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5. Funções Executivas: questões conceituais e estruturais

5.1 Neurodesenvolvimento e funções executivas

5.1.1 Modelos processuais das FE

Filogeneticamente e ontogeneticamente, as habilidades cognitivas que dependem do córtex frontomedial e orbitofrontal apresentam desenvolvimento mais precoce quando comparadas àquelas que dependem de estruturas neocorticais frontais, como o córtex pré- frontal dorsolateral (Flores-Lázaro & Ostrosky-Shejet, 2012). Essas evidências científicas indicam que os componentes fundamentais das FE variam em suas trajetórias de desenvolvimento. Em geral, essa progressão não é linear, mas ocorre em distintos períodos de ápice e declínio de maturação. Portanto, é correto considerar que as FE desenvolvem-se em surtos ou “picos”, graficamente representados por uma parábola (curva em formato de U invertido - ∩) (Natale, 2007; Tonietto, Wagner, Trentini, Sperb, & Parente, 2011).

Os diferentes tempos de maturação das FE sugerem a hipótese do desenvolvimento sequencial, especialmente durante a infância e adolescência (Anderson, 2002; Best & Miller, 2011; Diamond, 2002). Habilidades mais simples, como a requerida em uma atividade de detecção de alvo (Huizinga et al., 2006), ou o processamento de risco-benefício (Flores-Lázaro & Ostrosky-Shejet, 2012), parecem ter cursos desenvolvimentais mais curtos e precoces, se comparados a habilidades executivas mais complexas.

A interação entre os diferentes componentes centrais das FE é esclarecida no modelo fatorial de Miyake et al. (2000). Esse modelo discute a “unidade e a diversidade” das FE, identificada por um fator geral e fatores específicos correlacionados entre si, sob os quais se agrupam os três componentes básicos: a) alternância (shifting) – capacidade de alterar, de maneira flexível, entre distintas operações mentais ou esquemas (semelhante ao conceito de flexibilidade); b) atualização (updating) – monitoração e manipulação da informação na memória operacional; e c) inibição (inhibiting) – capacidade de inibir, de maneira controlada, a produção de respostas predominantemente automáticas, quando a situação requer.

Ainda sobre a organização processual das FE, cabe apresentar o modelo hierárquico proposto por Flores-Lázaro e Ostrosky-Shejet (2012). Os autores citados propõem a diferenciação entre funções frontais (FF) e funções executivas (FE), classificadas em quatro níveis, em ordem crescente de complexidade: nível 1 (funções frontais mais básicas, como controle inibitório); nível 2 (sistema de memória operacional verbal e visoespacial); nível 3 (funções executivas mais complexas, como planejamento, fluência, produtividade, sequenciamento, flexibilidade, etc.) e nível 4 (metafunções, como metacognição, abstração e compreensão de sentidos figurados).

No modelo conceptual de Flores-Lázaro & Ostrosky-Shejet (2012), essas diferenças temporais nas trajetórias de desenvolvimento das funções frontais e executivas podem ser classificadas em quatro etapas sequenciais, a saber: funções de desenvolvimento muito precoce (primeira infância); 2) funções de desenvolvimento inicial (infância); 3) funções de desenvolvimento intermediário (adolescência) e 4) funções de desenvolvimento tardio (adolescência-juventude).

Observa-se no modelo apresentado na Figura 3, a seguir, que as FE de maior complexidade (nível 4) correspondem à geração de categorias abstratas (abstração), compreensão do sentido figurado e à fluência verbal. A abstração é definida por Flores-Lázaro & Ostrosky-Shejet (2012) como a possibilidade de manter uma atitude, a nível de pensamento, para analisar os aspectos não visíveis das situações, objetos e informações. Dito de outra forma, corresponde à evolução do pensamento concreto, para a apreensão do significado implícito de conteúdos verbais e não verbais. Essa capacidade é um marco do desenvolvimento cognitivo, pois permite operações mentais para além do processamento perceptivo-sensorial (Flores-Lázaro et al., 2014).

Figura 3. Sequência geral do desenvolvimento das FE

Fonte: adaptado de Flores-Lázaro & Ostrosky-Shejet (2012).

Nota. Área em azul delimita visualmente a faixa-etária abarcada na amostra da pesquisa (final da terceira infância, adolescência e juventude). Habilidades em destaque (negrito) foram avaliadas direta ou indiretamente pelos instrumentos do protocolo desta pesquisa.

Já a fluência é definida por Fuentes et al. (2008) como a capacidade de emitir uma série de respostas rápidas e variadas, considerando uma estrutura de regras. Isto é, corresponde à habilidade de emitir comportamentos em sequência. Tipicamente, esse processo executivo pode ser avaliado em seus componentes verbais (fonológicos e semânticos), em tarefas de produção de palavras a partir de categorias em um dado intervalo de tempo; e não verbais, na produção de desenhos abstratos (Fuentes et al., 2008).

Primeira infância

(6-8 anos) (9-11 anos) Infância o Detecção de seleções de risco o MO visoespacial o Controle inibitório o Manutenção da identidade o Planejamento sequencial o Flexibilidade visoespacial o MO visoespacial sequencial o Geração de categorias abstratas o Compreensão de sentido figurado o Fluência verbal 1 2 3 4 Adolescência (12-15 anos) Adolescência- juventude (16-30 anos)

De maneira geral, essa habilidade complexa depende da cooperação de outros componentes das FE. Por exemplo, a produção de comportamentos sequenciais exige a manutenção e constante atualização da informação, de modo a não repetir esquemas ou palavras já emitidas (memória operacional). Depende ainda da seleção correta do estímulo relevante, em detrimento de outros (inibição), e da geração de novas respostas e monitoramento dessa essa produção (flexibilidade) (Dias, 2009).

Diante do papel fundamental das FE no desenvolvimento cognitivo, algumas lacunas teóricas e perguntas de pesquisa merecem aprofundamento. É o caso do estudo desenvolvimental dessas funções ao longo de uma ampla faixa etária, discutidas à luz de modelos integrativos de unidade e diversidade na infância e adolescência, especialmente no desenvolvimento atípico.

Já no âmbito das AH/SD poucas são as pesquisas que incluem a avaliação dos componentes centrais das funções executivas, ou ainda que utilizam uma investigação multidimensional da criatividade com instrumentos normatizados para a população brasileira (Nakano, 2018). Nesse contexto, a recusa da utilização de instrumentos padronizados e a redução da avaliação a critérios subjetivos têm dificultado a caracterização da população que apresenta potencial intelectivo acima do esperado (Hazin et al., 2009).

Certamente, a identificação e a caracterização das AH/SD não devem ficar circunscritas à psicometria. No entanto, a utilização criteriosa de ferramentas psicométricas, no âmbito exploratório adotado nesta pesquisa, pode trazer contribuições relevantes não somente para a compreensão da organização cognitiva nesse perfil, mas também para o refinamento do uso de tais ferramentas.

Além dessa contribuição teórica e metodológica, cabe observar que a investigação de jovens com AH/SD não tem despertado o mesmo interesse dos pesquisadores brasileiros

quanto o estudo de transtornos e déficits de diferentes naturezas (sensoperceptuais, psicomotores, afetivo-relacionais, cognitivos, dentre outros), embora todos estes grupos estejam formalmente inclusos nas políticas públicas de educação especial (Brasil, 2001).