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3 OS SISTEMAS FILOSÓFICOS E A FORMAÇÃO DE

3.3 Pós-Modernidade e Formação de Professores de Língua

3.3.1 Modernidade versus Pós-Modernidade

O entendimento que fazemos sobre Pós-Modernidade adotado neste trabalho é aquele defendido por Bauman (2001), segundo o qual, este período histórico, que também é um sistema ideológico-filosófico, se erige sobre o signo da liquidez. Embora citemos diretamente o filósofo polonês, a característica fugidia da Pós-Modernidade vem sendo debatida por outros atores, cujos textos também discutimos, tais como Jameson (2005), Harvey (2012) e Habermas (2015). Vemos que as ideias desses pensadores a respeito da Modernidade e da Pós-Modernidade, embora conduzidas de modo diferente, apontam em igual medida para sua natureza fugidia. A intenção é localizarmo-nos nos estudos sobre o tema, de modo a que fique claro o que seguimos neste trabalho. Da mesma forma, deixar claro que, em alguma dimensão, como já anunciado, esse debate em torno da liquidez moderna e pós-moderna vem sendo desenvolvido pelos autores citados. Além disso, o lançamento da discussão sobre essa característica fugidia da sociedade moderna do século XX, conforme propõe Berman (2007), em sua obra seminal (citada por todos os demais autores anteriormente evocados), foi feito

ainda por Karl Marx, ao desenhar as bases do socialismo e de uma nova ordem de trabalho. Segundo Berman (2007), foi Marx que, no Manifesto Comunista, propôs a célebre afirmação, adotada pelo próprio Berman como título de seu livro de que, no século XX e na nova ordem

que se desenhava, “tudo que é sólido se desmancha no ar”.

Assim, poderemos deixar claro que o proposto por esses autores, embora conduzindo cada um a seu modo e com a intenção de chegar a teses ou propósitos diferentes, em suas obras, tratam da natureza fugidia da Modernidade e da Pós-Modernidade. De tal modo que se citam uns aos outros, ao tecerem suas considerações sobre esse caráter maleável dos padrões que dão forma às ideologias desses dois sistemas filosóficos e períodos históricos.

Para começar, portanto, recorreremos à fala de Marx e Engels (2003) no Manifesto Comunista, citado por Berman (2007) e que define de modo seminal a natureza fugidia da Pós-Modernidade:

O constante revolucionar da produção, a ininterrupta perturbação de todas as relações sociais, a interminável incerteza e agitação distinguem a época burguesa de todas as épocas anteriores. Todas as relações fixas, imobilizadas, com sua aura de ideias e opiniões veneráveis, são descartadas; todas as novas relações, recém-formadas, se tornam obsoletas antes que se ossifiquem. Tudo que é sólido desmancha no ar, tudo que é sagrado é profanado, e os homens são finalmente forçados a enfrentar com sentidos mais sóbrios suas reais condições de vida e sua relação com outros homens (MARX e ENGELS, 2003, p. 29).

Como se observa, ao lançar a ideia da Modernidade instaurada pela classe burguesa alemã, sobre a qual falava Marx desde a Ideologia Alemã, os autores enfatizam o caráter fugidio das relações tanto comerciais como humanas que esse sistema de valores significou a partir dali. Conforme nos assevera Berman (2007), o primeiro dos autores a apropriar-se dessa fala para lançar luz sobre a essência maleável da Modernidade e da Pós-Modernidade, neste mundo, estabilidade significaria uma morte lenta, uma vez que nosso sentido de progresso e desenvolvimento é o único meio de que dispomos para saber, com certeza, que estamos vivos (BERMAN, 2007, p. 118). Ou seja, a mudança é, na Modernidade e na Pós-Modernidade, em última instância, fator primordial de sobrevivência do ser humano que passa a ter que contar com a capacidade de evoluir, de progredir, de se adaptar e de se desenvolver para manter-se vivo nesta sociedade extremamente maleável.

O resultado desse pensamento, por sua vez, nos indivíduos e, no que mais nos interessa aqui, na Educação e, ainda mais especificamente, no interior dessa Educação, na FPLE é que, como reflexo da sociedade que a financia e que gera expectativas sobre ela, a

Educação e a formação de professores tentará responder à demanda do meio social. De tal modo que, formar sujeitos segundo essa visão de mundo, consiste, entre outras coisas, em dotá-los da capacidade de evoluir sempre, de transformar-se, de desenvolver-se sempre e estar apto a mudar na mesma velocidade que essa sociedade se transforma.

Ainda citando Berman (2007), para que as pessoas, que resultarão desse conceito de sociedade moderna, possam sobreviver, necessitam:

[...] assumir a fluidez e a forma aberta dessa sociedade. Homens e mulheres modernos precisam aprender a aspirar à mudança: não apenas estar aptos a mudanças em sua vida pessoal e social, mas ir efetivamente em busca das mudanças, procura-las de maneira ativa, levando-as adiante. Precisam

aprender a não lamentar com muita nostalgia as “relações fixas, imobilizadas” de um passado real ou de fantasia, mas a se deliciar na

mobilidade, a se empenhar na renovação, a olhar sempre na direção de futuros desenvolvimentos em suas condições de vida e em suas relações com outros seres humanos19 (Ibid., p. 119).

As consequências dessas afirmações são decisivas quando pensamos no que elas significam quando deslocadas para o campo da Educação e, novamente, para a FPLE e, mais especificamente: para as ideologias e representações que emergem do discurso sobre essa formação. Os sujeitos a serem formados para aturarem nessa sociedade devem ter autonomia no sentido de buscarem eles mesmos adaptarem-se e “ir efetivamente em busca das mudanças, procura-las de maneira ativa, levando-as adiante” e mais, deverão aprender a aprender (autonomia), ou seja, devem ter a capacidade de seguir com o conhecimento e a aprendizagem, multiplicando-os, ao se “empenhar na renovação, a olhar sempre na direção de futuros desenvolvimentos em suas condições de vida e em suas relações com outros seres

humanos” (desenvolvimento). Conforme ficará explicado no capítulo da análise e discussão

dos dados, o discurso em torno à formação de professores no Brasil e mais especificamente em sua região nordeste, reflete essa visão, ao compreender que o professor de espanhol a ser formado nas IES estudadas deve ter um perfil de autonomia para o desenvolvimento contínuo e para a multiplicação do seu conhecimento no ambiente de trabalho onde atuará.

Por agora, no que neste ponto importa explicar, ou seja, em relação ao entendimento que se faz sobre a Modernidade e a Pós-Modernidade adotado nesta investigação, apoiamo- nos na citação feita, de modo a esclarecer que a liquidez pós-moderna é incialmente discutida ainda no final do século XIX e avança no século XX, até encontrar em Berman (2007) o

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reforço do mesmo entendimento, retomado por Bauman (2001) e os pelos autores que, nas décadas de 80, 90 e nos anos 2000, debruçaram-se sobre o tema.

Para avançarmos nessa linha de pensamento, cabe, portanto, citar outro autor que igualmente discute a Modernidade, no caso, Jameson (2005) que, por sua vez, recorda a teoria heideggeriana sobre o surgimento da tecnologia como signo do início da Modernidade, que introduziremos neste ponto do tópico, tendo em vista a simbologia da metáfora que nos permite traçar o elo entre esses autores, ou o que Harvey (2012) considera ser a unanimidade entre todos: o fato de que a Modernidade, assim como a Pós-Modernidade com relação

àquela, “representa alguma espécie de reação” (p. 19) ou afastamento do anterior, do

tradicional, ou seja, representa uma ruptura:

[...] a teoria de Heidegger oferece a útil perspectiva do surgimento da Modernidade tecnológica dentro de uma paisagem decididamente não- moderna. Ela inverte a opinião comum sobre o desenvolvimento desigual,

em que a “tradição” é marcada como aquilo que inevitavelmente cederá

passo para o novo, o novo que está destinado a vencê-la e substitui-la [...] que confere à violência do novo sua capacidade de despertar o medo ou a emoção [...] que o importante não é tanto o valor positivo ou negativo dessa reação, mas antes a epistemologia estética do próprio choque, o qual não poderia ser registrado contra um fundo no qual a maquinaria já se tivesse tornado familiar e domesticada (JAMESON, 2005, p. 171).

Portanto, o que se depreende da citação, é que o signo da Modernidade e, veremos, da Pós-Modernidade, será o novo, o rompimento (violento ou não) com o anterior. E, como se pode perceber, não é diferente daquilo que vimos discutido até este ponto e que Bauman (2007) ou até mesmo Marx e Engels (2003) já diziam, ou seja, da natureza fugidia do período. Ainda que o rompimento não se dará na Pós-Modernidade de modo tão abrupto e nem negará o passado em sua totalidade, o que igualmente lhe conferirá este aspecto fugidio e líquido de sua constituição, a oposição ao anterior e ao antigo, na reinvenção de padrões e estilos, em busca do melhoramento, repete-se como a marca fundamental desses dois sistemas, que se reflete (e isso nos importa especialmente) no(s) discurso(s) que o(s) sustenta(m).

Contudo, mesmo no interior dessa unanimidade, há uma discussão que deve ser destacada, pois será dentro dela que encontraremos o sentido precípuo aportado no discurso sobre a Educação (e em decorrência deste, sobre a formação de professores) e que é fundamental para as considerações feitas ao longo da análise dos dados desta investigação: até que ponto há, de fato, um rompimento total entre a Modernidade e a Pós-Modernidade e até onde uma está incluída na outra.

De fato, o verniz do ideário progressista, próprio do final do século XIX e começo do XX, impregnado do positivismo moderno aparece bem delineado nas estruturas linguísticas do discurso analisado, como vemos no capítulo das análises. Contudo, o ideário humanista e a estrutura do poder e de sua manutenção se revelam em outras dessas mesmas composições, frente a um discurso de emancipação (expressos nos temas autonomia, desenvolvimento e liberdade). De tal modo, que perceberemos que este ideário é formado não apenas por elementos progressistas, humanistas, modernos, pós-modernos e realístico-reflexivos, mas por todos eles (ou por sua cumulação, tal como um dos entendimentos de ruptura epistemológica proposto por Janeira (1972), já citada anteriormente, resultando em uma ideologia pós- moderna, nos moldes apresentados por Bauman (2001) vivemos num mundo diversificado e polifônico, no qual o consenso não é possível e a tentativa de promovê-lo só causará mais desacordo. Para o autor, este mundo foi submetido, por muito tempo a um processo de

completa e inexorável “incertização”. Assim, são cortadas as despesas com despesas

coletivas, tais como as remunerações sociais, os custos da polícia, da prisão, dos serviços de segurança que crescem constantemente (Ibid., p. 251-252).

Como percebemos, o autor desenha um mundo neoliberal, concebido nas bases da Pós-Modernidade que, sob uma proposta de desoneração do estado e de libertação do indivíduo e das instituições, acaba por gerar mais mecanismos de controle e legislação, que tolhe, em última instância, o que visa liberar.

A liberdade, como se percebe, é outro tema que emerge da discussão sobre a Modernidade e a Pós-Modernidade e, igualmente, das considerações do autor citado. Sobre isso, neste ponto, cabe destacar que, para Bauman (2001), a liberdade é a aptidão de fazer

aquilo de que se gosta, “que implica no direito do indivíduo de não ser tolhido pelos outros no

desenvolvimento20 da sua própria atividade; a liberdade se expressa na resistência à opressão

– na energia crítica21” (p. 253). No entanto, os detentores do poder contemporâneos não

reconhecem senão uma forma de: “ser responsável na linguagem do poder, é seguir o comando enquanto “ter poder” significa, essencialmente, tirar o direito de alguém mais a qualquer outra responsabilidade, que é a sua liberdade” (Ibid., p. 250). O tema liberdade é discutido com mais detença no item a ele dedicado, mas o incluímos neste ponto da discussão que aqui cabe ser feita sobre o ideário do progresso, no cerne do conceito de Modernidade e Pós-Modernidade, tal qual defende Sen (2010), por estar atrelado à ideia de desenvolvimento

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em ambos os períodos, ainda como já houvéramos anunciado, a divisão proposta é apenas de organização do texto, uma vez que os temas se inter-relacionam.

Seguindo a linha de pensamento que até aqui vamos explicando, Habermas (2015) faz considerações no mesmo sentido do aspecto fugidio da Pós-Modernidade e que valem a pena ser destacadas:

Também a expressão “pós-moderno” assinalou, de início, apenas novas

variantes no interior do vasto espectro da Modernidade tardia, quando foi aplicada, na América dos anos 1950 e 1960, às correntes literárias que pretenderam se distanciar das obras da Modernidade em sua primeira fase [...] o pós-modernismo só vai se transformar a partir do momento em que, nos anos 1970, dois campos contrários passam a apoderar-se da expressão: por um lado, os neoconservadores, que gostariam de livrar-se dos conteúdos

supostamente subversivos de uma “cultura hostil”, em favor de tradições

redivivas; por outro lado, aqueles críticos radicais do crescimento, para os quais a Nova Arquitetura se tornou o símbolo de uma destruição infligida pela modernização [...] Apenas o pressuposto é sempre o mesmo: que sentimos uma descontinuidade, a distância de uma forma de vida ou uma forma de consciência à qual antes estávamos familiarizados de maneira ingênua ou irrefletida22. (HABERMAS, 2015, p. 39-40).

Como se percebe, a unanimidade a que se refere Harvey (2012), ao dizer que o que de igual possuem os dois períodos é a tentativa de afastarem-se um do outro é também discutido por Habermas (2015), reforçando, no entanto, que essa mesma tentativa acaba por evidenciar que a Modernidade está fortemente presente na Pós-Modernidade. Não significa isso, contudo, reduzir a Pós-Modernidade ao que seria apenas uma Modernidade repensada, há que se esclarecer, ou mesmo uma Modernidade tardia (ou capitalismo tardio), mas no sentido de que a principal característica da Pós-Modernidade é exatamente o fato de conter valores maleáveis para o desenho de padrões que deixam de ser universais, como tentavam ser na Modernidade e que passam a desfrutar de uma condição de mudança mais rápida, na Pós- Modernidade. Ou seja, a liquidez defendida por Bauman (2001).

Outro autor que serve como base para as discussões de todos os demais que aqui vamos citando, traz em uma obra seminal, que já dissemos ser apontada por aqueles que discutem Modernidade e Pós-Modernidade, como um texto que discute de modo aprofundado a questão da mudança experimentada pelo homem no século XX, a partir da década de 1970, tendo em vista a crise do crescimento explicitada por Habermas (2015) na citação que acabamos de fazer, é o já evocado Berman (2007). Em um debate sobre os meios de

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produção, o estilo de obras de arte e da ideologia que se reforça no período, o autor faz uma citação célebre da proposta de Marx logo no início do livro, para daí iniciar a defesa do que entende ser a Modernidade:

Existe um tipo de experiência vital – experiência de tempo e espaço, de si mesmo e dos outros, das possibilidades e perigos da vida – que é compartilhada por homens e mulheres em todo o mundo, hoje. Designarei

esse conjunto de experiências como “Modernidade”. Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor23 – mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. A experiência ambiental da Modernidade anula todas as fronteiras geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e ideologia: nesse sentido, pode-se dizer que a Modernidade une a espécie humana. Porém, é uma unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: ela nos despeja a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de ambiguidade e angústia.

Ser moderno é fazer parte de um universo no qual, como disse Marx, “tudo que é sólido desmancha no ar” (BERMAN, 2007, p. 24).

O texto, como se percebe, resume a discussão em torno não apenas da Modernidade, como também do tom da Pós-Modernidade. O aspecto vertiginoso da mudança que ao mesmo tempo favorece a chegada do novo, da transformação (atente aos destaques), é o mesmo que tira a solidez do chão seguro do que se conhece, pois lança o indivíduo no desconhecido. E o impele à necessidade de transformação constante. Quando nos referimos ao que aqui interessa, ou seja, o discurso sobre a FPLE e a ideologia que dele se evidencia, o texto ganha novo significado. A formação de docentes (e de indivíduos de modo geral pela Educação, arriscamos), no interior desse entendimento, precisa dar conta de dotá-los, entre outras coisas, da capacidade de aprender e seguir aprendendo, da autonomia que necessitarão para se integrarem a essa sociedade que lhes exigirá uma constante capacidade de adaptação e formação, para fazer frente às mudanças sociais. Esse aspecto da renovação será o tom do discurso que defende a ideologia moderna. No nosso caso, o vetor de transformação do indivíduo e do seu entorno, a sociedade, é a Educação, mais especificamente a FPLE sobre cujo discurso esta pesquisa se debruça. Como veremos, ao examinar os dados, a formação de professores é vista como parte desse processo de libertação do sujeito que passa a usufruir da capacidade de agir e, assim, transformar não apenas a si mesmo, mas, sobretudo, a sociedade em que vive, de modo a possibilitar o melhoramento pessoal e social através de seu trabalho

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como docente. Na fala de Berman (2007), o autor é literal, ao dizer do aspecto paradoxal da Modernidade, uma vez que aparta o sujeito do seu ponto de conforto ao jogá-lo ao novo e ao mesmo tempo une os humanos, no sentido da fragmentação das fronteiras de todos os tipos que possam caracterizar a diferença, uma vez que ser moderno é também aceita-las. Já na Pós- Modernidade esse processo se acelera, com a liquidez proposta por Bauman (2001), ou seja, a mudança é ainda mais vertiginosa e acentuada e, com isso, cobra muito mais do sujeito que precisa estar adaptado a essa realidade.

Seguindo essa linha de pensamento, o que Bauman (2001) faz ao discutir a liquidez da Pós-Modernidade é adicionar a essas considerações o aspecto fugidio da transformação nos dias atuais, quando os padrões modernos de universalidade, que supunham abarcar e explicar o mundo de modo geral, desfazem-se em padrões múltiplos em uma sociedade que se adapta ao novo na mesma velocidade que ela surge (o mesmo que propunha Marx e Engels (2003) e Habermas (2015)). Nesse sentido, não há mais a barreira do antigo e do novo, embora seja esse o signo da Modernidade em si mesma. Podemos testemunhar estilos de outra época e valores de outro período revalorizarem-se como sendo os ideais, passando a ser aceitos. O que nos traz de volta às considerações de Janeira (1972) de que o todo está no fragmento e o fragmento está no todo, ou seja, que entre o corte e a ruptura há a diferença que a Pós- Modernidade não necessariamente significa o afastamento total da Modernidade, mas que esta pode estar (e está) incluída naquela, sem que isso signifique contradição. Pelo contrário, na defesa que faz Bauman (2001) do aspecto fugidio da Pós-Modernidade, sua principal característica é o fato de poder conter em si mesma vários sistemas e de sua maleabilidade ao adaptar o novo ao que antes existia, isso sem negá-lo totalmente. Desse modo, a oposição que havia entre a Modernidade e o antigo, que marca o nascimento do moderno, não existe aqui entre a Modernidade e a Pós-Modernidade, essa é a diferença fundamental, como esclarece Berman (2007):

Para De Man, que escrevia em 1969, “toda a força da ideia de Modernidade”

repousa no “desejo de remover tudo o que tenha vindo anteriormente”, de modo a atingir “um novo ponto de partida radicalmente novo, um ponto que possa ser um verdadeiro presente”. De Man recorria como pedra de toque da Modernidade à ideia nietzschiana (desenvolvida em O uso e o abuso da história, 1873) de que é necessário esquecer intencionalmente o passado com o intuito de realizar ou criar alguma coisa no presente. “O esquecimento implacável de Nietzsche, a cegueira com a qual ele se lança à ação, aliviado de toda a experiência prévia, captura o autêntico espírito da

Modernidade24”. Nessa perspectiva, “Modernidade e história são diametralmente opostas uma à outra” (BERMAN, 2007, p. 389).

Essa oposição ao antigo e a colocação do moderno como inauguração do novo é também, como dito anteriormente, tópico nas discussões de Habermas (2015) ao explicar as duas tradições estabelecidas conforme já citado, na Pós-Modernidade. Ou seja, entre os movimentos que, de um lado, encorajam a continuidade crítica de uma tradição que não se pode substituir e, de outro, que proclamam uma era pós-moderna (HABERMAS, 2015, p. 43). A dissolução dessa fronteira será experimentada, portanto, em uma estrutura pós-moderna que permite a convivência de sistemas que se supunham opostos. No século XXI, insiste Habermas (2015), já não há a necessidade de se opor ao velho, o moderno já está instalado, vivemos, portanto, em um novo tempo, pós-moderno, no qual as tradições positivas do passado não precisam ser negadas de modo veemente para a antes necessária autoafirmação de ser moderno. Sendo já todos supostamente modernos o novo não se inaugura necessariamente com o desconhecido como na proposta nietzschiana. O moderno pode ser uma releitura do passado adequado às necessidades do presente, no aspecto líquido e fugidio defendido por Bauman (2001) e que permite a adaptação dos padrões ao que o homem de hoje precisa para avançar.