começar a compreender. Não podemos deixar de ler. Ler, é quase como respirar, é nossa função essencial”.

Entretanto, nem sempre a prática de leitura foi vista dessa maneira, visto que, durante muito tempo, o ato de ler foi um hábito exclusivo das classes privilegiadas. O domínio da leitura era prerrogativa de poucos alfabetizados e, geralmente, esses eram pertencentes à elite ou pessoas que serviam a ela. Assim, a prática de leitura era considerada como característica de uma sociedade culta. No entanto, com o passar do tempo, a prática da leitura sofreu modificações, resultado das transformações da vida do homem.

Neste capítulo, faremos uma breve exposição da história da leitura focalizando as mudanças de suportes e dos modos de leitura. Objetivamos apresentar um panorama das mudanças ocorridas nas práticas de leitura até chegar à leitura no meio digital, mais precisamente na leitura hipertextual. Para isso, dividimos o capítulo em duas partes: a primeira discorre sobre a história dos suportes e dos modos de leitura e apresenta as transformações no perfil do leitor no

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decorrer dos tempos. Já a segunda trata do hipertexto digital e do leitor de hipertexto, doravante hiperleitor, que são os focos de nossa pesquisa.

1.1 A leitura na Antiguidade

Como relata Cavallo (2002), na Antiguidade um dos suportes mais comuns para o texto era o papiro - material extraído da planta aquática Cyperus Papyrus. Como o processo de produção era bastante cuidadoso e a planta só era encontrada às margens do rio Nilo, nas águas do rio Eufrates e no lago de Tiberíades, na Síria, o papiro era um material de custo muito elevado. O “livro" de papiro era constituído por várias folhas unidas para formar um rolo, também chamado de volumen.

Para ler o volumen era necessário segurá-lo com uma das mãos e ir desenrolando-o progressivamente com a outra, a qual segurava a parte já lida (CAVALLO, 2002). O texto normalmente era escrito em colunas, podendo ter apenas uma ou várias e o comprimento total de um volumen, geralmente, era de seis a sete metros e quando enrolado seu diâmetro chegava até seis centímetros. O leitor, diante desse suporte, encontrava limitações, pois, como mantinha as mãos ocupadas, era lhe impossível fazer anotações.

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Esse quadro perdurou até os séculos X e XI d.C, até que o papiro, por sua escassez e pelo custo elevado gerado pelas limitações geográficas do plantio, foi gradativamente sendo substituído pelo pergaminho - pele de animal (cabra, carneiro, ovelha ou cordeiro) preparada para escrever.

Figura 1 – Pergaminho em rolo

A novidade apresentada por esse novo suporte é que a sua estrutura permitia a escrita em ambos os lados. Além disso, o seu manuseio também era facilitado, por não ser tão delicado como o papiro. No entanto, o incômodo para a prática da leitura permanecia, visto que para encontrar uma determinada passagem no meio de uma obra, era preciso desenrolá-lo até achar o trecho e depois enrolá-lo novamente.

Outro fator que desfavorecia a leitura em rolo é que, em muitos casos, um único rolo não era suficiente para o conteúdo integral de uma obra, o que gerava subdivisões, em dois ou mais livros (rolos). Um bom exemplo disso pode ser o livro Ilíada, de Homero, que abrangia 24 rolos separados. Em razão dessas limitações, era comum encontrar leitores que não liam as obras integralmente, uma vez que não entravam em contato com todos os rolos (livros) que constituíam uma obra. Por esse motivo, Fischer (2006) pontua que, muitas vezes, a leitura naquela época ocorria de forma incompleta.

1.2 O surgimento do códice

Somente por volta do século III d.C. (período sem confirmação pelos historiadores) foi criado um novo suporte para escrita e, consequentemente, para a

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prática de leitura: o códice - grupo de folhas de pergaminho manuscritas, unidas em tábulas retangulares de madeira, revestidas de cera e unidas por cordões ou anéis. O códice adquire a feição do livro e passa a ser formado por vários cadernos que constavam de uma quantidade variável de in-fólios (folhas escritas dos dois lados). Outra característica inovadora, decorrente da alteração do suporte, é que o leitor ficava com uma mão livre, podendo segurar o códice com apenas uma delas, fato que lhe possibilitava fazer, enquanto lia, anotações e comentários nas margens do texto ou em outros materiais.

Figura 2 – Códice confeccionado com papiro.

Cavallo (2002) comenta que o códice instituiu uma nova maneira de ler os textos, já que o leitor não lia mais de forma panorâmica como no rolo, levando em conta que diante do volumen o olhar passava instantaneamente de uma coluna à outra. De acordo com o autor, no códice, ocorria o contrário, devido a parte escrita que era oferecida ao leitor ser predeterminada pelo tamanho da página fechada, isto é, a parte escrita só podia ocupar o tamanho da folha dobrada que poderia ser em duas, quatro ou oito partes, o que impedia uma visão contínua do conjunto. Esse fato propiciava uma leitura fracionada, feita página por página e, automaticamente, segmentada.

Para Fischer (2006) o novo formato, também, provocou inovações na organização da literatura, uma vez que os capítulos tinham subdivisões e as coleções, também chamadas de antologias, se concentravam dentro de uma só capa. Desse modo, a ideia de leitura completa, concebida como conteúdo inteiro de

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um códice, foi fortalecida. Aos leitores era possível ler as obras integralmente e, além disso, a própria noção de leitura completa passou a definir-se como a leitura de um códice do começo ao fim, podemos compreender melhor nas palavras de Cavallo (2002, p.94)

o códice, reunindo num único suporte-livro uma série de unidades textuais orgânicas (uma ou mais obras de um mesmo autor, um conjunto de escritos de mesma natureza) ou não-orgânicas (obras diversas, a ponto de formar a que foi chamada uma “biblioteca sem biblioteca”), determinava uma profunda transformação na noção de livro e de leitura completa, visto que a primeira, não mais imediatamente associável à ideia de uma obra, vinha a coincidir com um objeto-livro no qual era possível colocar escritos; quanto à noção de leitura completa, esta passou a compreender, desde então, o conteúdo inteiro de um códice, mesmo que este, como era habitual, contivesse várias obras (grifo nosso).

O autor relata ainda que a propagação do códice não alterou inicialmente as estratégias e as modalidades de leitura em conjunto, já que os leitores continuavam a mover-se no sulco tradicional. Somente na Idade Média, o novo suporte para escrita foi se popularizando e com isso a prática de leitura sofreu mudanças, dentre elas, a exaltação da leitura silenciosa, prática que perdura até hoje.

1.3 A leitura na Idade Média

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O segundo momento importante ocorreu do final do século XI até o século XIV, período conhecido como escolástico. Conforme Cavallo (2002), nesse momento, ocorre uma revolução na história da leitura, pois renascem as cidades e junto com elas as escolas que passam ser os lugares dos livros. Consecutivamente, a alfabetização se desenvolve, a escrita e a leitura progridem em todos os níveis, os usos dos livros se diversificam e com isso a prática de leitura tem uma evolução. Conforme Cavallo (2002, p.22), nessa época,

lê-se muito e de forma diferente. Não mais se trata de simplesmente compreender a letra da escrita (littera): essa compreensão constitui apenas o momento inicial, do qual é preciso passar ao significado (sensu) do texto

para atingir enfim a sentença (sententia), entendida como doutrina em toda

a sua profundidade.

De acordo com Hamesse (2002), essa transformação no ato da leitura amplia o público leitor. Para a autora, a partir desse momento, assistiu-se ao surgimento de um novo estatuto da leitura que converteu a prática de ler em “exercício escolar, depois universitário, regido por leis que lhe são próprias. O principal lugar onde se exercerá essa atividade será portanto a escola, seguida pela universidade” (p.123).

Hamesse (2002) aponta que ocorre uma renovação radical da própria concepção do ato de ler. Assim, os livros deixam de ter a finalidade apenas sagrada e passam a ter a finalidade prática. Desse momento em diante, os livros passam a ser vistos como fonte de onde se chega ao saber ou aos saberes, não sendo mais apenas o depositário de um conhecimento a ser “ruminado” ou a ser simplesmente conservado. (CAVALLO, 2002)

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em reflexão e medita sobre as suas possibilidades. Esse tipo de leitor não tem pressa para realizar sua leitura cujo suporte é estático.

Entretanto, Fischer (2006) ressalta que, na leitura medieval, o ler e escutar comunitário, dogmático, bidimensional, conservou-se presente em diversos locais por um longo período.

1.4 A Idade Moderna e a popularização da leitura

Há relatos de que o papel teria sido inventado pelos egípcios há 2.400 anos antes de Cristo, entretanto, foram os chineses por volta de 105 d.C. os primeiros a fabricarem o papel tal como existe atualmente, começando sua produção a partir de fibras de bambu e de seda. Os chineses guardaram o segredo sobre a descoberta por mais de 500 anos. A inovação só foi divulgada ao resto do mundo por volta de 795 d.C, quando se instalou em Bagdá (Iraque) uma fábrica de papel. Desse momento - até o século XIII, as usinas de papel proliferaram de Bagdá a Espanha que estava sob o domínio mouro.

Em meados do século XV, o papel já substituía o pergaminho quase que por completo e se constituía em material perfeito para fixação dos textos. Os livros manuscritos se multiplicavam, porém era muito trabalhoso copiar um exemplar. Além disso, seu valor também era bastante elevado.

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Figura 3 – A prensa de parafuso de Gutenberg

A partir disso, os livros impressos começaram a disseminar o hábito de ler e escrever e começaram a deixar a cultura ao alcance dos novos segmentos da sociedade, pois até esse momento era exclusivo da nobreza e configurava propriedade intelectual, algo que só podia ser compartilhado por seus donos (FISCHER, 2006).

Assim, o século XV marca a mudança na prática de leitura. Desse momento em diante, o mundo passou a ter leitores cada vez mais ativos e, com a vasta quantidade de títulos que eram disponibilizados com a técnica de impressão, um crescente público podia ler o que lhe agradava. Fischer (2006) comenta que como a palavra impressa era “barata”, pelo menos se comparada com a escrita à mão no pergaminho, o livro impresso permitiu a reprodução de muitas cópias de um mesmo exemplar.

A partir disso, o livro, as letras e os estilos foram passando por rápidas transformações com objetivos de baixar custos e de incentivar a fluência da leitura. Contudo, a leitura continuou durante séculos sendo privilégio de poucos. A popularização da leitura, efetivamente, iniciou-se com a Revolução Industrial ocorrida no século XVIII. Fischer (2006) aponta que a partir desse evento o conceito de leitura foi modificado, pois a preocupação era o acesso a mais informações, para isso, a leitura passa a ocupar papel fundamental nesse processo.

Chartier (1999) destaca que, na segunda metade do século XVIII, na Europa, ocorre uma revolução no estilo da prática de leitura, pois a leitura “intensiva”

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é sucedida pela “extensiva”. Em outras palavras, o leitor intensivo, que tinha acesso a um corpus limitado de textos, geralmente textos religiosos, que já tinham sido lidos e relidos, memorizados, declamados e transmitidos de geração em geração, passa a ser sucedido pelo leitor “extensivo”, que consome uma diversidade de textos impressos e os lê com avidez e velocidade. Segundo Chartier (1999, p.100), o leitor extensivo “exerce em seu lugar uma atividade crítica que não se omite frente a qualquer domínio ou dúvida metodológica”.

No entanto, Chartier (1999) salienta que havia leitores extensivos em tempos de leitura intensiva, assim como o inverso também ocorreu. Esse fato não invalidou a revolução da leitura acima mencionada, uma vez que esse movimento foi bem observado em alguns países da Europa (Inglaterra, França e Alemanha) em decorrência do crescimento da produção do livro, da multiplicação e transformação dos jornais, do sucesso dos pequenos formatos, da redução do preço dos livros graças às cópias, da proliferação de sociedades de leitura (book-clubs – salas de leitura) e de bibliotecas de empréstimos.

Apontamentos realizados por Simões (2008) relatam que, apesar do quadro positivo da expansão da prática da leitura, o índice de analfabetismo, na Europa, nessa época, ainda era alto e o preço do livro era bastante elevado. Assim as classes menos favorecidas não tinham praticamente acesso ao livro.

Mais adiante, por volta do século XIX, a maioria das nações desenvolvidas já via a palavra escrita como parte integrante do cotidiano, de modo que os iletrados sentiam-se excluídos da sociedade. A leitura tomava conta da vida das pessoas, por todo lado que se olhasse tinha algo para ser lido. Os livros nessa época eram mais baratos e mais abundantes. Também, nessa fase, ocorreu a expansão dos gêneros literários e o leitor não se limitava apenas à leitura do livro. O destaque dessa fase foi o jornal com sua linguagem híbrida, que fascinava os leitores. Fischer (2006) destaca que as leituras públicas das obras, feitas pelos próprios autores, ocorriam com muita frequência, propagando o interesse popular pela leitura.

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novidadeiro, de memória curta, pois sua leitura é efêmera. A autora defende que esse leitor “aprende a transitar entre linguagens, passando dos objetos aos signos, da imagem ao verbo, do som para a imagem com familiaridade imperceptível” (p.31). Porém, é importante salientar, como o faz Santaella (2004), que o leitor contemplativo não desaparece com o surgimento do leitor movente, pois o que define o perfil assumido pelo leitor diante do texto são seus objetivos de leituras.

1.5 A leitura na contemporaneidade

A partir da metade do século XX, a leitura é vista como questão de sobrevivência, principalmente nos grandes centros urbanos. O analfabetismo que, no início do século, já era combatido nos países desenvolvidos, também passa a ser combatido nos países subdesenvolvidos – e em desenvolvimento. Ler era preciso, pois a revolução tecnológica trazia para o mundo a multiplicação do material escrito e a diversificação dos suportes: jornais, revistas, letreiros, cartazes, cinema, TV, computadores etc.

Decorrente dessa revolução, na contemporaneidade, Fischer (2006) revela que surge a “cultura da leitura”, a qual passa a ter múltiplas funções: a) a leitura para fins profissionais; b) a leitura informativa; c) a leitura como entretenimento; d) a leitura religiosa; e) a leitura casual (o anúncio, o panfleto, as vitrines etc.).

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No século XX, a prática da leitura já é vista como parte integrante da vida das pessoas, porém, é importante ressaltar que, ainda nesse período, existe uma extraordinária parte da população mundial sem escolaridade e sem acesso a leitura. Todavia, os privilegiados podiam ler aquilo que consideravam o melhor para si e com diversas funções, como defende Rocco (1999, p.100) “lê-se para aumentar o que sabe sobre o mundo histórico e factual; lê-se em busca de diversão e desconcentração; lê-se para obter informações úteis e satisfazer curiosidades diversas”.

Entretanto, a revolução da prática da leitura não parou nas modificações acima descritas. O leitor não imaginava que a grande transformação no suporte da leitura ainda estava por vir. Essa transformação seria, primeiramente, a invenção do computador pessoal em 1981 pela International Business Machines (IBM) e, após alguns anos, a criação de uma extraordinária rede de computadores interconectados entre si. Esse advento ocorre no fim do século XX, com a criação da internet.

Figura 4- O primeiro computador com mouse e interface gráfica

A internet é o agrupamente de redes em escala mundial de milhões de computadores interligados que permitem o acesso a informações e todo tipo de transferência de dados. Normalmente, se pensa que a internet e a Word Wide Web sejam sinônimos, mas, na verdade, a WWW corresponde à parte da internet, construída a partir de princípios da hipermídia e do hipertexto.

No início, a rede era para uso apenas entre militares e acadêmicos, mas, a partir de 1991, com a criação da Web, o acesso foi se expandindo. Lévy (1999)

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aponta que a Word Wide Web propagou-se como um rastilho de pólvora, levando as pessoas a se adaptarem rapidamente à nova modalidade. Com isso, o número de servidores conectados ao sistema cresceu a cada ano e, com tal expansão, a internet ganhou milhões de usuários ao redor do mundo rapidamente, gerando, assim, novas possibilidades de leituras. Os leitores podiam buscar na tela do computador informações antes inacessíveis.

Segundo Chartier (1999), a transformação é radical, tendo em vista que os usuários têm diante de si o texto digital que apresenta um novo suporte, novos modos de organização, de estruturação e de consulta. O autor ainda ressalta que o texto digital substitui a materialidade pela imaterialidade de textos sem lugar específico.

1.5.1 A leitura na era digital

Como já foi comentado por Chartier (1999), a prática de leitura na era digital sofre transformações, pois o suporte se altera e com isso o modo de leitura. A leitura hipertextual digital pode ser citada como um exemplo de transformação, já que possui uma estrutura não linear e um aparato paratextual na forma de referências, gráficos, remissões, bancos informacionais, demandando uma ferramenta tecnológica: a internet, cujo acionamento se faz ao simples clicar do mouse sobre links (elos de conexões).

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Outro aspecto que deve ser destacado sobre a leitura hipertextual é apontado por Marcuschi (2000, p.3) que afirma que no hipertexto “não é importante que todos os seus usuários sigam ou façam o mesmo caminho para que tenham um rendimento cognitivo satisfatório”.

Sobre essa questão, Espéret (1996, p.152) comenta que o processo cognitivo que leva a compreensão do texto ocorre de forma semelhante tanto no texto impresso como no hipertexto. O pesquisador ressalta que

em ambos os casos, os leitores têm que alcançar unidades de informação diferentes da memória a longo prazo e da mensagem linguística. Têm que selecionar, fundir e transformar algumas das unidades para acumular uma representação cognitiva coerente do domínio conceptual. (Tradução nossa)1

Portanto, fica destacado que o texto digital, aqui estudado como hipertexto, possui definições e características próprias e complexas, as quais conheceremos um pouco mais a seguir.

1.5.2 O hipertexto

Nos estudos que tratam da origem do hipertexto, Leão (2001) e Marcuschi (2007) afirmam que a primeira ideia sobre o assunto se deu por volta de 1945 com Vannevar Bush, físico e matemático, ao propor em seu artigo “As we may think” as principais ideias sobre hipertexto, partindo do paradigma de que a mente humana trabalha por associações. Nesse projeto, sistemas tradicionais de indexação, organização e trocas de informação, por serem hierarquicamente constituídos, não seriam muito eficientes. Por meio de um aparelho chamado Memex (Memory Extension) que permitia armazenar dados de diferentes tipos e criar elos entre

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1 Versão original da obra de Espéret (1996, p.152) “In both cases, readers have to access different

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documentos distintos, Bush possibilitou ao usuário construir trajetos de leitura de acordo com seus interesses, diferentemente das formas tradicionais de registro e transmissão de informações e de acesso a elas.

Segundo Leão (2001), outro nome importante para a história do hipertexto foi Douglas Engelbart, que desenvolveu uma série de inovações tecnológicas, tais como: o processador de texto, a utilização de redes, a interface de janelas e o mouse, recursos que facilitaram bastante o trabalho dos usuários e, posteriormente, a prática de leitura em tela. Todavia, registra-se que o surgimento do termo hipertexto só ocorreu em 1964, por Theodor Holm Nelson, estudante de graduação em Harvard, em uma conferência nacional da Association for Computing Machinery, ao se referir a uma escritura eletrônica não sequencial e não linear, que se divide e permite ao leitor o acesso a um número ilimitado de outros textos.

Em 1970, Nelson publica Literary Machines, com orientações para produção e leitura de hipertextos, mediadas por computador. O inventor do termo hipertexto elaborou, também, o projeto Xanadu, uma espécie de “biblioteca universal”, na qual as pessoas poderiam trocar imagens, sons, filmes, enfim informações em diferentes formatos. Somente em 1972, Cal Daniels completou a primeira versão demonstrativa

do software Xanadu e, por volta de 1974, com o advento das redes de

computadores, Nelson aprimorou seus estudos sobre o Xanadu, trasformando-o em uma fonte de informação centralizada, chamando-a depois de docuverse: um “universo de documentos interconectados”. Todavia, seu projeto passou por vários percalços e várias versões, até que, no final da década de 80, nasce a World Wide Web. Ainda de forma restrita, nessa rede, a comunicação se dava via formato de texto e era limitada ao campo dos militares e cientistas.

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1.5.2.1 A definição de hipertexto

São muitos os pesquisadores que definem o hipertexto, dentre eles, Lévy (1999), Leão (2001), Xavier (2005a) e Marcuschi (2007).

Em sua definição de hipertexto, Lévy (1999, p. 27) afirma que ele é

um texto em formato digital, reconfigurável e fluido. Ele é composto por blocos elementares ligados por links que podem ser explorados em tempo

real na tela. A noção de hiperdocumento generaliza, para todas as categorias de signos (imagens, animações, sons etc.), o princípio da mensagem em rede móvel que caracteriza o hipertexto.

Condizente com a definição de Lévy (1999) encontramos a de Álvarez (2001, p.167) que define o hipertexto como “um documento eletrônico composto de nodos ou unidades textuais interconectadas que formam uma rede de estrutura não linear”. Conforme o pesquisador, as palavras que aparecem ressaltadas nestes blocos textuais exercem a função de botões que conectam a outras fontes.

Além dessas definições, encontramos a de Leão (2001, p. 15) que conceitua o hipertexto como “um documento digital composto por diferentes blocos de informações interconectadas. Essas informações são amarradas por meio de elos associativos, os links”. Para a autora, são os links que permitem ao usuário que ele avance em sua leitura na ordem que desejar.

Os links ocupam papel de destaque na definição do hipertexto, deste modo, Smith2 citado por Marcuschi (2007, p.84) afirma que os nós e os links como

elementos definidores do hipertexto. Para a autora, “são justamente as possibilidades de interconectar porções textuais (os nós), mediante seleções feitas com interconectores (links), que dão ao hipertexto sua especificidade”.

Ainda, sob o ponto de vista interativo, destacamos a definição de Xavier (2005a, p.171) que entende o hipertexto como “uma forma híbrida, dinâmica e _________________

2 Smith,C.F. (1994).

Hypertextual Thinking. In. SELFE, C.L & HILLIGOSS,S (Eds). Citado por

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29

flexível de linguagem que dialoga com outras interfaces semióticas, adiciona e acondiciona à superfície formas outras de textualidade”.

Observamos que muitas das definições propostas pelos pesquisadores defendem que o hipertexto é um texto e o destacam por sua interatividade, por sua composição não sequencial e fragmentada, permitindo ao leitor passar, quase instantaneamente, de um texto a outro e ter acesso, quase que ilimitado, a uma diversidade de textos (verbais ou não verbais) a partir de escolhas locais e sucessivas em tempo real.

1.5.2.2 As características do hipertexto

A leitura hipertextual possui características próprias. Ler um texto em escrita hipertextual requer do leitor atenção a um novo formato textual. Para isso é necessário que se conheçam as principais características dessa “nova modalidade”. Desta forma, apresentamos os estudos realizados por Koch (2005, 2006a) que expõem as dez características3 do hipertexto:

1. Não linearidade na estrutura formal, trata-se de uma característica central do hipertexto, que diz respeito a uma leitura não seqüenciada;

2. Volatilidade, característica que diz respeito à própria natureza do suporte, isto é, que faz do hipertexto algo essencialmente virtual;

3. Espacialidade topográfica, característica associada ao fato da escritura/leitura do hipertexto tratar de um espaço sem limites definidos, não hierárquico e nem tópico;

_____________________

3 As características do hipertexto apresentadas por Koch (2005 e 2006a) foram apontadas nos

(30)

30

4. Fragmentariedade, segundo Marcuschi (2001), característica também central, que consiste na constante ligação de porções, em geral breves, com sempre possíveis retornos ou fugas;

5. Multissemiose, característica que viabiliza a absorção, simultaneamente, das linguagens verbal e não verbal (desenho, dança, sons, gestos, cores etc.), numa mesma superfície de leitura;

6. Descentração ou multicentramento, característica apontada em virtude de um deslocamento indefinido de tópicos, isto é, da inexistência de um foco dominante. Contudo, como salienta Koch (2005), já que não se trata de um simples agregado aleatório de fragmentos textuais, há autores que contestam essa característica, preferindo falar em multicentramento, como é o caso, por exemplo, de Elias (2000, 2005);

7. Iteratividade, característica destacada em decorrência de sua natureza intrinsecamente polifônica e intertextual;

8. Intertextualidade, característica que diz respeito à constituição do hipertexto como um texto múltiplo, que incorpora e sobrepõe inúmeros textos que se tornam, simultaneamente, acessíveis ao clicar do mouse. Koch (2006a) salienta que, para Landow (1997), o hipertexto seria, essencialmente, um sistema intertextual. As referências feitas a outros textos são potencializadas no hipertexto através do recurso do link, que possibilita realizar as conexões entre os blocos de textos;

9. Conectividade, característica apontada por Leão (2001, p. 15) e Marcuschi (2007, p.88), determinada pela conexão múltipla entre blocos de significado;

10. Virtualidade, outra característica vista como essencial do hipertexto, constitui-se uma matriz de textos potenciais.

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1. Acessibilidade ilimitada, característica que permite ao leitor buscar informações em sites (ou fontes), os mais variados possíveis, proporcionando ao leitor/navegador ligações ilimitadas;

2. Interconectividade, característica que possibilita ligações ou nexos constituídos por itens lexicais, sintagmas ou ícones por meio de interconectores (links). De acordo com Marcuschi (2007) trata-se da alma do hipertexto;

3.Intratextualidade, característica que se refere às ligações internas estabelecidas entre lexias dentro do mesmo sistema ou site.

Pensando nas características descritas acima, Xavier (2002) apresenta os estudos de Joyce (1995)4 que concebe dois tipos de hipertexto: os exploratórios e os construtivos. Os hipertextos exploratórios mantêm a autoria original e são formados por conjuntos de informações conectadas em uma ampla rede de associações, por exemplo, um site de notícias na internet (Folha on-line, UOL notícias etc.). Nesse tipo de hipertexto o leitor/usuário não pode participar da construção ou da alteração de todos os nós da rede. Em outras palavras, é possível apenas fazer a leitura das informações, não sendo permitida ao leitor a alteração do conteúdo. Para Xavier (2002), esse tipo de hipertexto é o mais apropriado para leitores flâneurs5, ou seja, para aqueles que gostam de navegar sem objetivo claro de leitura.

Já os hipertextos construtivos permitem a alteração da autoria original, uma vez que o leitor tornar-se um co-autor do texto. Esse tipo de hipertexto exige participação ativa do leitor/usuário na construção do “texto” e possibilita a alteração das informações/conteúdos dispostos. O leitor quando está diante desse tipo de hipertexto estabelece conexões sempre considerando as anteriores, buscando

_______________

4 JOYCE,M. (1995). Siren Shapes: exploratory and constructive hypertext. In. JOYCE,M.

Of Two Minds: Hypertext Pedagogy and Poetics. Ann Arbor: University of Michigan Press. Citado por Xavier

(2002).

5 O termo vem do verbo

flâner em Francês, que significa "passear". Um flâneur é uma pessoa

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transformar a informação em conhecimento de acordo com seu objetivo de leitura - um bom exemplo para esse tipo de hipertexto são os Muds6, ou seja, jogos de RPG,

normalmente, baseados apenas em textos.

Vale salientar, como faz Xavier (2002), que os dois tipos de hipertextos não são totalmente opostos, pois o leitor pode utilizar construtivamente um hipertexto inicialmente criado para uma leitura exploratória, a partir do momento que se interessa por um assunto e sai clicando nos hiperlinks com intenções predeterminadas. O inverso também pode ocorrer, ou seja, um hipertexto construtivo

criado para um leitor-construtor pode ser abordado apenas exploratoriamente por um leitor sem compromisso ou sem propósito de leitura.

Também se baseando na distinção proposta por Joyce (1995), Marcuschi (2007, p. 93) constata que há três formatos para os hipertextos digitais:

1. Hipertextos só de leitura – CD-Rom, e-books, enciclopédias etc. – apresentam links intratextuais.

2. Hipertextos na WEBhome pages, sites de consultas etc. – apresentam marcadamente links intertextuais que ligam a textos diversos.

3. Hipertextos participativos – jogos on-line; sites de compra etc. – apresentam hiperlinks que ligam a conteúdos específicos aos objetivos do leitor/usuário.

Vale ressaltar que o primeiro formato apresentado por Marcuschi (2007) não prevê, necessariamente, o uso da internet. No entanto, lembramos que também existem hipertextos que só podem ser lidos dentro da rede, ou seja, on-line.

Tendo em vista as características descritas para o hipertexto, o pesquisador Rosenberg (2002) introduz, em seu estudo, um novo paradigma para a discussão da

____________________

6 MUD (Multi-User Dimension) é um jogo de RPG. Todas as informações do jogo são apresentadas

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atividade hipertextual, descrito em três conceitos: actema, episódio e sessão. Para o autor, o actema é a atividade essencial do hipertexto, tal como a ação de seguir um link. Essa ação pode ocorrer por meio de um simples toque em um menu de links ou por um clique em cima de uma imagem ou, ainda, pela simples ação de ir para trás.

O segundo conceito é o do episódio, esse é visto pelo pesquisador como um grupo de actemas que forma um todo coerente propiciando a coerência para o leitor, ou ainda, é a junção da combinação de históricos do percurso do leitor no hipertexto, das intenções e impressões que vão sendo construídas durante a sessão. Para Simões (2008, p.173), “a leitura de um hipertexto pode ser descrita como a busca de um episódio, na qual vários actemas são experimentados até que um conjunto deles forme uma unidade coerente de informações”.

Por último, a sessão é definida como a totalidade da atividade contínua, isto é, o período de tempo que o leitor dedica a explorar a estrutura hipertextual. A sessão só é finalizada quando o leitor/usuário sai do sistema.

Conforme Rosenberg (2002), muitos são os motivos que podem levar o leitor a finalizar uma sessão, tais como: o cansaço cognitivo, o cansaço visual que a tela do computador possa provocar; o cansaço físico de permanecer diante da tela; os fatores acidentais como falta de energia e, até mesmo, o fato do leitor julgar que já encontrou a informação que procurava.

Considerando que a escrita hipertextual apresenta muitas mudanças, evidenciamos que o leitor não fica inerte a essas mudanças, precisando adaptar-se ao suporte (a tela do computador).

1.6 Os hiperleitores

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história aponta que em cada mudança de suporte ocorreu uma mudança no perfil do leitor e, consequentemente, da prática de leitura. Com a era tecnológica não poderia ser diferente, o suporte não é mais o papel e sim a tela do computador, o meio não é mais somente a prensa ou a tinta, o leitor passa a ter na tela do computador diversas linguagens misturadas: textos, gráficos, sons, imagens, animação etc. tudo simultaneamente.

De acordo com Ramal (2000), o texto digital permite a visibilidade das janelas, a abertura das múltiplas caixas de texto, além de recursos diversos. Para a autora, essa maleabilidade muda a relação com o objeto: o texto não é mais algo palpável, mas feito de bites que ocupam um espaço difícil de definir ou imaginar. Essas informações digitais são provisórias e plásticas. Obedecem a um ritmo específico de pertinência imediata e de obsolescência acelerada. A informatização instaura, como prevê Lévy (1999), um novo regime de circulação e de metamorfose das representações e dos conhecimentos.

Nesse cenário, temos um novo leitor, doravante hiperleitor, que ganha novas habilidades e novos recursos. O leitor da era digital pode interagir com a máquina e trilhar seu percurso, escolhendo seus caminhos por meio dos links escolhidos.

Almeida (2003, p.34) afirma que o hiperleitor não lê da mesma maneira que o leitor de textos impressos, uma vez que “o leitor-navegador tem o mundo ao alcance do clique do mouse. Basta o texto tornar-se monótono para que ele dirija-se a outras páginas”. Para o pesquisador, “o excesso de informações disponíveis torna os leitores extremamente seletivos quanto ao que leem ou aquilo a que devotam sua atenção, mesmo que por alguns instantes apenas”. (p.97)

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35 hiperler é um processo de co-autoria com recortes muito mais radicais do que a leitura convencional, pois implica o diálogo leitor-autor, ou melhor, leitor/autor/autores, já que a autoria hipertextual é sempre plural, para o estabelecimento de uma trilha concreta, entre as tantas virtualmente possíveis, a partir da qual os sentidos possam ser construídos. Deste ponto de vista, hiperler é radicalmente diferente de ler. (Nonato & Sales, 2007, p.2)

Certamente, o texto digital altera o modo de leitura, pois, dentre outras características, substitui a materialidade do texto impresso pela imaterialidade de textos sem lugar específico. Segundo Espéret (1996), a ordem real de armazenamento das informações no hipertexto não está diretamente disponível ao leitor, isto é, um computador cuida de recobrar e exibir as unidades de informação desejada pelo leitor no momento que esse executa o comando na máquina, propiciando assim uma mudança na maneira de ler.

Diante disso, muitos são os pesquisadores que buscam entender essas mudanças. A pesquisadora Santaella (2004), por exemplo, aponta que, para esse novo modo de ler, existe um novo perfil de leitor, o qual denomina de leitor imersivo, virtual. Para a pesquisadora, esse novo modo de ler possui alguns traços de semelhança em relação aos modos de leitura de épocas passadas.

Da Antiguidade, o novo modo de ler herda o texto vertical, pois assim como o livro em rolo, o texto digital corre verticalmente, com a diferença de que não precisa ser desenrolado manualmente, considerando que no computador a ação ocorre ao se pressionar um botão. Já do texto impresso, o texto digital herda a forma de organização linear das palavras nas sentenças, além da semelhança no nível do parágrafo, em que algumas marcas linguísticas adicionais são usadas para promover a coesão e a coerência (ESPÉRET, 1996).

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na história da cultura, uma nova invenção sempre altera profundamente uma outra mais antiga, provocando assim mudanças de postura e de visão de mundo, mas não faz com que ela desapareça por completo.

Deste modo, o leitor imersivo possui algumas marcas características, tais como: dinamismo; transformações sensórias, perceptivas e cognitivas que emergem na leitura; visão multiativa para acompanhar a movimentação das animações e mente distribuída, capaz de realizar ao mesmo tempo uma variedade de operações. Em outras palavras, o leitor imersivo é capaz de ler, escutar e olhar tudo simultaneamente. Santaella (2004, p.33) descreve o leitor imersivo como sendo um leitor em estado de prontidão, “conectando-se entre nós e nexos, num roteiro multilinear, multissequencial e labiríntico que ele próprio ajudou a construir ao interagir com os nós entre palavras, imagens, documentação, músicas, vídeos etc.”

Nesse ponto, o perfil do hiperleitor não é tão simples de ser delineado, porque sendo o texto digital um texto de múltiplas possibilidades, cada leitor também tem uma forma de realizar a leitura. Diante disso, Santaella (2004) apresenta o comportamento de usuários da internet diante da tela, com o objetivo maior de traçar o perfil cognitivo desse novo leitor, isto é, sua proposta é esboçar que habilidades motoras, perceptivas e mentais são atribuídas ao leitor imersivo.

A autora apresenta pesquisas teóricas e de campo (aplicação de questionários e entrevistas realizadas com 45 informantes, todos com escolaridade acima do ensino médio) e, com base nos dados obtidos, apresenta três categorias de usuários:

1) o novato, aquele que não possui conhecimento sobre o uso e funcionamento da rede, para ele tudo é novo;

2) o leigo, aquele que não é um conhecedor exímio da tecnologia, mas já domina alguns trajetos e ferramentas; e

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Após ter formuladas as categorias acima e analisado suas características cognitivas, Santaella (2004) propõe os seguintes perfis/estilos para o leitor imersivo: o errante, o detetive e o previdente que conheceremos mais detalhadamente a seguir.

1.6.1 O leitor errante

O leitor errante, para Santaella (2004), é o usuário novato que vagueia como um flâneur, ou seja, éaquele que navega orientado pelas inferências abdutivas. A

autora descreve que para esse tipo de hiperleitor, o ciberespaço7 “é um espaço de escolhas guiadas pela lógica do plausível, de cujo jogo a desorientação semântica faz parte” (p.103).

Outra característica desse tipo de leitor é a ausência do medo de errar. O leitor errante explora aleatoriamente as possibilidades proporcionadas pela web, vai aos poucos substituindo a perplexidade pelo entendimento e tendo insights. Em outras palavras, vai encontrando a solução para suas dificuldades de navegação pela súbita captação mental dos elementos.

Portanto, o leitor errante vai praticando a leitura diante do computador por tentativa e erro, desta forma, vai adivinhando o que deve fazer. O processo de adivinhação ganha destaque para o perfil do leitor errante, pois essas adivinhações, quando bem-sucedidas, propiciam o encorajamento para processos subsequentes, provendo confiança ao hiperleitor. Esse, quando adquire a confiança, inicia a construção de um novo perfil: o detetive.

_______________

7 O ciberespaço é concebido por Santaella (2004) como o mundo virtual global, onde o usuário tem

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1.6.2 O leitor detetive

O leitor detetive corresponde ao usuário leigo, aquele que tem o raciocínio indutivo, ou seja, parte de dados particulares para elaborar princípios gerais ou inferir uma conclusão. Como utiliza o processo de busca como um guia para suas ações, suas estratégias são avanços, erros e autocorreções (SANTAELLA, 2004).

A pesquisadora descreve esse leitor como o disciplinado, isto é, aquele que mantém objetividade e certa disciplina em suas escolhas, aprende com a experiência e transforma todo seu aprendizado em adaptação, mesmo diante das situações que o levam à dispersão. Essa é vista pela autora como normal, pois, em qualquer nível de leitura, seja no texto impresso seja na web, a dispersão é possível, tendo em vista a multipluralidade de possibilidades.

Contudo, a autora ressalta que, se o leitor não for tomado pelo papel do flâneur, ele pode manter sua disciplina e seu método detetivesco, desenvolvendo gradativamente habilidades de um leitor previdente.

1.6.3 O leitor previdente

O leitor previdente corresponde ao usuário experto, aquele que tem o raciocínio dedutivo. Em outra palavra, que já possui o conhecimento e as estratégias para uma boa navegação, que antecipa as consequências de cada um de seus procedimentos porque já internalizou as regras do jogo (SANTAELLA, 2004).

O previdente conhece os procedimentos a adotar diante das situações apresentadas pelo ciberespaço, porque já adquiriu uma variedade de esquemas de navegação. A pesquisadora entende por esquema todas as informações que foram internalizadas pelo usuário sobre a classe de procedimento a que o esquema se aplica.

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parece que já decifrou os segredos dos programas e consegue antecipar as consequências de suas escolhas, por isso usa estratégias para não fugir de seu objetivo.

Contudo, é importante ressaltar que, assim como já foi dito em relação ao leitor detetive, o previdente também pode ser tomado pelo papel de flâneur diante de uma informação inesperada, de maneira que executa os passos do errante e, em seguida, coloca-se no processo de busca, assim como o detetive. Entretanto, por sua experiência e internalização de esquemas, seu processo de errância e de busca não ganha papel de destaque.

Em suma, Santaella (2004) apresenta que o leitor imersivo possui características próprias, pois, no ciberespaço, não há mais tempo apenas para contemplação ou para a simples movimentação. A autora defende que o perfil ideal do leitor imersivo é aquele que mistura os três estilos de leitura imersiva: o errante, o detetive e o previdente. A pesquisadora afirma ainda ser ideal que o hiperleitor “não se entregue às rotinas sem imaginação do previdente, mas se abra para surpresas, entregue-se às errâncias para poder voltar a vestir a roupagem do detetive, farejando pistas”. (p.180)

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A LEITURA DO HIPERTEXTO EM PERSPECTIVA

SOCIOCOGNITIVO-INTERACIONAL

A leitura é um processo de seleção que se dá como um jogo com avanço de predições, recuos para correções, não se faz linearmente, progride em pequenos blocos ou fatias e não produz compreensões definitivas.

(Marcuschi, 1999, p.96)

Em nosso trabalho, até o momento, apresentamos um breve panorama das transformações dos suportes e dos modos de leitura até chegar à leitura hipertextual, a fim de entender um pouco mais sobre essa prática frequente hoje em dia devido ao avanço tecnológico.

Destacamos, nesse percurso, que a prática de leitura apresentou mudanças e que a mais recente é a leitura hipertextual. Evidenciamos que o hipertexto possui características próprias, tais como: a não linearidade estrutural, a fragmentariedade, a volatilidade do suporte, a multissemiose, a interatividade, a intertextualidade, a acessibilidade ilimitada e, por fim, a interconectividade. Diante disso, esse modo de leitura exige do leitor um novo perfil o qual apresentamos como leitor imersivo, com base nos estudos de Santaella (2004).

O leitor imersivo, conforme já foi descrito no capítulo anterior, é dinâmico, tem visão multiativa para acompanhar a movimentação das animações e possui mente distribuída que é capaz de realizar ao mesmo tempo uma variedade de operações (ler, escutar e olhar tudo simultaneamente) solicitadas frequentemente na leitura hipertextual.

Dessa maneira, para se trabalhar a relação entre leitor e o hipertexto é preciso, como ressalta Queiroz (2001), adotar um conceito de leitura amplo que inclua a percepção de imagens, som, movimento, cores, além do verbalmente constituído no plano da escrita.

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Assim, acreditamos que esse modo de leitura, pelas características aqui demonstradas, não deva ser considerado apenas do ponto de vista do texto, por um lado, ou do autor-leitor, por outro lado, mas, sim, em uma visão que contemple a relação assentada no tripé texto-autor-leitor.

2.1 Uma perspectiva para o estudo da prática da leitura

Com a virada cognitivista, que ocorre a partir da década de 80, evidencia-se uma nova dimensão nos estudos do texto. Nessa perspectiva, postula-se que “todo fazer (ação) é necessariamente acompanhado de processos de ordem cognitiva, de que quem age precisa dispor de modelos mentais de operações e tipos de operações.” (KOCH, 2006b, p.21). O texto é resultado de processos de ordem cognitiva no qual as pessoas estabelecem um sentido em decorrência dos diversos saberes representados na memória e de como se dá o processamento das informações.

A partir dessas evidências, a Linguística Textual passa a se dedicar à investigação das operações mentais e aos modelos de diversos tipos de conhecimento que atuam no processamento da ação comunicativa. Em decorrência dessas investigações, constata-se que muitos dos nossos processos cognitivos têm por base a percepção e a capacidade de atuação física no mundo (KOCH, 2006a).

Para Van Dijk (2004), uma teoria cognitiva considera como princípio básico que o homem faz representações mentais que se desencadeiam por meio de determinados processos de tratamento nas estruturas da mente, possibilitando atividades cognitivas complexas de representações e processamento da informação, por meio de estratégias de ativação de conhecimento dos indivíduos.

Estudos desenvolvidos sobre esse assunto procuram descrever e explicar como se efetua a produção de sentidos a partir dessas representações mentais que os indivíduos constroem lendo um determinado texto. Pode-se assim dizer que essa necessidade de explicação do nível textual propiciou uma visão social da cognição,

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já que logo se tornou claro que o processamento de textos envolve diversos aspectos interacionais e conhecimentos sociais.

Koch (2006a, p.22) relata que a partir desse momento a Linguística Textual passa a desenvolver modelos procedurais de descrição textual para dar conta dos processos cognitivos que “permitem a integração dos diversos sistemas de conhecimento dos parceiros da comunicação, na descrição e na descoberta de procedimentos para atualização e tratamento das motivações e estratégias da produção e compreensão de textos”. Assim, no interior do heterogêneo campo das ciências cognitivas, passa-se a aceitar que não é possível estudar a mente de forma separada do organismo em que se situa e, tampouco, é possível separá-la do meio onde os processos acontecem.

É importante salientar que, em um primeiro momento, a perspectiva cognitiva divide o mundo em duas entidades: a interior, do mundo mental, e a exterior, do mundo físico-social. Essa separação passa a ser questionada, quando as Ciências cognitivas passam a dialogar com outras ciências – Filosofia, Sociologia, Antropologia, Neurologia, Ciência da Computação etc. – e propõem o deslocamento do foco da representação do conhecimento para a construção do conhecimento de forma situada.

Conforme Koch & Cunha-Lima (2005), vários fenômenos cognitivos não podem ser efetivamente descritos sob uma perspectiva interna, já que existem muitos deles que acontecem socialmente. Assim, um dos pontos fundamentais de uma perspectiva sociocognitivista é explicar o processamento textual que abrange atividades de compreensão, tais como a capacidade de identificar o tópico principal de um texto, identificar seus temas principais, resumi-lo, fazer as inferências que geram a coesão e a coerência global.

Dentro dessa perspectiva, os estudos sobre o texto ganham grande importância, visto que os textos não são explícitos, não trazem em sua superfície tudo o que é necessário para sua compreensão. Como aponta Koch & Cunha-Lima (2005, p. 296), “todo texto requer uma atividade de ‘enriquecimento’ das formas que estão na superfície, do emprego de conhecimentos prévios e de várias estratégias interpretativas”.

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A partir disso, os estudos relacionados aos conhecimentos se sobressaem. Dentre eles, dois merecem maior destaque: os procedurais (que são ligados às capacidades perceptuais, motoras e a predisposição para agir) e os enciclopédicos (que compreendem tanto conhecimentos de caráter geral como individuais). As noções de modelos e de estratégias, como fatores fundamentais para o processamento textual, também ganham destaque nessa fase (VAN DIJK, 2004).

2.2 O conceito de leitura sob a ótica sociocognitiva-interacionista

A leitura sob a ótica sociocognitiva-interacionista é vista como “uma atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos, que se realiza evidentemente com base nos elementos linguísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização” (KOCH & ELIAS, 2006, p.11).

As autoras salientam ainda que o processo de leitura requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes no interior do evento comunicativo e durante o processo de leitura “espera-se que o leitor concorde ou não com as ideias do autor, complete-as, adapte-as etc.” (KOCH & ELIAS, 2006, p.12), pressupondo, assim, uma atitude responsiva do leitor (BAKHTIN, 2004).

Nesse sentido, para Kleiman (2008), se faz necessário, ao leitor, a utilização do conhecimento prévio, pois somente mediante a interação de diversos níveis de conhecimento (linguístico, textual, de mundo), o leitor pode construir sentido para o texto.

Dessa forma, a prática de leitura é compreendida como uma interação entre autor-texto-leitor, na qual autor e leitor são vistos como sujeitos ativos que dialogicamente se constroem e são construídos no texto. A leitura, nessa perspectiva, é vista como um ato construtivo, no qual o leitor constrói o significado do texto. Kleiman (1998, p.151) afirma que se trata de um processo altamente subjetivo, pois cada leitor, ao buscar a compreensão de um texto, “traz à tarefa sua carga experiencial que determinará uma leitura para cada leitor num mesmo momento e uma leitura diferente para o mesmo leitor, em momentos diversos”.

(45)

Entretanto, é preciso ressaltar, como faz Solé (1998), que isso não significa que o texto não tenha sentido/significado em si mesmo, mas que sob essa ótica o texto não é um produto de pura decodificação e sim produto de construção de sentido que envolve o texto, os conhecimentos prévios do leitor e seus objetivos na leitura.

2.3 Modelos de leitura

As pesquisadoras (Solé, 1998; Colomer & Camps, 2002; Kato,1995; Kleiman 1989, 1998, 2008) expõem que a concepção tradicional de leitura se constitui em torno dos modelos hierárquicos (ou de processamento) ascendente (buttom up) e descendente (top down).

No modelo ascendente, o leitor começa pelas partes para chegar ao todo, ou seja, dos níveis inferiores aos níveis superiores, realizando um percurso linear. Em outras palavras, o leitor começa a leitura pelas letras (decodificação), passa para as palavras, depois para frases e ao relacioná-las chega ao significado global.

Nesse modelo atribui-se grande importância às habilidades de decodificação, porque se considera que o leitor pode compreender o texto por ser capaz de decodificá-lo. Por isso, é visto como um modelo centrado no texto e, como descreve Solé (1998, p.23), “não pode explicar fenômenos tão correntes como o fato de que continuamente inferimos informações”.

No modelo descendente, temos o inverso do que ocorre no modelo ascendente. O leitor aciona seus conhecimentos prévios (do contexto, de mundo, lexical etc.) e seus recursos cognitivos para estabelecer antecipações. Colomer & Camps (2002) destacam que esse modelo permite ao leitor resolver ambiguidades e escolher uma interpretação do texto entre outras possíveis. As propostas de ensino baseadas no modelo descendente enfatizam o reconhecimento de unidades de significação e estas podem ser mais amplas que palavras, como as frase, por exemplo.

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Partindo desses modelos (ascendente e descendente), Kato (1995); Moita Lopes (1996); Solé (1998) e Colomer & Camps (2002) apontam como alternativa o modelo de leitura interacional (ou interativo) que combina os dois modelos anteriores. No modelo interacional, o leitor é considerado um sujeito ativo que utiliza conhecimentos variados para obter a informação e reconstrói o significado ao interpretá-lo.

Nesse modelo, o leitor pode partir de elementos do texto (letras, palavras, frases etc.) para criar expectativas de níveis mais elevados (no nível semântico/léxico/gramatical) que serão verificadas e recriadas constantemente durante toda a leitura. Desta forma, o leitor recorre a ambos os modelos e utiliza concomitantemente seu conhecimento de mundo, de texto e de língua para chegar à compreensão do texto. (SOLÉ, 1998).

O modelo interacional de processamento de informação, conforme esclarece Moita Lopes (1996), está apoiado em teorias de esquemas. Para essas teorias, “esquemas são estruturas cognitivas armazenadas em unidades de informação na memória a longo prazo - ou seja, constituem nosso pré-conhecimento - que são empregadas no ato da compreensão” (p.139).

Para Kato (1995), o processamento interativo é mais utilizado pelo leitor maduro, pois ele usa, de forma adequada e no momento apropriado, os dois processos, ascendente e descendente, complementarmente. Entretanto, Solé (1998, p.24) destaca que quando o leitor se situa diante do texto, “os elementos que o compõem geram nele expectativas em diferentes níveis, de maneira que a informação que se processa em cada um deles funciona como input para o nível seguinte”.

É preciso esclarecer que, durante algum tempo, os estudos sobre modelos ascendente e descendente apontavam a decifração como capacidade leitora. No entanto, Colomer & Camps (2002) apontam que no modelo interacional a decifração deixa de ser vista como capacidade leitora e passa a constituir um conjunto de habilidades necessárias para entender um texto. As autoras ressaltam ainda os estudos de Hall (1989), que assinalam que a leitura é um processo interativo e, consequentemente, estratégico, uma vez que o leitor eficiente supervisiona sua

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própria compreensão ficando alerta às interrupções e é seletivo ao direcionar sua atenção aos diferentes aspectos do texto.

Van Dijk (2004, p. 22), também, ao realizar estudos sobre o processamento do discurso, assegura que operamos por um modelo estratégico, pois “a compreensão de uma palavra em uma oração dependerá de sua estrutura funcional enquanto um todo, tanto no nível sintático quanto no nível semântico”.

Ainda condizente com as ideias mencionadas, encontramos os estudos de Kato (1995) que afirma que são as estratégias que auxiliam o leitor a extrair do texto mais do que ele expressa linguisticamente. De acordo com a autora, para compreendermos um texto é preciso que, em nossas estruturas internas, tenhamos mais do que uma gramática e instruções para seu uso, é preciso ter conhecimento estratégico.

Para consolidação da importância dos estudos sobre estratégias de leitura para um trabalho ativo da compreensão de texto, destacamos o trecho a seguir dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (1998) que apontam que

a leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a linguagem etc. Não se trata de extrair informação, decodificando letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível proficiência. É o uso desses procedimentos que possibilita controlar o que vai sendo lido, permitindo tomar decisões diante de dificuldades de compreensão, avançar na busca de esclarecimentos e validar no texto suposições feitas. (PCN, 1998, p.69 – grifo nosso)

Considerando a importância do estudo de estratégias para compreensão leitora, buscamos levantar de onde surgiu esta noção e como é conceituada pelos pesquisadores. De acordo com Van Dijk (2004), a noção foi proposta por Bever em 1970. A partir daí outros pesquisadores têm utilizado essa noção de diferentes formas. No entanto, Kato (1995), que também faz remissão aos estudos de Bever, relata que o pesquisador preferiu a terminologia estratégia à terminologia algoritmo,

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porque para o autor a sua aplicação não é infalível e pode apresentar variações individuais.

Van Dijk (2004, p.23) ressalta que as estratégias são parte de nosso conhecimento geral, “elas representam o conhecimento procedural que possuímos sobre compreensão de discurso”. Salienta, ainda, que as estratégias necessitam ser aprendidas e reaprendidas antes de se tornarem automatizadas e explica que outras estratégias mais específicas, como as esquemáticas, podem requerer um treinamento especial.

Outro destaque apresentado pelo pesquisador é que, em um processo estratégico, não existem garantias de sucesso, pois as estratégias são aplicadas como hipóteses operacionais eficazes sobre a estrutura, podendo ser desconfirmadas em processos subsequentes.

Antes de trabalhar o termo estratégia, Solé (1998) diz que é essencial ter bem definido os conceitosde: habilidade (qualidade de quem é hábil, capacidade de fazer alguma coisa bem); destreza (aptidão; qualidade de quem é engenhoso); técnica (procedimentos, destreza, habilidade especial para tratar detalhes ou usar movimentos) e procedimento (modo de fazer alguma coisa; método, processo), para assim, não confundi-los com estratégia.

Para conceituar estratégia, Solé (1998) apresenta os estudos de Valls (1990), que considera que as estratégias têm em comum com todos os demais conceitos (pontuados acima) sua utilidade para regular a atividade das pessoas, à medida que sua aplicação permite selecionar, avaliar, persistir ou abandonar determinadas ações. Desta forma acrescenta que

uma das características das estratégias é o fato de que não detalham nem prescrevem totalmente o curso de uma ação; [...] as estratégias são suspeitas inteligentes, embora arriscadas, sobre o caminho mais adequado que devemos seguir. Sua potencialidade reside justamente nisso, no fato de serem independentes de um âmbito particular e poderem se generalizar; em contrapartida, sua aplicação correta exigirá sua contextualização para o problema concreto. Um componente essencial das estratégias é o fato de que envolvem autodireção – a existência de um objetivo e a consciência de

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Figura 1 – Pergaminho em rolo
Figura 2 – Códice confeccionado com papiro.
Figura 3 – A prensa de parafuso de Gutenberg
Figura 4- O primeiro computador com mouse e interface gráfica
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Referências

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