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1. INTRODUÇÃO

1.6 Modificação das propriedades de superfície

Por meio da administração intravenosa, os sistemas carreadores coloidais são capazes de deixar a corrente sanguínea em órgãos que possuem capilares endoteliais porosos, como fígado, baço, medula óssea e em órgãos/tecidos afetados por processos patológicos (inflamação e tumores), que são acompanhados por maior permeabilidade dos vasos. A capacidade de circulação no sangue durante longos períodos de tempo é um requisito importante para os sistemas coloidais já que o Sistema Retículo Endotelial (RES, do inglês Reticulo Endothelial System), representado principalmente pelas células de Kupffer do fígado e macrófagos do baço, é o responsável por remover estes sistemas presentes no plasma [28,66].

As causas principais do efeito de opsonização, ou eliminação das nanopartículas pelo RES, são as características relativas à carga da superfície, hidrofobicidade e o tamanho das partículas. Para prolongar o tempo de circulação evitando o reconhecimento pelo RES, pode ser realizada modificação da superfície das partículas por meio de adsorção física ou conjugação de polímeros hidrofílicos como polietilenoglicol, poloxâmeros, polissacarídeos, poloxaminas, polisorbatos, TPGS, entre outros [4]. As cadeias destes polímeros formam uma camada hidrofílica de proteção na superfície das partículas: a presença desta cobertura hidrofílica promove estabilização estérea que repele as proteínas plasmáticas, impedindo o fenômeno de opsonização [4,67].

Além da modificação com polímeros hidrofílicos para aumentar o tempo de circulação das nanopartículas, mecanismos de direcionamento ativo destes carreadores também vem sendo avaliados com o objetivo de torná-los mais seletivos, promovendo entrega específica às células tumorais e acúmulo do fármaco no local de ação [68]. O acoplamento de ligantes com baixa e alta massa molar, como anticorpos, ácido fólico, proteínas, aptâmeros, carboidratos pode aumentar a exposição dos fármacos às células tumorais por causa da super-expressão de proteínas específicas relacionadas ao aumento do suporte nutricional e da proliferação celular [69,70].

1.6.1 Ácido fólico

O ácido fólico é um membro da família das vitaminas do complexo B (vitamina B9), que apresenta fórmula molecular C19H19N7O6 (441 g mol-1). Sua

estrutura molecular pode ser dividida em 3 componentes: o anel pterina está ligado por um grupo metileno no carbono 6 ao ácido para-aminobenzoico (PABA), que por sua vez se encontra ligado por uma ligação amida ao ácido glutâmico [71], conforme observado na Figura 10.

O ácido fólico é um componente essencial para a síntese de pirimidinas e purinas, moléculas que compõem o DNA. Quando comparado a outros ligantes direcionadores, o folato apresenta baixo custo, natureza não-imunogênica, pode ser facilmente conjugado a carreadores, é estável durante armazenagem e em condições fisiológicas e possui elevada especificidade aos receptores de folato presentes na membrana celular [23,62].

Figura 10. Fórmula estrutural do ácido fólico mostrando seus componentes: anel pterina, PABA e ácido glutâmico. Adaptado de McCarron [71]

O transporte de folato para o interior das células é mediado por 2 tipos de receptores: o transportador de folato reduzido (RFC) e o receptor de folato (FR). O RFC é seletivo em facilitar o transporte de apenas formas reduzidas do ácido fólico. Já os FR são glicoproteínas de membrana que promovem a entrada de folato para o interior das células por meio do processo de endocitose, o que favorece a captação celular dos carreadores conjugados com folato [72]. Após endocitose, à medida que o pH endossomal se aproxima de 5 o folato se dissocia do seu receptor e o carreador é liberado para o citoplasma. Por fim, os receptores livres são novamente reciclados para a superfície celular, conforme ilustrado na Figura 11 [62,71].

Dentre os FR existentes, o receptor de folato alfa (FR-α) é altamente expresso na superfície de diversas células de câncer epitelial, tais como mama, ovário, próstata, cólon e pulmão. Este fato está relacionado à maior demanda de folato pelas células malignas, que estão em constante processo de divisão celular. De acordo com alguns estudos estes receptores podem ser encontrados cerca de 100 a 300 vezes mais expressos em células tumorais com relação a células saudáveis [73,74].

Pesquisas recentes que utilizam a funcionalização de nanocarreadores com folato têm demonstrado que seu acoplamento proporciona aumento da captação celular e redução da citotoxicidade das formulações em células sadias. He e colaboradores desenvolveram nanopartículas de PLGA-PEG funcionalizadas com folato para liberação conjunta de cisplatina e paclitaxel visando o tratamento de

câncer de pulmão. A formulação funcionalizada com folato apresentou maior atividade antitumoral in vitro em relação aos fármacos livres e ao carreador não- funcionalizado, com valores de taxa de crescimento em torno de 60% (fármacos livres), 30% (partículas sem folato) e 10% (partículas funcionalizadas) para a linhagem celular M109 [75]. Chen e colaboradores demonstraram o potencial de nanopartículas de PLGA-PEG funcionalizadas com folato para tratamento de câncer: os resultados indicaram maior captação celular do fármaco (doxorrubicina) por células HeLa quando este se encontrava carregado nas partículas funcionalizadas [76].

Figura 11. Esquema do processo de endocitose de carreadores funcionalizados com folato. (A) Internalização, (B) formação do endossomo, (C) acidificação, (D) liberação

do carreador, (E) fusão com a membrana. Adaptado de Luiz [62]

Neste trabalho, a funcionalização das nanopartículas de PLGA com folato foi realizada a partir da obtenção de folato de quitosana (QTS-FOL), que foi sintetizado utilizando-se uma reação de acoplamento entre o ácido fólico e a quitosana, um polímero de origem natural.

1.6.2 Quitosana

A quitosana é um copolímero constituído por unidades N-acetil-D- glicosamina e D-glicosamina em proporções variáveis. Ela é obtida a partir da desacetilação alcalina da quitina, apresentando predominantemente unidades D- glicosamina. A quitina é o segundo polissacarídeo mais abundante na natureza depois da celulose, sendo o principal componente do exoesqueleto de crustáceos e insetos [77]. A Figura 12 contém a estrutura da quitosana.

Figura 12. Fórmula estrutural da quitosana

Este biopolímero é caracterizado como uma base fraca, sendo insolúvel em água e solventes orgânicos, porém solúvel em soluções ácidas diluídas com pH inferior a 6,5 já que ocorre protonação dos grupos R–NH2 das unidades glicosamina

para formar a espécie carregada (R-NH3+). No entanto, em soluções neutras,

alcalinas ou que contenham poliânions a quitosana precipita [27].

Devido a suas características de mucoadesividade, biocompatibilidade, biodegradabilidade e baixa toxicidade, a quitosana tem sido estudada para diversos usos principalmente em aplicações farmacêuticas e biomédicas. Ela também vem sendo utilizada como sistema polimérico para liberação modificada de fármacos de diferentes classes terapêuticas, como antibióticos, anti-inflamatórios, proteínas e antitumorais [31,78].

Além disso, muitos trabalhos na literatura se baseiam na adsorção da quitosana à superfície de nanopartículas. As principais vantagens desta abordagem podem incluir: (i) diminuição do efeito “burst” na liberação do fármaco por causa da formação de uma camada protetora, (ii) aumento da estabilidade de proteínas e

macromoléculas, (iii) fácil funcionalização da superfície de partículas carregadas negativamente (como o PLGA) por meio de interações eletrostáticas, (iv) possibilidade de conjugação de ligantes direcionadores devido à presença dos grupos R–NH2 [79]. O ácido fólico pode ser covalentemente ligado à quitosana

através da reação entre os grupos carboxilato do ácido fólico e os grupos R–NH2

presentes na quitosana, ocorrendo formação de uma ligação amida [78,80].

Babu e colaboradores descreveram a preparação de nanopartículas de PLGA contendo paclitaxel, que foram modificadas com um conjugado formado por quitosana e um peptídeo direcionador (RGD) para tratamento de câncer de pulmão. Os resultados mostraram que as partículas funcionalizadas com o peptídeo apresentaram maior captação celular em comparação com as partículas não- modificadas, nas 4 linhagens celulares testadas. Os autores também verificaram a possibilidade da encapsulação de cisplatina, em substituição ao paclitaxel. Uma menor viabilidade celular foi obtida para as partículas funcionalizadas (30%) em relação às não-modificadas (50%), após 48 h, para a linhagem H1975. Contudo, na linhagem de células normais (MRC-9) não foi observada diferença significativa na viabilidade celular (cerca de 90%) entre os 2 tipos de partículas [81].

Dhas e colaboradores relataram a preparação de nanopartículas de PLGA funcionalizadas com folato de quitosana para liberação de bicalutamida em câncer de próstata. Os resultados mostraram liberação mais lenta do fármaco a partir das partículas recobertas com folato de quitosana, com 20% do fármaco sendo liberado em 70 h (em comparação com 50 h para as partículas sem recobrimento). Além disso, um maior efeito citotóxico foi observado para as partículas contendo folato, já que o valor de viabilidade celular encontrado (44%) foi menor em relação ao das partículas sem folato (56%) para uma concentração de 80 μg mL-1

[82].

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