• Nenhum resultado encontrado

É da natureza da Razão conceber as coisas do ponto de vista da eternidade (SPINOZA, 1983, p. 291).

Cambi (1999, p.195) sugere que a modernidade é “talvez” um movimento “ainda inconcluso”. Percebemos que, enquanto projeto, essa afirmação está correta, que diversas teorias lutam por mantê-la. Apesar de, cronologicamente, a historiografia definir, sendo esta aceita pelas demais ciências, um período iniciado há séculos, essa concepção de Modernidade não fora totalmente encerrada e, para muitos/as estudiosos/as, está longe de sê-la (LAGARDE, 2006, p. 152), (SANTOS, 2006, p. 780), (LAGARDE, 2011, p. 786). Demonstrando o quanto os saberes se ressignificam, cristalizam-se, sacralizam-se, debatem-se, isto é; dependendo do ponto de vista do investigador/a, ele, o saber, estará sempre a serviço de continuar suas convicções.

Há, segundo Bombassaro (1992, p. 13-19), uma espécie de necessidade vital da existência dos seres em sociedade, ressaltando que há diferenças e similitudes, por isso, pode haver, assim, uma diferenciação entre os mesmos. Acreditamos que essas diferenças não os tornam desiguais, pelo contrário, acrescentam e podem, na medida de sua abertura, engrandecer a concepção de ser no mundo. As várias possibilidades de construção do conhecimento, os saberes fronteiriços (LAGE, 2008b), a diversidade de (in)formações, a complexidade de culturas, etc.

Estas relações de convivência mútua, às quais Bombassaro se refere, dão-se através da comunicabilidade do ser humano. Em primeiro lugar, em comunicar-se com si próprio; em segundo, em comunicar-se com os outros/as de sua espécie e terceiro, comunicar-se com a natureza, o meio onde vive. Criando e recriando, interpretando e reinterpretando aquilo que em si é construído, enquanto processo contínuo (ELIAS, 1994a, p. 4), (SANTOS, 2002, p. 12-13). Estas duas categorias fundantes, comunicação e interpretação, sobre o conhecimento do ser estão, de certa forma, separadas por uma questão de concepção de ciência no período da modernidade, embora consideremos que não há como uma permanecer sem a outra. Portanto, elas estão unidas desde o seu nascimento ou invenção.

Esta filosofia dualista tem levado a conceber de modo antagônico não somente o racional e o histórico, mas também o teórico e o prático, operando uma censura da qual nasce a identificação do racional com o teórico e do histórico com o prático (BOMBASSARO, 1992, p. 15).

Esta dualidade acaba por provocar várias outras durante o transcorrer do processo histórico, alimentando, alicerçando e fundamentando diversas teorias (HESSEN, 2003, p. 92). Há, segundo nossa leitura, equívocos epistemológicos apontados neste dualismo promovido pela filosofia entre racionalidade e historicidade, pois passa a valorizar em demasia uma dimensão em detrimento da outra, dificultando sua compreensão conjunta.

Podemos observar estas categorias em discursos de vários pensadores através dos séculos, desde sua concepção aos nossos dias, que é o ser humano racional, baseado sobretudo numa construção de uma sociedade patriarcal. A interpelação que podemos fazer é a seguinte: que tipo de pensamento racional é este?

Porém, como já fora frisado, a racionalidade é fruto de um modelo hegemônico, que buscou estruturar padrões e definir classes, seguindo um modelo de instrumentalização que propõe a desigualdade. Somos, segundo Aristóteles (2002), os únicos seres que podem compreender o mundo em que vivem.

É importante perceber que Kant (1783), em acerca do “Esclarecimento”, procura traçar caminhos e descaminhos pelos quais os homens37 procuram libertar-se da menoridade que lhes é imposta, por suas próprias condições, e ainda contempla a proposta de fuga dessa mesma situação, a maioridade. Foucault (2010b, p. 8) tomando por base o texto de Kant oferece base à ideia trazida de superação da condição posta pela Aufklärung.38 Já Lima (2002, p. 60) trata

das questões pertinentes à concepção de criação da Modernidade, e o autor discorre sobre o papel pedagógico, os modelos educacionais e institucionais de formação desse novo cidadão que o período procura criar. Alguns sujeitos não conseguem tornarem-se livres, segundo Kant (1783) “por preguiça e covardia”, sendo ainda “tão cômodo ser menor”. Será denominada como transcendência kantiana a ideia de superação dessa condição de necessidade de tutela de outrem para conseguir a própria autoconsciência. Foucault (2010b) destaca a importância dessa concepção no que se refere à formação e dominação dos indivíduos, na perspectiva de normatizá-los e criar uma sociedade funcional, ou um simulacro social (FOUCAULT, 2010b, p. 4).

37 No sentido masculino já que cita o “belo sexo”, o feminino, considera “penoso” nesse processo.

38 Que pode ser entendida como educação, o que não se faz diretamente em Kant. Iluminismo, termo esse criado

Assim como em Lima (2002, p. 60), quando ele trata das questões relativas à racionalidade moderna e aos papéis derivados desta e que são exercidos por pessoas instruídas. Outra ideia importante trabalhada pelos autores é a noção de público (Publikum) e privado (Privat). E de como essa ideia é inovadora no pensamento kantiano. Kant, como fundador de uma ideia de epistemologia, norteia, em grande medida, toda concepção de pensamento moderno totalitário que irá seguir e aprofundar-se nos séculos seguintes, sobretudo fins do XIX.

A discussão em torno do papel desempenhado pela concepção moderna de sociedade irá gerar a ideia de bem-comum sobre o bem-individual, que Kant chamará de imperativo categórico. Nietzsche (2005) e Lima (2002) irão tratar, utilizando-se de diversos teóricos, das barreiras impostas por esse paradigma na construção de uma sociedade que trate a educação como um direito de todos, derivando do dever do Estado, mas com conteúdos que, em grande medida, aprisionam esses indivíduos, procurando transformá-los em virtuosos seres sociais.

Há uma crítica às instituições sobre a relação de tutela dada ao ser social, sobretudo a instituição religiosa, que impõe a ideia de Iluminação como elemento eminentemente divino, transformando o ser em algo guiado. Em suma, o poder da Aufklärung e de como ela foi sendo concebida e utilizada pelos sistemas pedagógicos e institucionais. Assim sendo, a crítica ao modelo de educação é feita e nos impele a procurar pensar essas relações em nossa atualidade em busca de saberes diversos e múltiplas formas de conhecimento. Isso seria uma ideia de procura dessa maioridade.

Bombassaro (1992, p. 19-25) percebe que, através do advento de concepção moderna e (re)significação de termos entre eles, tanto saber como conhecer acabaram perdendo seu sentido inicial, epistêmico. A expressão, segundo a história da filosofia, está concebida com o sentido de “ter como verdadeiro”. Para Platão, há dois tipos de saber, episteme e doxa (opinião) “... afirmando que o ‘saber’ é uma opinião verdadeira, sempre acompanhada de uma explicação e por um pensamento fundado” (BOMBASSARO, 1992, p. 19). Analisando ainda o que diz o autor, Durant (1996) expõe que

O comportamento humano, diz Platão, deflui de três fontes principais: desejo, emoção e conhecimento. Desejo, apetite, impulso, instinto são uma coisa só; emoção, espírito, ambição e coragem são uma coisa só; conhecimento, pensamento, intelecto, razão são uma coisa só. O desejo tem o seu centro no baixo-ventre, um explosivo reservatório de energia, fundamentalmente sexual. A emoção tem o seu centro no coração, no fluxo e na força do sangue; é a ressonância orgânica da experiência e do desejo. O conhecimento tem o seu centro na cabeça; ele é o olho do desejo e pode se tornar o piloto da alma(DURANT, 1996, p. 47).

Kant procura questionar o que se tem por verdadeiro e coloca o saber como esta espera verdadeira no mundo subjetivo e objetivo. Ele critica e estabelece outros paradigmas para a racionalidade, ou melhor, a partir dele são estabelecidos outros paradigmas para a racionalidade. Segundo Durant (1996) “Não há uma filosofia verdadeira enquanto a mente não se voltar a examinar a si mesma. Gnothi seauton, disse Sócrates: “conhece-te a ti mesmo” (DURANT, 1996, p. 33).

A aurora da modernidade está atrelada ao fim da Era Medieval, quando predominava, de forma geral, o misticismo.39 Surge o movimento histórico-cultural do Renascimento, notadamente, em busca de uma mudança de paradigma, em oposição ao teocentrismo medieval, que imperou por quase um milênio.

Na filosofia, identifica-se a corrente do pensamento humanista, representada principalmente por Rotterdam (Elogio da Loucura, 1509) e Morus (A Utopia, 1518), que vão estabelecer os princípios do Antropocentrismo e o uso da Razão sob a Natureza (intensificado, sobretudo, nos séculos XVIII e XIX), como princípios últimos que os seres deveriam possuir, ressignificando a experiência do ser, que outrora deveria submeter-se apenas a vontade dos Céus, proferida pela Igreja Romana, a partir das interpretações dos textos sagrados.

Sendo assim, o projeto iluminista já é, por si só, um movimento de rompimento, que buscou desconstruir o paradigma medieval e sua predominância transcendental.

Como destacam Santos (2004a, 20-39), (2011, p. 60-68), (2012, p. 31-46) e Lage (2008a, p. 8), essa busca de homogeneidades, procura de grandes sistemas interpretativos, padronizando métodos e procurando, como fim, a cientificidade, tem caracterizado esse momento e servido de modelo a ser seguido por colonizadores, cientistas e pelas ditas “grandes mentes”. Lugones (2011) afirma que a “modernidad organiza el mundo ontológicamente en términos de categorías homogéneas, atómicas, separables” (LUGONES, 2011, p. 106).

Com pensamento semelhante, Lyotard (1988) afirma que a linguagem é um dos elementos que assinala essa absolutização de poder empreendido por aquele/a que julga saber e aqui estendem o sentido, civilizar, catequizar, educar, colonizar, etc. Aquele/a que destina saber e aquele/a que recebe, dentre outras formas, passivamente, acreditando, ou sendo levado/a a acreditar, no julgamento (LYOTARD, 1988. p.15).

39 Com relação a esta perspectiva Gandillac (ver 1995) discorre sobre o papel de influência desempenhado pela

filosofia medieval no universo de construção da modernidade que estava sendo delineada, mediante uma concepção de filosofia baseada no platonismo.

Associando-se a essa premissa Lagarde (1996) afirma que os “poderes de dominio son sociales, grupales y personales, permiten explotar y oprimir a personas y grupos y todo tipo de colectividades” (LAGARDE, 1996, p. 69). Assim prossegue dizendo que,

“Hemos hecho [enquanto feministas], en la práctica y en la teoría, una crítica permanente del poder hegemónico y hemos demostrado que el poder opresivo no es eterno. Con nuestra práctica política hemos revolucionado de manera radical el campo del poder al inaugurar poderes para eliminar cualquier dominio y salir de la opresión” (LAGARDE, 2004, p. 11).

Assim como destaca-se um pouco mais a noção de poder em Silva & Oliveira (2015b, p. 538-541).

No que se refere à linguagem, entende-se que está precedida pela racionalidade, pois só há linguagem, por mais complexa que seja, se houver um pensamento, uma movimentação racional desenvolvida pelo mesmo.

A historicidade de Lyotard se compõe, dentre outros elementos, da linguagem, na qual o discurso é necessário para que haja um bem comum. O discurso, para Gadamer (2011, p. 60) pode surgir como aparência, engano e simulação, cabendo ao pesquisador/a a análise sobre ele para que assim se observe a sua função/uso.

Para Lyotard (1998) a racionalidade e a historicidade são observáveis, mais claramente, no conhecimento. Habermas firma que

Siempre que hacemos uso de la expresión “racional” suponemos una estrecha relación entre racionalidad y saber. Nuestro saber tiene una estructura proposicional: las opiniones pueden exponerse explícitamente en forma de enunciados. […] Si buscamos sujetos gramaticales que puedan completar la expresión predicativa “racional”, se ofrecen en principio dos candidatos. Más o menos racionales pueden serlo las personas, que disponen de saber, y las manifestaciones simbólicas, las acciones lingüísticas o no lingüísticas, comunicativas o no comunicativas, que encarnan un saber. Podemos llamar racionales a los hombres y a las mujeres, a los niños y a los adultos, a los ministros y a los cobradores de autobús, pero no a los peces, a los sauces, a las montañas, a las calles o a las sillas. (HABERMAS, 1999, p. 24).

Sendo assim, o racional perpassa apenas o que estiver ligado aos seres humanos. É categoria humana, pois somente estes seres, humanos, teriam a capacidade de interpretar tais mecanismos, como ainda teriam a habilidade de decodificar estes significados propostos por esta realidade dada/construída.

Ultrapassando as distinções clássicas entre o saber e opinião, e incorporando as contribuições filosóficas da análise da linguagem, Habermas afirma de modo decisivo a existência de uma relação intrínseca entre racionalidade e conhecimento. Para ele, todo conhecimento é portador de racionalidade, porque está estruturado proposicionalmente (BOMBASSARO, 1992, p. 17).

Provavelmente, todos os setores sociais foram afetados por esse ponto de vista construído. Destacamos aqui a geografia, a economia, a política, a cultura, o próprio processo de educação (BURKE, 1980, p. 15), as pedagogias, etc.

Essa ideologia passou a dominar, influenciando e guiando os indivíduos, deliberando sobre o que deveria ser feito e como ser feito, da maneira correta, o que estivesse fora dessa formatação estaria, imediatamente, marginalizada e deveria ser rechaçada.

O indivíduo deve servir ao Estado Nação, a educação deve ter uma utilização prática, buscando claros fins, ou melhor, o modelo de ser humano perfeito (homem, branco, burguês, heterossexual e cristão). Sob esse prisma outros saberes também foram sendo erigidos com a finalidade dita como um bem nacional, o padrão, que deve ser respeitado.

A partir de então, pode falar-se de um modelo global de racionalidade científica que admite variedade interna, mas que se distingue e defende, por via de fronteiras ostensivas e ostensivamente policiadas, de duas formas de conhecimento não científico (e, portanto, irracional) potencialmente perturbadoras e intrusas: o senso comum e as chamadas humanidades ou estudos humanísticos (em que se incluíram, entre outros, os estudos históricos, filológicos, jurídicos, literários, filosóficos e teológicos) (SANTOS, 2004, p.21).

O papel da ideologia, trazida por Ricoeur (1983), corrobora com o que defende Santos (2004), pois, a “política diz respeito a coisas variáveis e instáveis” (RICOEUR, 1983, p.64). Onde ainda para ele “[...] precisamos escapar ao fascínio exercido pelo problema da dominação, para considerarmos um problema mais amplo, o da integração social, de que a dominação é uma dimensão, e não a condição única e essencial” (RICOEUR, 1983, p.65).

Para Lage (2008, p.195-196) as “consequências dessa dicotomia hierarquizante foram desastrosas sob o ponto de vista da diversidade cognitiva da nossa humanidade, pois provocou a ocultação e a desqualificação de uma infinidade de conhecimentos [...]”. A ciência, nesse prisma, é vista como forma detentora de poder. Poder esse que exerce fascínio como ideologia no sentido dado pelo marxismo (JOHSON; SILVA; SOUZA, 2015, p. 430-434), (LYOTARD, 1988. p. 12).

Essa visão se aproxima muito do que Guevara (2010, p. 68-72) traz em seu texto em relação aos silêncios produzidos pelo dito conhecimento científico em nome de uma pretensa neutralidade, a qual já discutimos (GADAMER, 2011, p. 57). Ela denomina como sendo uma ciência para reproduzir silêncios, ocultando a produção, exercendo assim uma violência epistêmica, termo esse que se aproxima, em grande medida, do conceito cunhado por Santos (2010) de epistemicídio. Acaba-se erigindo um conhecimento-poder e só faz parte deste quem consegue traduzir seus meandros e suas estruturas, decodificando símbolos, linguagens e

atendendo a interesses destes guetos epistêmicos. A ciência, muitas vezes, afirma Gadamer (2011, p. 58), pode vir a produzir excessos e fanatismos mediante a procura incessante da verdade (notadamente no singular), uma única e correta forma de se produzir e verificar o dado conhecimento produzido.

Podemos ainda observar o advento da introdução de novos processos civilizatórios (ELIAS, 1993, p. 193-207) e (ELIAS, 1994b, p. 23-50), da racionalização, trazida, sobretudo, com o método desenvolvido por Weber e a institucionalização/padronização (FOUCAULT, 2013, p. 144-150) da vida social.

É inquestionável. Homens sem instrução em filosofia ou em outras disciplinas não passam de crianças inferiores, em certos aspectos, aos animais. De fato, os animais obedecem, cegamente, aos instintos da natureza, o homem, desprovido dos parâmetros das letras e dos ensinamentos da filosofia, fica antes sujeito a impulsos mais que animalescos (ROTTERDAM, 2005, p. 31-32).

Esse modelo, introduzido por Descartes40, “O discurso do método” (1637), fora empreendido como a grande verdade a ser seguida pelos saberes. Derivando daí, mas não somente dele, interpretações que buscavam e ainda buscam sistematizar todas as formas de pensar, uniformizando-as e as identificando como corretas. A padronização empreendida nesse momento entronizou-se com o ideário positivista no século XIX, seja pela concepção comteana ou das que irão derivar dela, criando-se assim uma constituição da instrumentalização dos saberes, hierarquizando-os.

Não podemos nos esquecer do período Iluminista que irá se opor, autoproclamando-se de período da razão, ao período medieval e criando assim uma cisão. Voltaire define senso- comum como sendo um “estado médio entre a estupidez e a agudeza de espírito” (VOLTAIRE, 2004, p. 466). Ao contrário dele, para Santos (2004a), há sim validade nas múltiplas formas de saberes.

Estamos de novo regressados à necessidade de perguntar pelas relações entre a ciência e a virtude, pelo valor do conhecimento dito ordinário ou vulgar que nós, sujeitos individuais ou coletivos, criamos e usamos para dar sentido às nossas práticas e que a ciência teima em considerar irrelevante...) (SANTOS, 2004a, p. 18); (Ver também SANTOS, 2012).

40 Descartes assim como Bacon são representantes dessa fundação do pensamento moderno. Porém, a metafísica

e o empirismo, empreendido pelos pensadores, respectivamente, são uma derivação do pensamento medieval. Para Santos, (2004, p.26) “Descartes, por seu turno, vai inequivocamente das ideias para as coisas e não das coisas para as ideias e estabelece a prioridade da metafísica enquanto função última da ciência”. Assim sendo, citando Piaget nos diz que “a epistemologia prospera em períodos de crise” (SANTOS, 2011, p.55). Popper (2004, p.14) fala das coisas para algo, em sua quarta tese, o direcionamento dado, antes mesmo de uma investigação, podendo ser questionado o aspecto ético de quem realiza a pesquisa e o que quer evidenciar com a mesma.

Há ainda uma terceira concepção acerca do senso comum, que pode salientar as diferentes formas de percepção para um mesmo dado, educação, regimes totalitários e libertários, etc., servindo assim o conhecimento como modo de domínio e permanência das camadas mais abastadas. Para Popper (2004), poderia ser muitas vezes interpretação do momento, por limites epistêmicos, técnicos, etc. E as que ele chama de “honestidade” do pesquisador/a (POPPER, 2004, p.15)41.

Kant (1783) irá idealizar essa concepção sobre a validade da razão, posteriormente trabalhada por Hegel (2001) entre outros. Para Hegel (2001), o uso da razão deve servir ao bem comum que será delineado pelo Estado, sendo assim a síntese de seu pensamento sobre o uso dessa razão e seguida por muitos outros pensadores que o precederam.

Aqueles dentre os senhores que não tenham ainda conhecido a filosofia talvez já tenham sido convidados a participar destas lições sobre a história do mundo com a crença na Razão, com um desejo, uma sede por sua compreensão. É realmente esse desejo pela compreensão racional, pelo conhecimento, e não simplesmente por uma acumulação de fatos diversos, que deveriam ser pressupostos como aspiração subjetiva no estudo das ciências. Pois, mesmo que não se estivesse abordando a história do mundo com a reflexão e o conhecimento da Razão, pelo menos se deveria ter a fé invencível e firme de que há Razão na história, acreditando que o mundo da inteligência e da vontade consciente não está abandonado ao simples acaso, mas deve manifestar-se à luz da Ideia racional. Mas na verdade não tenho de exigir esta fé por antecipação. O que eu disse aqui provisoriamente e repetirei mais tarde, deve ser tomado como visão resumida de conjunto, mesmo em nosso ramo da ciência. Não é uma pressuposição de estudo, é um resultado que por acaso conheço porque eu já conheço o conjunto. Portanto, apenas o estudo da história do mundo em si pode mostrar que ela continuou racionalmente, que ela representa a trajetória racionalmente necessária do Espírito do Mundo, Espírito este cuja natureza é sempre a mesma, mas cuja natureza única se desdobra no curso do mundo. Este, como eu disse, deve ser o resultado da história. A história em si deve ser tomada como é, temos de seguir adiante histórica e empiricamente (HEGEL, 2001, p.54).

O questionamento do enquadramento metafísico introduzido pela ciência moderna, vem ocorrendo não apenas na crise de conceitos caros a este pensamento, tais como são “razão”, “sujeito”, “totalidade”, “verdade”, “progresso” (LYOTARD, 1988, p. 35-43). Também o uso desse conhecimento como ação e prática, uma procura de profunda mudança do Paradigma tradicional (BOURDIEU, 2004, p. 30-35), (CAPRA, 2011, p. 19-46) e (HOBSBAWN; RANGER, 2002, p. 271-316).

Para o Iluminismo, a cultura significava, de uma forma geral, aqueles vínculos regressivos que nos impediam de assumir a nossa cidadania universal. Descrevia o nosso sentimento de pertença a um lugar, a nostalgia da tradição, a preferência pela tribo, a reverência em relação à hierarquia. Durante muito tempo, a diferença foi considerada uma doutrina reaccionária que negava a igualdade a que todos os homens e mulheres tinham direito. Um ataque à Razão em nome da intuição ou da sabedoria

do corpo constituía uma forma certa de cair no preconceito do irracional. A imaginação era uma doença mental que nos impedia de ver o mundo tal como é e, consequentemente, de agir para o transformar. E negar a Natureza em nome da Cultura acabaria por conduzir-nos quase de certeza ao lado errado da barricada (EAGLETON, 2003, p. 46).

A episteme moderna dominará o cenário de produção de saberes estendendo-se a todos os aspectos comuns no mundo da ciência. Nessa direção, Santos (2004a) destaca o perigo escondido dentro das inúmeras potencialidades trazidas com a construção desse paradigma.

Concordando com Bachelard, Santos (2011, p. 239) traz a concepção de crise desse mesmo paradigma e a construção de um novo, a ser constituído de maneira mais igualitária, respeitando as diferenças e múltiplas formas de saberes. Essa procura pela racionalidade instrumental, buscada pela Modernidade através de um modelo totalitário de se “fazer” ciência,