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Assim, como muitas outras feministas, quero argumentar a favor de uma doutrina e de uma prática da objetividade que privilegie a contestação, a desconstrução, as conexões em rede e a esperança na transformação dos sistemas de conhecimento e nas maneiras de ver. Mas não é qualquer perspectiva parcial que serve; devemos ser hostis aos relativismos e holismos fáceis, feitos de adição e subsunção das partes (HARAWAY, 1995, p. 24).

O feminismo, como destaca Bordo (2000, p. 11) é compreendido como o politicamente correto, o exótico, aquilo que deve ser incluído, diferente, como o Outro. Isso se configura ainda como uma barreira a ser rompida dentro dos cânones da ciência, como uma batalha contínua de

73 Há uma quantidade grande de nomenclaturas para o estudo feminista da ciência, podendo ser encontrado também

afirmação e ocupação de espaços. O feminismo luta para deixar de ser um conhecimento marginalizado. Nesses termos Gebara (2000a) nos diz que “O feminismo denuncia a produção de um conhecimento considerado científico, cuja consequência é a exclusão das mulheres e das culturas marginalizadas” (GEBARA, 2000a, p. 115). Superar essa condição de subalternização tem sido o objetivo de luta dos mais variados movimentos feministas que procuram estabelecer novos valores de relações entre mulheres e homens. É como diz Lagarde (2004)

El feminismo surge como una revolución personal y social marcada por la disidencia con los otros y con el mundo. Se convierte en una sintonía compleja y contradictoria entre mujeres diversas y sus acciones y repercusiones dan lugar a una revolución radical que no irrumpe, sino que sucede, y no usa la violencia como recurso de transformación. Es en sí mismo un nuevo paradigma en desarrollo (LAGARDE,

2004, p. 16).

A ciência pensada enquanto política74, elaborada enquanto saber e poder, impulsionou o movimento feminista na busca de uma produção de conhecimento não sexista (SANTOS, 2006, p. 782). Gómez (1997) aponta a relação de poder envolvida no que se chama de ciência e de como o feminismo procura conhecê-la para dela fazer uso, na construção de uma forma de saber que gere mudança de conhecimento social.

El feminismo tiene un interés político en la ciencia, derivado de su enorme poder social, y tiene también un interés epistemológico, relacionado con el carácter utópico y visionario que la ciencia posee. Se asume que la ciencia no es siempre libertadora pero que es un instrumento social e intelectual capaz de cambiar el mundo y generar conocimiento y prácticas útiles para las mujeres (GÓMEZ, 1997, p. 186).

Num caminho semelhante ao exposto, Haraway (1995) nos fala sobre a necessidade da ciência enquanto elemento visionário de um dado tempo. “A ciência foi utópica e visionária desde o início; esta é a razão pela qual ‘nós’ precisamos dela” (HARAWAY, 1995, p. 25). Conforme Keller (1991), a ciência se construiu socialmente como fruto de uma ideologia e com um propósito definido.

A ciência pode ser compreendida como uma arma política, definida dentro dos cânones da modernidade, que visa à sujeição dos modelos que não seguem o padrão determinado, estando entre o poder e o saber. Por isso, o acesso à democracia é um avanço político na luta das mulheres. É nessa perspectiva que as intelectuais feministas abrem espaço dentro da ciência com diversos critérios sobre o sexismo, como nos fala Lagarde (2004).

“El acceso al conocimiento científico y a su producción y la incursión de las mujeres en el arte y en los medios de comunicación y difusión como creadoras y autoras

74 “El feminismo implica, pues, la imaginación. No basta el anhelo: se requiere imaginar que es posible una vida

convierte a las mujeres en sujetas de la creatividad intelectual, científica, técnica y académica, y trastoca la cultura con lenguajes, necesidades, interpretaciones y propuestas propias críticas y alternativas. Con él se generan cambios progresistas en las mentalidades a través la secularización del mundo y de la experiencia de las mujeres basada en el pensamiento laico” (LAGARDE, 2004, p. 21).

As ciências passaram a impor normas de definição dos corpos, do comportamento, dos saberes, dos gêneros, da sexualidade e trabalho (KELLER, 1991, p. 15). Seguidas e perseguidas pelos saberes nos moldes eurocêntricos. Haraway (1995) irá demonstrar essa relação. Para tanto, afirma que

Todas as narrativas culturais ocidentais a respeito da objetividade são alegorias das ideologias das relações sobre o que chamamos de corpo e mente, sobre distância e responsabilidade, embutidas na questão da ciência para o feminismo (HARAWAY, 1995, p. 21).

Essas diretrizes implantadas têm sido objeto de questionamento do modelo de poder com o qual se pretende desenvolver uma sociedade baseada no respeito aos saberes coletivos e as múltiplas identidades75 e desejos. A afirmação de uma nova concepção de ciência é condição para uma outra vivência política. Mies (1998) propõe uma mudança na forma de pensar. Sendo assim,

La pretensión de elaborar una nueva definición de la ciencia a partir del contexto del movimiento de las mujeres, es decir, de una ciencia feminista, conduce necesariamente a una nueva definición de la sociedad en su totalidad, a una nueva definición de la relación entre la especie humana y la naturaleza, entre mujeres y hombres, entre los seres humano y el trabajo, a una nueva definición de la relación con el propio cuerpo, a una nueva definición que excluya la explotación. La “visión alternativa” que de la realidad nos aporta la perspectiva de nuestra propia experiencia subjetiva no solamente nos muestra que nosotras las mujeres no aparecemos en la concepción dominante del mundo y de la ciencia, sino que toda esa concepción es errónea, que está equivocada porque mantiene en la oscuridad y aísla de los procesos sociales a los explotados y dominados: las mujeres, las colonias, la naturaleza (MIES, 1998, p. 71-72).

Mudar a força dessas concepções, muitas já consolidadas, é, sobretudo, um primeiro momento de reconhecimento do papel desenvolvido, seguido pela apropriação de novos olhares sobre as mulheres e sua contribuição na história e nas relações com elas, entre elas e com o mundo. E assim, derrubar/descontruir as normas, causando desse modo uma mudança de papel, ou a tomada de alteridade de si mesmo (BORDO, 2000, p. 12). A consciência de si. Um

75 Acerca do conceito de identidade, lembramos, de maneira breve, do famoso discurso de Sojouner Truth (c. 1797-

1883), nascida escrava nos Estados Unidos da América. Negando-se a condição imposta, consegue fugir em busca de sua liberdade. Em 1851, na Convenção de Mulheres, em Ohio, discursa e impacta a todos/as com a seguinte pergunta: “E não sou uma mulher?”. Truth torna-se um paradigma do feminismo (denominado também como feminismo negro) (TRUTH, 2014).

exemplo disso é a proposição das análises Queer desenvolvidas pela pensadora Butler, numa referência ao pós-estruturalismo, num debate ontológico entre sexo/gênero.

Quando o feminismo buscou estabelecer uma relação integral com as lutas contra a opressão racial e colonialista, tornou-se cada vez mais importante resistir a estratégia epistemológica colonizadora que subordinava diferentes configurações de dominação à rubrica de uma noção transcultural de patriarcado. Enunciar a lei do patriarcado como uma estrutura repressiva e reguladora também exige uma reconsideração a partir da perspectiva crítica. O recurso feminista a um passado imaginário tem de ser cauteloso, pois, ao desmascarar as afirmações autorreificadas do poder masculinista, deve evitar promover uma reificação politicamente problemática da experiência das mulheres (BUTLER, 2003a, p. 64).

De fato, o patriarcado tem sido estruturante no desenvolvimento de sua marca sexista. Porque se consolidou como o lugar onde as bases da ciência foram sedimentadas. Isto contribui para que o conhecimento produzido só encontrasse sentido sob a ótica do patriarcalismo. Nessa perspectiva Lagarde (1996) nos esclarece que

La cultura sexista es producto de historias patriarcales y contiene fuerzas activas en las que se expresa y concreta el consenso al orden aun de quienes lo padecen. Recrear la segregación entre los géneros, legitimar las desigualdades y a ética del dominio, así como reproducir y actualizar estereotipos tradicionales, contribuye a la aceptación por mujeres y hombres de que ese mundo es natural e inamovible

(LAGARDE, 1996, p. 141).

Quer seja por falta de compreensão do papel de militância ou mesmo pela ausência de identificação com o discurso feminista é que Schiebinger (2001) afirma que “Muitas mulheres que ingressam na ciência não têm desejo algum de balançar o barco. Mulheres que se consideram ‘velhos camaradas’ tornaram-se as queridas dos conservadores”. (SCHIEBINGER, 2001, p. 33). O que termina por contribuir com a solidificação do discurso androcêntrico nas mais variadas formas de se conceber a ciência.

Romper com o patriarcado não é tarefa fácil, porque ele se consolidou nas mais diversas esferas das dimensões sociais, mas não impediu que se empreendesse uma luta permanente contra esta concepção hegemônica. A superação para tais práticas nos vem mediante a construção e difusão de conhecimentos múltiplos que valorizam a diversidade e denunciam as desigualdades entre mulheres e homens, além de respeitar as diferenças.