• Nenhum resultado encontrado

Modernização da agricultura no Brasil: territorialização do capital e agentes territoriais

1.3 Organização e transformações no campo brasileiro - uma leitura territorial

1.3.1 Modernização da agricultura no Brasil: territorialização do capital e agentes territoriais

Sobre o processo de territorialização da modernização da agricultura brasileira, Silva (1998) remete ao papel do Estado na atual configuração daquilo que define como consolidação dos complexos agroindustriais, ou seja, o Estado como um dos principais atores territoriais responsáveis pelas ligações econômicas das atividades e setores agrícolas com setores e mercados para além das atividades agrícolas.

Uma característica desse processo para a pesquisa é a integração ou não das pequenas unidades ao processo de modernização, classificada por alguns autores como conservadora justamente por ter como base as históricas formas de organização baseada em unidades com grandes extensões verticais de terras, e a marginalização e ou parcialidade de integração das pequenas unidades de produção.

A modernização destinada a atender as especificidades das grandes unidades de produção acentua as disparidades regionais e também dos diferentes níveis de desenvolvimento econômico e social, fazendo com que as pequenas unidades sofram consequências como inviabilidade de produção e sustentação e, consequentemente provoque a saída da população do campo em direção às cidades, como ocorre no Brasil principalmente a partir da década de 1970, perceptível no Gráfico 1.

Esse processo de mobilidade populacional fez com que, além de uma inversão entre população urbana e rural, ocorresse uma brutal concentração nas metrópoles nacionais, aumentando os problemas urbanos.

Gráfico 1: Brasil – População: Situação de domicílio-1940/2010 - Milhões de habitantes.

Fonte: IBGE, Censos Demográficos e PNADS. Org: Rogério Musatto, 2015

Percebe-se, de acordo com o Gráfico 1, que a partir da década de 1960 ocorre uma diminuição constante da população rural brasileira, momento em que, de acordo

0 20,000,000 40,000,000 60,000,000 80,000,000 100,000,000 120,000,000 140,000,000 160,000,000 180,000,000 1940 1950 1960 1970 1980 1991 1996 2000 2007 2010 rural urbana

com os autores estudados, tem-se a intensificação da utilização do pacote tecnológico da Revolução Verde no campo brasileiro e um aumento das consequências territoriais.

A agricultura familiar, por ser sensível socialmente às mudanças técnicas na agricultura, vai apresentar, de acordo com Silva (1998), nas regiões Sudeste e Sul do Brasil, mesmo que não de forma homogênea, o desenvolvimento de algumas culturas específicas do processo de modernização. Já em outras regiões, os pequenos agricultores não apresentam esse mesmo dinamismo e acabam mostrando um quadro de pobreza e êxodo rural maior, como ocorreu no Nordeste brasileiro, aliado a períodos de seca.

Diante de uma necessidade cada vez maior de incremento tecnológico, a modernização tem como consequência, conforme Silva (2002), uma definição sobre o futuro das pequenas unidades, como integradas ou não a essa dinâmica.

Porém, não somente consequências sociais são perceptíveis. Candiotto (2007), apontando para as mudanças a partir da tecnicização das atividades agrícolas, vai citar algumas consequências da Revolução Verde, como degradação ambiental nos processos de desmatamento e outros problemas denominados socioambientais na intensificação da utilização de agrotóxicos e produtos químicos a partir do pacote tecnológico.

O termo Revolução Verde é atribuído ao processo de tecnicização da agricultura ocorrido após a Segunda Guerra Mundial, em virtude dos avanços científicos no que tange à mecanização e à quimificação de etapas da produção agropecuária. Ao mesmo tempo em que a Revolução Verde permitiu aumentar a produtividade e reduzir a força de trabalho e as adversidades nos cultivos (ao combater pragas), esta foi fundamental para ampliar a dependência dos agricultores em relação ao uso de máquinas e defensivos, bem como para reduzir a autonomia dos agricultores familiares, haja vista a concentração de terras e de riqueza nas mãos das empresas detentoras das tecnologias direcionadas à agricultura e pecuária (CANDIOTTO, 2007, p.76).

Alterações ambientais relacionadas ao desmatamento, de acordo com Santos (2008), ocorrem a partir do interesse do capital, sendo que alguns locais sofrem interferências diferenciadas de outros.

No Sudoeste paranaense, a pesquisadora apresenta uma diminuição no desmatamento de áreas onde a agricultura modernizada não explora, como locais íngremes e montanhosos, sendo que em etapas anteriores ao processo de mecanização esses mesmos locais eram utilizados para a produção agrícola. Esse locais eram utilizados para a produção agrícola justamente por não exigir o uso de máquinas, o que provocava a constante derrubada das matas e as queimadas para limpeza do terreno.

Quanto à mecanização propriamente dita, não ocorre uma adaptação de técnicas de produção destinadas a atender as especificidades e condições das unidades menores. Ou seja, é uma modernização que contempla uma forma específica de organização, pautada em grandes extensões de terras. A partir dessa característica se acentuam as consequências sociais para essas unidades menores e ou parcialmente integradas.

São consequências visíveis no território do Sudoeste paranaense, justamente pela presença de unidades pequenas em áreas e locais com relevo acidentado, apresentando declividades muitas vezes incompatíveis com as técnicas impostas pelo denominado pacote tecnológico.

Nessa especificidade técnica e organizacional predominam os interesses territoriais de apenas alguns agentes no campo, contando historicamente com a colaboração do Estado. “A relação entre a representação dos interesses empresariais e o Estado é essencial para explicar o processo histórico de constituição dos complexos agroindustriais no Brasil” (SILVA, 1998, p. vii).

Sobre esse processo e a atuação do Estado e do mercado, Saquet e Sinhorini (2008) apresentam a seguinte análise:

O processo que no Brasil denominamos “modernização da agricultura” ocorre com o movimento de expansão do grande capital, em nível internacional, a partir do que mundialmente ficou conhecida como “revolução verde”. Ocultos atrás de objetivos de aumento da produtividade agrícola no mundo, estavam cristalizados os interesses de expansão de grandes corporações transnacionais que, de início, agem como patrocinadoras da modernização e, em seguida, passam a receber o apoio e a legitimação do Estado (SAQUET; SINHORINI 2008, p.190).

Portanto, são agentes territoriais internos e externos ao território nacional, como empresas e organizações transnacionais e o próprio Estado, organizados e atuando historicamente de acordo com algumas tramas de poder, que vão desencadear nas alterações econômicas/produtivas e sociais/organizacionais que se apresentam no campo brasileiro.

Nessa mesma leitura de interesses nacionais e internacionais manifestados no território é que Gonçalves (2005) faz sua análise geopolítica da modernização da agricultura brasileira.

A inserção da agricultura na dinâmica do desenvolvimento capitalista decorre de determinantes globais que conferem as características mais amplas à expansão do processo de acumulação, mas está mediatizado

por especificidades definidas pela forma como os capitalismos nacionais são acoplados ao movimento mais amplo e globalizado (GONÇALVES, 2005, p.21).

Esse processo global de desenvolvimento e consolidação do capitalismo manifestado no campo brasileiro foi visto a partir das análises de Silva (1998, p.2) como “um aprofundamento da divisão social do trabalho. Foi a partir da proletarização do camponês e da destruição de sua economia natural que se criaram as bases para o desenvolvimento do modo capitalista de produção”.

O longo processo de transformação da base técnica – chamado de modernização – culmina, pois, na própria industrialização da agricultura. Esse processo representa na verdade a subordinação da Natureza ao capital que, gradativamente, liberta o processo de produção agropecuária das condições naturais dadas, passando a fabricá-las sempre que se fizerem necessárias (SILVA, 1998, p.3).

Alterações nas formas de produção entendidas como técnicas/econômicas que não se restringiram somente a essa esfera, mas a partir de uma análise territorial podem ser compreendidas também como alterações sociais e nela a própria relação homem-natureza sofre modificações.

Nesse processo em que cada vez mais a produção passou a ser cada vez menos “fruto da terra e do trabalho do homem”, na acepção bíblica cristã, não apenas o trabalho foi potencializado e perdeu espaço para a mecanização e automação, mas também a terra perdeu espaço para a fertilização, correção e genética que impulsionaram a produtividade da terra (GONÇALVES, 2005, p.10).

Deve-se ter em mente que essas transformações técnicas de integração das atividades agropecuárias com a indústria, em que ocorre um incremento tecnológico tanto em máquinas quanto de insumos, faz com que a produção agropecuária brasileira aumente significativamente, representando um importante setor da economia nacional.

Porém, esse processo apresenta algumas consequências sociais excludentes e naturais de profundas alterações, já que essa modernização contempla poucas culturas aceitas pela indústria e como produto de exportação para mercados internacionais.

Consequências sociais e econômicas, de acordo com Silva (1998), manifestadas principalmente na concentração de terras e centralização de capitais, que irão desencadear outras de maneira direta e indireta, como na marginalização de pequenos agricultores e o desenvolvimento de outras atividades no campo.