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1. PARADIGMAS DE CIÊNCIA, EDUCAÇÃO E GESTÃO

1.2. NOVOS PARADIGMAS EM GESTÃO: A ORGANIZAÇÃO QUE APRENDE E

1.2.2. A QUINTA DISCIPLINA: CONCEITOS FUNDAMENTAIS

1.2.2.3. MODELOS MENTAIS

A disciplina dos modelos mentais torna-se relevante para a Organização que Aprende porque busca revelar e aperfeiçoar as imagens internas cristalizadas feitas pelas pessoas sobre o funcionamento do mundo. Essas imagens, ao entrarem em conflito com as intenções pessoais, podem interferir nas ações a serem realizadas dentro da organização ou mesmo no bloqueio de novos insights que muitas vezes não conseguem ser traduzidos em prática. “Por isso, a disciplina dos modelos mentais – trazer à tona, testar e aperfeiçoar nossas imagens internas sobre o funcionamento do mundo – promete ser uma importante revolução para a criação das organizações que aprendem” (Senge, 2006, p. 201).

Senge (2006), com bases na “Ciência da Ação”10, situa que os modelos

mentais determinam não só a nossa visão de mundo como são também correspondentes às nossas formas de agir, revelando que, muitas vezes, as novas

10Chris Argyris e Donald Schon, do MIT, os criadores da Ciência da Ação, desenvolveram muitos estudos sobre os modelos mentais, esclarecendo a importância de sua influência sobre as habilidades de aprendizagem organizacional. Essa teoria “Está voltada para incrementar a eficácia profissional por meio do mapeamento do comportamento humano dentro das organizações, com vistas a eliminação das rotinas defensivas que inibem tanto a eficácia quanto a aprendizagem

teorias aprendidas não conseguem ser colocadas em prática pelo bloqueio de nossos pressupostos arraigados.

Neste sentido, Senge (2006) levanta e responde uma questão pertinente:

Porque os modelos mentais afetam tão fortemente o que fazemos?” Em parte porque afetam o que vemos. Duas pessoas com modelos mentais diferentes podem observar o mesmo evento e descrevê-lo de forma diferente, pois veem detalhes diferentes.(...) Como dizem os psicólogos, nós observamos seletivamente (Senge, 2006, p. 202, grifos no original).

Isso mostra que os modelos mentais são ativos e moldam as nossas formas de percepção e de ação, e, às vezes, são os responsáveis pelo desempenho de um papel indesejado. As formas de agir podem partir de generalizações simples, tais como: quando alguém tem no seu repertório de modelos mentais a crença de que “não se pode confiar nas pessoas”. De acordo com essa raiz interna, ele agirá sob o pensamento de que as pessoas não são dignas de confiança. As ações também podem ser oriundas de modelos mentais que envolvem questões complexas e que levam uma pessoa a atitudes incoerentes, ainda que as entendam intelectualmente. Portanto, os modelos mentais, ao moldarem nossa forma de agir, devem ser estudados nas organizações que aprendem porque influenciam no seu desenvolvimento e pela implicação na visão de mundo dos negócios (Senge, 2006). Neste sentido, Senge (2006) situa que por várias décadas, as Três Grandes de Detroit (Chrysler, Ford e General Motors) acreditaram que a compra de um automóvel era mais determinada pelo modelo do que pela qualidade ou confiabilidade. As pesquisas confirmaram esses pressupostos junto aos consumidores americanos. Contudo, essas preferências foram gradualmente modificadas,

à medida que os fabricantes de automóveis alemães e japoneses educaram os consumidores norte-americanos sobre os benefícios da qualidade e do estilo – e aumentaram de praticamente zero para 38% sua participação no mercado norte- americano de automóveis em 1986.(Senge, 2006, p.202).

Senge (2006) refere-se também ao consultor de empresas Ian Mitroff (1988), que situa um conjunto de pressupostos adotados pela General Motors (GM), considerando que provavelmente, partiram dos modelos mentais de seus diretores, naquela época. Limitei apenas dois que pareceram sintetizar as concepções descritas para esta temática em questão, ainda que formuladas há mais de 30 anos: “Os carros são essencialmente símbolos de status. O modelo, portanto, é mais importante do que a qualidade” e “O mercado de automóveis norte-americano é isolado do resto do mundo” (Senge, 2006, p. 203).

Mitroff (1988) considerou que a GM e as demais de Detroit tiveram suas premissas como uma fórmula mágica de sucesso para um período determinado. E assim, não alteraram seus modelos mentais. As mudanças do mundo real ao não serem consideradas pelos fabricantes de automóveis, aumentaram a defasagem entre os modelos mentais e a realidade – um desajuste que provoca ações gerenciais inadequadas, a revelar necessidade de repensar novos cenários em sua visão de mundo.

Esse fato de Detroit mostra que felizmente os modelos mentais podem ser trabalhados, mesmo em nível coletivo com interferências “fora do sistema”, como o ocorrido com os concorrentes estrangeiros.

Outro exemplo notável mostra a influência dos modelos mentais em grandes organizações entre as décadas de 70 e 80. No início deste período, a Shell era considerada a empresa mais fraca das grandes sete empresas de petróleo do mundo, tornando-se ao final dos anos 80, a mais forte de todas. Nessa época, os desafios às empresas desse setor eram enormes face aos fatores, como: escassez de oferta, menor crescimento e instabilidade de preços do petróleo.

Segundo Senge (2006), o sucesso da Shell deve-se a perfeita compreensão sobre a aprendizagem organizacional, ao dirigir um foco especial nos atuais modelos mentais de seus gerentes, incidindo especialmente naqueles cujas influências eram tão difundidas. Um dos fatores decisivos para esse sucesso seria trabalhar a percepção de muitos dos gerentes sobre a dificuldade de enxergar uma nova realidade e de sentirem-se aprisionados a premissas obsoletas. Posteriormente, seus pressupostos puderam ser compartilhados e reciprocamente influenciados.

mudaram sua forma de pensar sobre essas mudanças. Afastaram-se da linearidade do mundo dos eventos e passaram a enxergar os padrões de mudança. Em uma perspectiva de longo prazo e com bases do pensamento sistêmico, estabeleceram políticas que foram implementadas ao longo da década. Assim,

A Shell havia descoberto o poder de administrar os modelos mentais. O resultado final dos esforços da Shell foi simplesmente espetacular. Em 1970, a Shelll fora considerada a mais fraca das sete grandes empresas de petróleo. A Forbes chamou a empresa de a “Irmã feia” das “Sete Irmãs. Em 1979, talvez fosse a mais forte (Senge, 2006, p. 207).

Colocar em prática novas ideias sobre novos mercados, na maioria das vezes, gera insegurança ou encontra conflito entre os modelos mentais dos participantes de uma organização, geralmente dominados pelo “pensamento linear”.

O pensamento sistêmico é igualmente importante para abordar os modelos mentais. A pesquisa contemporânea mostra que a maioria de nossos modelos é sistematicamente incorreta. Não inclui relacionamentos críticos de feedback, julga incorretamente as defasagens e, frequentemente, focaliza variáveis que são visíveis ou salientes, e não necessariamente variáveis de alta alavancagem (Senge, 2006, p. 231).

Os planejadores da Shell, ao reconhecerem a importância da articulação de modelos mentais, desenvolveram formas de superar essas dificuldades de articulação, destacando-se, entre elas, duas ferramentas. Os “cenários”, foi uma das primeiras a serem adaptadas para obrigar os gerentes a enxergar um espectro de futuros caminhos alternativos a serem administrados com bases na realidade e elementos incertos (Senge, 2006). Ou seja,

Em vez de se preparar para o futuro presumindo que ele será semelhante ao presente, o tipo de planejamento de cenário desenvolvido na Shell foi criado com base na pressuposição de que o ambiente de negócios vai mudar. Em vez de tentar afastar a incerteza, o desafio é aceitá-la e tentar entende-la. A meta não é necessariamente “fazer certo”, mas evidenciar as forças primordiais que movem o sistema, seus inter-relacionamentos e as incertezas críticas. (Steven 2003, p. 166).

A segunda pertence também à categoria de ferramentas de “sistemas não tangíveis”, por envolver variáveis importantes e não quantificáveis. Refere-se a uma

ferramenta para o “mapeamento” de modelos mentais, a incluir o pensamento sistêmico e as simulações por meio de sistemas computacionais – os “micromundos”11– considerada a

tecnologia da organização que aprende.

Neste sentido, para implementar novas práticas gerenciais, a tecnologia digital, por meio dos micromundos, pode ajudar a encarar dificuldades resultantes da problemática da visão linear. É considerada uma ferramenta que permite simulações de situações empresariais difíceis de serem testadas no real, possibilitando, por exemplo, que os grupos testem seus modelos mentais, reflitam sobre suas consequências e sejam incentivados a aperfeiçoá-los. Assim, ao perceber a complexidade da dinâmica empresarial para o estabelecimento de novas estratégias ou planejar uma mudança organizacional significativa, esta tecnologia os ajuda a “profetizar” e a aprender:

São espaços tanto para conceber visões quanto para experimentar uma ampla gama de estratégias e políticas para alcançar essas visões. Gradualmente, estão se tornando um novo tipo de “campo de treino” para as equipes gerenciais, lugar onde as equipes aprenderão como aprender juntas enquanto se engajam em suas questões de negócio mais importantes” (Senge, 2006, p. 343, grifos no original).

Os micromundos permitem um contato com o pensamento sistêmico, extrapolando a visão linear e partir para a visualização de novos cenários. Permitem testar virtudes e vícios empresariais. Podem assim fazer prognósticos para o crescimento futuro, “estabelecendo” parâmetros e metas, uma vez que lidam com dados reais da dinâmica de um sistema e não com uma projeção de dados históricos. É uma ferramenta para expressar o conjunto de premissas a respeito de questões importantes da empresa (Senge, 2006).

Contudo, torna-se importante levantar questões a respeito da compreensão dos espaços digitais como o micromundos. Ao possibilitar simulações à equipes gerenciais, os micromundos mostram-se capazes de acelerar a aprendizagem organizacional, a favorecer, dentre outros, o desembaraço de interações complexas em situações reais, enfim, poder simular ações em lugares onde as equipes

11 O termo “micromundos” foi impresso por Seymour Papert do MIT, educador e cientista da linguagem computacional, destacando-se a linguagem de programação “Logo”, projetada para a

encontram-se distantes do centro gestor, e assim, observar se poderá haver aprendizagem conjunta nas ações de gestão:

Nos micromundos, os gerentes podem aprender sobre as consequências de ações que ocorrem em partes do sistema distantes de onde as ações foram feitas. Será que isso os ajudará a reconhecer tais consequências na vida real e fazer “a escolha sistêmica? (Senge, 2006, p. 363).

Esses microcosmos de ambientes organizacionais, simulados de forma digital, oferecem também um suporte potencialmente novo que favoreça esclarecer as implicações de estratégias adotadas, de entender as ações alternativas dos gerentes, enfim, a ter um espectro das ações desenvolvidas, a aprimorar o pensamento sistêmico e a aprendizagem em equipe e que mostrem caminhos à tomada de decisões futuras, ajudando-os a enfrentar a realidade presente com vistas no futuro.

O desenvolvimento de micromundos envolve pesquisas que visam compreender as estruturas sistêmicas subjacentes a questões específicas da empresa e, em seguida, o desenvolvimento de um processo de aprendizagem para os gerentes que trabalham e vivem essas questões no dia a dia (Senge, 2006, p. 326).

Ainda que se mostrem como ferramentas poderosas capazes de antecipar os fenômenos organizacionais que ocorrem longe dos gestores, a propiciar o desembaraço de interações complexas, reflexões a respeito de seu uso são importantes. Para que uma tecnologia possa ser considerada uma ferramenta para a mudança, como no caso dos micromundos, é necessário que as equipes empresariais partam para a análise e reflexão desses resultados, que os tomarão por base para o debate de questões críticas, trazendo à tona os pressupostos implícitos e reconsiderando as questões importantes. Assim, está a postos uma ferramenta de aprendizagem para descobertas da realidade presente e projeções da realidade futura, com olhos mais abertos, indo além de uma previsão.

Por fim, a aprendizagem é fundamental para o desenvolvimento dos modelos mentais em uma organização que aprende, pelo fenômeno de ser autoconstruída. Só ocorre quando vier de dentro de nós mesmos e não absorvida supostamente de

alguma fonte ou de alguém que nos “passou” seu conhecimento, pelo fato de que o conhecimento é construído internamente por meio de ações reflexivas e vivências.

Embora a aprendizagem pareça um produto, ela é um processo. Quando a teoria nova é apenas repassada, podemos até recitá-la sem conceber a relação teoria-prática, por conseguinte, sem alterar nossos modelos mentais e nossas ações com a realidade. Enquanto não identificarmos a incoerência entre o que dizemos e o como agimos, não ocorrerá aprendizagem. Com bases em Argyris, Senge (2006) situa que temos duas teorias diferentes de ação sobre nosso comportamento efetivo:

É por isso que identificar a defasagem entre teorias esposadas (o que dizemos) e as “teorias em uso” (as teorias subjacentes às nossas ações) é vital. Do contrário, podemos acreditar que “aprendemos” algo simplesmente porque começamos a usar a nova linguagem e os novos conceitos, embora nosso comportamento se mantenha totalmente inalterado (Senge, 2006, p. 229).

E assim, em grande parte, não temos consciência da discrepância entre as duas. A tensão entre a realidade e a nossa visão de futuro pode ficar comprometida e, na maioria das vezes, não conseguimos superá-la sozinhos. As organizações, hoje, ao verem a aprendizagem como a principal vantagem competitiva de uma empresa, veem a importância de buscar formas para que suas equipes gerenciais superem as dificuldades de enxergar a defasagem entre as “teorias em uso” e o seu próprio comportamento, uma vez que só haverá aprendizagem após esse reconhecimento. Assim, “Se não tiverem habilidades em indagar sobre suas próprias formas de pensamento e as das outras pessoas, ficarão limitados na experimentação coletiva de novas formas de pensamento” (Senge, 2006, p. 230).

Portanto, ao trabalhar com modelos mentais, torna-se necessário aprender compartilhar nossas imagens internas do mundo. Nesse sentido, os cientistas da “Ciência da Ação” situam o diálogo como fator fundamental às habilidades de aprendizagem. Para isso, torna-se necessário que o diálogo propicie uma interação verdadeira, num ambiente de genuína vulnerabilidade em que os participantes, passem a expor as limitações de seus próprios pensamentos bem como se devem mostrar passíveis as influências dos demais para que as habilidades de aprendizagem ocorram e amplie o sentimento de parceria. Esses estudiosos dizem

também que um dos indicadores de que uma equipe tem problemas, situa-se no levantamento de um número reduzido questões durante uma reunião.

Quando o diálogo baseia-se apenas em argumentação, os resultados até certo ponto, são predeterminados. Alguém vencerá a discussão ou ambos manterão seu ponto de vista. Os dados são usados seletivamente para confirmar uma posição e o raciocínio é apenas parcial, suficiente para expô-los. E não haverá aprendizagem grupal (Senge, 2006). Outros enfoques do diálogo serão tratados na disciplina Aprendizagem em equipe.

Donald Shon (1983) pesquisou também sobre o desenvolvimento da habilidade de reflexão em profissionais formados em áreas, como: arquitetura, administração e medicina. Concluiu que essas pessoas, ainda que formalmente tenham parado de estudar, tornaram-se profissionais extraordinários, ao continuarem a aprender ao longo da vida por meio da “reflexão em ação” – a capacidade de refletir sobre o pensamento durante a ação. Este princípio é muito utilizado atualmente no Brasil, em especial, na área de formação de professores para o uso das TIC na educação, um trabalho pioneiro desenvolvido por pesquisadores da PUC-São Paulo para as escolas públicas.

Conforme será visto mais à frente na disciplina Aprendizagem em equipe, o foco sobre o diálogo, dirigido ao trabalho dos modelos mentais, é ainda ampliado sob outras variáveis. Ao focalizar o desenvolvimento das habilidades de reflexão sobre as ações, atinge também o coletivo, sem a preocupação de buscar congruências entre os modelos mentais, e assim, envolve todos em uma forma interativa mais sutil e intensa, inserindo-os, ao mesmo tempo, na aprendizagem e na mudança. Portanto,

A aprendizagem que altera os modelos mentais é altamente desafiadora, desorientadora. Pode ser assustadora ao confrontarmos crenças e pressupostos consagrados. Não pode ser feita solitariamente. Só ocorre dentro de uma comunidade de aprendizes (Senge, 2006, p. 23).