• Nenhum resultado encontrado

O desenvolvimento de modelos animais in vivo que recapitulam a história natural dos cânceres humanos e sua resposta clínica à terapia constituem um pré- requisito importante para a aplicação de terapias antineoplásicas que se mostraram promissores em modelos in vitro. Vários modelos animais foram desenvolvidos para estudar a patogênese, etiologia e novas terapias contra o câncer. Embora nenhum modelo único possa recapitular todos os aspectos desta doença, as informações obtidas em modelos animais são essenciais para o avanço do tratamento e diagnóstico (Ballegeer et al., 2013; Supsavhad et al., 2016).

O camundongo como modelo para a pesquisa das neoplasias humanas já provou ser uma ferramenta útil, pois apresenta várias características anatômicas, celulares e moleculares semelhantes às dos seres humanos, que são críticas para o

desenvolvimento neoplásico. Além do mais, cerca de 99 % dos genes de camundongos têm um homólogo no genoma humano (Waterston et al., 2002), o que proporciona um excelente sistema experimentalmente tratável como ferramenta para investigar mecanismos básicos e tratamentos para o câncer (Ogilvie et al., 2017).

Numerosos modelos murinos foram desenvolvidos para estudar o câncer humano, sendo os xenoenxerto derivados de linhagens celulares de tumores humanos os mais amplamente explorados (Jung, 2014; Szadvari et al., 2016). Nestes, células tumorais são transplantadas em camundongos nude atímicos, com deficiência de células T, ou em camundongos com deficiência imune combinada grave (SCID). Estas deficiências no sistema imunológico permitem que as linhagens celulares humanas estabelecidas in vitro sejam propagadas por vias ectópicas ou ortotópicas, reconstituindo tumores sólidos sem risco de rejeição por parte do animal hospedeiro (Povlsen e Rygaard, 1972; Morton e Houghton, 2007). Os estudos típicos de xenoenxerto envolvem injeção subcutânea de células humanas retiradas da cultura in vitro de uma linhagem celular humana imortalizada em camundongos nude (xenoenxerto ectópico). Estes inóculos subcutâneos geralmente crescem rapidamente e formam tumores relativamente síncronos, com períodos de latência de duplicação curtos (Szadvari et al., 2016; Simons e Brayton, 2017). Porém, embora este tipo de modelo experimental seja relativamente fácil de operar e tecnicamente simples, não é o mais relevante para ensaios pré-clínicos pois o local transplantado é diferente da origem anatômica das células cultivadas. Sendo assim, eles não reproduzem o sítio primário do tumor e não compartilham as mesmas vias de propagação de metástases (Johnson et al., 2001; Francia et al., 2011; Jung, 2014). Estes argumentos têm sido usados para explicar por que muitos compostos terapêuticos que mostraram atividade promissora em xenoenxertos subcutâneos não foram reproduzidos em ensaios clínicos (Suggitt e Bibby, 2005).

Os xenoenxertos ortotópicos são utilizados para reproduzir o ambiente natural do órgão em que o tumor se origina, cresce e metastatiza, assim como as interações estromais, por meio da inoculação das células no órgão ou tecido de origem (Bibby, 2004; Sano e Myers, 2009; Mcmillin et al., 2013; Simons e Brayton, 2017). Os primeiros modelos de xenoenxerto murino de CCE oral foram realizados por via subcutânea, mas os resultados obtidos não justificaram ensaios clínicos (Sano e Myers, 2009). Esta falta de correlação pode estar correlacionada ao fato de que na

clínica trata-se com quimioterapia, em geral, a doença na sua forma avançada e/ou metastática (Sano e Myers, 2009). Uma série de investigações de Isaiah J. Fidler e outros pesquisadores, no final do século passado, demonstraram que a metástase não é um fenômeno aleatório e sim específico (Fidler e Hart, 1982), e que os padrões metastáticos em modelos animais são dependentes do local da injeção das células, achados que foram precursores da criação dos modelos "ortotópicos" (Talmadge et al., 2007).

Diversos modelos ortotópicos foram descritos como ferramentas úteis no estudo do CCE oral. Dinesman et al. (1990) implantaram células tumorais no assoalho da boca por uma via submandibular em camundongos nude e relataram que 5% dos camundongos apresentaram metástases linfonodais e 40% tiveram metástases pulmonares, corroborando a hipótese de que modelos ortotópicos reproduzem efetivamente as vias de metástase que ocorrem nos humanos. Shuichi Kawashiri e colaboradores descreveram modelo ortotópico de CCE oral que apresentou alta incidência de metástases nos linfonodos cervicais após a inoculação das células na língua (Kawashiri et al., 1995, 1999). Myers et al. (2002) também estabeleceram modelos ortotópicos de CCE de língua pela injeção de linhagens celulares humanas na língua de camundongos nude, o que levou ao desenvolvimento de colonização em linfonodos cervicais e metástases pulmonares. Neste mesmo trabalho, os autores descobriram que a passagem em série dos linfonodos, após isolamento das células metastáticas dos linfonodos cervicais, resulta em linhagens mais metastáticas do que a parental. Por fim, estes autores demonstraram que a capacidade tumorigênica das células de CCE oral é maior quando estas são injetadas na língua do que sob a pele dos camundongos (Myers et al., 2002). Em nosso grupo de pesquisa, Agostini et al. (2014) desenvolveram um modelo metastático de CCE oral que permite a localização dos linfonodos afetados por fluorescência. Estes autores transfectaram o gene que codifica a proteína verde fluorescente ZsGreen em células de CCE oral SCC-9 e as inocularam nas patas dianteiras de camundongos BALB/c nude. Após metastatizarem para os linfonodos da cadeia axilar, as células foram recolocadas em cultura e então inoculadas ortotopicamente na língua de novos camundongos. Nestes, ocorreu disseminação rápida para os linfonodos regionais e tanto as metástases e como os tumores primários puderam ser analisados com auxílio de microscópio de epifluorescência. Neste modelo, o fenótipo metastático agressivo simula a doença

humana em seus estágios avançados e constitui uma ferramenta para o desenvolvimento de novas terapias para o tratamento do CCE oral.

Os modelos de xenoenxerto ortotópico também apresentam desvantagens. Por exemplo, podem ser tecnicamente complexos para padronizar e causar morbidade nos animais animal e até mesmo morte. Além disto, em localizações ortotópicas internas pouco acessíveis pode ser difícil avaliar a eficácia de tratamentos antitumorais de maneira contínua, sem o auxílio de exames de imagem (Bibby, 2004; Sano e Myers, 2009). Estas últimas limitações não ocorrem em CCE de língua, pois estas podem ser acessadas com relativa facilidade (Sano e Myers, 2009).

3 PROPOSIÇÃO