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De que modo pais podem ser preparados para promover melhores condições para o

I. INTRODUÇÃO

1.5 De que modo pais podem ser preparados para promover melhores condições para o

Os pais podem e devem servir não apenas como vigilantes das condições a que seus filhos são expostos pelas instituições de ensino, que dividem com eles o compromisso por formar cidadãos, mas também assumir um papel ativo nesse processo, buscando, sempre que possível, prover condições favorecedoras para comportamentos de estudo de seus filhos. Mas de que modo se daria essa participação dos pais?

A literatura aponta alguns estudos de intervenção com pais para lidarem com o comportamento de estudo dos filhos e, conseqüentemente, melhorar o desempenho acadêmico de crianças, sobretudo nos anos iniciais da educação formal. Segundo Cooper, Lindsay e Ney (2000), treinamentos feitos com pais de crianças com dificuldades escolares seriam mais benéficos nos primeiros anos de escola, pois é nesse momento que geralmente os pais se envolvem mais e de maneira direta com a vida acadêmica de seus filhos.

Nos Estados Unidos diversos estudos sobre a tarefa de casa e o treinamento de pais para a realização do dever escolar foram realizados na década de 1980 e início dos anos

noventas, devido ao declínio dos resultados obtidos nos testes de estudantes na época (MILLER & KELLY, 1994). Jenson, Sheridan, Olympia e Andrews (1994) relatam a experiência de um treinamento de pais para acompanhamento da tarefa de casa de crianças com distúrbios de aprendizagem e comportamento. Tal programa, conduzido em grupo de pais com duração de cinco semanas, discutia temas como local de estudo (matérias disponíveis, redução de barulhos, etc), comunicação com professores, agenda para realização de tarefas, liberação de reforços contingentes ao estudar, entre outros. Instrumentos de auto- avaliação e monitoramento eram ainda utilizados para o acompanhamento de pais e professores e como motivador de tarefas para as crianças. Não houve avaliação sistemática dos resultados e efeitos deste treinamento, porém os pais relataram uma melhora da tarefa de casa dos filhos, sendo essa melhora variável de acordo com o grau de dificuldade da criança.

Miller e Kelly (1994) testaram o efeito de um treinamento de estabelecimento de metas (goal setting treatment) e contrato de contingências, por meio de um check list (Homework Problem Checklist - HPC), ocorrência de realização da tarefa, observação direta do comportamento e questionário de satisfação do cliente. Quatro famílias participaram do estudo. As orientações para os pais eram oferecidas individualmente e durante os primeiros dias de intervenção os pesquisadores acompanhavam os participantes em casa. O procedimento de estabelecer metas consistia em estabelecer pequenas metas sobre o que os pais indicaram como problemas de seus filhos para realização do dever de casa (como por exemplo, não trazer da escola o material necessário para fazer a tarefa) e dividir a lição de casa em pequenos objetivos, com tempo determinado para o cumprimento de cada objetivo, que era escrito em uma tabela e avaliado ao final pela criança e pelos pais. Um contrato de conseqüências (como por exemplo: dormir mais tarde, assistir TV, jogar vídeo game etc) caso as metas fossem cumpridas era definido, escrito e assinado pela criança e pelos pais. Os resultados demonstraram uma significante melhora na ocorrência de realização da tarefa em casa e em dois (de quatro) assuntos que os pais consideravam como problemático nos comportamentos dos filhos.

Kahle e Kelly (1994) compararam os efeitos do procedimento de estabelecimento de metas (goal setting treatment) e o treinamento de pais, avaliados por meio de um check list (Homework Problem Checklist - HPC), um inventário de avaliação do tratamento, questionários de satisfação do cliente e medidas diárias de mensuração da tarefa (cartão para avaliação do comportamento da criança durante a lição, ocorrência da lição e respostas certas por minuto). O procedimento foi dividido em três fases, de duas semanas cada uma: pré-tratamento, tratamento e pós-tratamento. No pré e pós-tratamento os pais foram

entrevistados e ensinados a realizar as medidas diárias de mensuração da tarefa. Na fase do tratamento cada pai encontrava com o pesquisador individualmente para receber orientações. O grupo de pais pertencentes ao procedimento de estabelecimento de metas foi orientado quanto ao local de estudo, horários de estudo e ordem de matérias a serem estudadas (mais difíceis primeiro) e quanto ao procedimento de estabelecer metas (conforme estudo de MILLER & KELLY, 1994). Conseqüências também eram programadas caso as metas fossem cumpridas. O grupo de treinamento de pais também recebeu orientações quanto ao local, horários e rotinas de estudo. Diferentemente do grupo de metas tais pais receberam orientações sobre formas de lidar com a lição de casa positivamente, como por exemplo: realizar elogios específicos, elogiar comportamentos adequados imediatamente etc. Melhoras nos resultados dos instrumentos de avaliação foram alcançadas em ambos os tipos de treino, apresentando, contudo, melhores resultados para o grupo de estabelecimento de metas, principalmente quanto ao número de respostas certas por minuto. Apesar de não discutido no artigo, o estabelecimento claro de conseqüências no grupo de metas a partir da efetividade na tarefa pode ter sido a real causa da diferença nos resultados, uma vez que os alunos eram reforçados a realizar as tarefas em menos tempo, o que não ocorria com o grupo de treinamento de pais.

Já no Brasil, o treinamento de pais para realização do dever escolar foi estudado principalmente a partir do ano 2000. Sampaio, Souza e Costa (2004) realizaram um treino cujo objetivo foi ensinar mães a liberarem conseqüências positivas para comportamentos de seus filhos que eram compatíveis com a realização de tarefas de casa. Duas mães de 32 e 35 anos, provenientes de classe média baixa, cujos filhos tinham oito anos e cursavam a segunda série do ensino fundamental em uma escola municipal de Londrina participaram do estudo. Inicialmente foi estabelecida uma linha de base, durante a qual filmaram, separamente, em uma sala da escola, as mães interagindo com os filhos em situação de realização de tarefa de casa. As categorias em relação ao comportamento das mães que os autores registraram foram denominadas positivas (“dar reforço”, “conferir tarefa” e “dar instruções”) ou negativas (“punição”, “apontar erros na resposta dada pela criança”, “responder ou fazer pela criança” e “chamar atenção da criança”). Em uma fase seguinte as mães foram submetidas a um treino por meio de palestras (em cinco sessões) que abordavam a importância do elogio, os efeitos adversos da punição, a eliminação de estímulos concorrentes com a tarefa de casa, a extinção de respostas incompatíveis com a realização de tarefas de casa e o uso de instruções para o entendimento da criança. Após cada sessão de treino, as interações entre as mães e os filhos eram novamente filmadas. Os resultados mais

significativos encontrados foram que a freqüência de “dar reforço” aumentou, a freqüência de “fazer ou responder pela criança” diminuiu e “dar instruções” não teve aumento de freqüência, mas a qualidade das instruções melhorou.

Scarpelli, Costa e Souza (2006), a partir do procedimento realizado por Sampaio et al. (2004), buscaram intervir diretamente sobre o comportamento de duas mães, durante as sessões em que as crianças, acompanhadas por elas, realizavam exercícios propostos pelos experimentadores. As mães tinham 37 anos, sendo uma delas com ensino fundamental incompleto e outra com ensino médio incompleto. As crianças tinham oito e nove anos e estavam na segunda série do ensino fundamental de uma escola municipal da periferia de Londrina, na qual foi realizada a pesquisa. Durante a intervenção foi utilizado um procedimento de economia de fichas, no qual fichas de cores diferentes eram liberadas ou retiradas como conseqüência para os comportamentos de cada uma das mães, que poderiam ser trocadas por prêmios ao final de cada etapa de treino. Posteriormente ao treino, para verificação da manutenção dos comportamentos das mães, foi realizado retorno às condições de linha de base. Os dados indicaram que nas duas duplas de participantes houve um aumento na freqüência de comportamentos “adequados” e uma diminuição dos “inadequados”, da mesma forma como foi apontado no estudo anterior de Sampaio et al. (2004). Dentre as modificações sugeridas pelos autores estão: aumentar o número de sessões de linha de base, treino e pós-teste, utilizar um programa de reforço intermitente durante o treino, utilizar procedimentos de esvanecimento (fading out) e seguimento (follow-up), fazer uso de modelação durante o treino com mães e realizar observações no ambiente doméstico.

A fim de verificar a efetividade do uso de modelação no treinamento de mães para auxílio da tarefa de casa, Sudo, Souza e Costa (2006) utilizaram um procedimento de treino em grupo envolvendo instrução e modelação. Participaram da pesquisa quatro duplas de mães4 e filhos. As crianças tinham de seis a oito anos e cursavam a segunda série do ensino fundamental de uma escola pública da periferia de Londrina Parte do estudo (fase 1) foi realizado na escola e parte (fase 2) na clínica da Universidade de Londrina. Na primeira fase do estudo (linha de base) as crianças, auxiliadas pelas mães, realizaram tarefas com contas e problemas de Matemática. Cada dupla realizou a tarefa individualmente. Em seguida os comportamentos das mães, na interação com o filho, foram analisados de acordo com as categorias elaboradas por Scarpeli (2006). Na Fase 2 (intervenção), foram ensinados conceitos importantes para que as mães pudessem ser mais efetivas em auxiliar seus filhos na tarefa

escolar. Após as orientações, o filho de uma das mães era chamado e a pesquisadora auxiliava a criança na execução da tarefa, enquanto todas as mães assistiam à interação. Ao final do treinamento, as mães foram instruídas a ensinar seus filhos com o auxílio de uma tarefa dada pela pesquisadora, como realizado na Linha de Base. Os resultados sugerem que o procedimento foi efetivo apenas para reduzir a taxa de respostas da categoria “fazer pela criança” da mãe da Dupla 4 e, talvez, tenha contribuído para aumentar a taxa de respostas da categoria “elogiar” da mãe da Dupla 1, apontando que apesar das médias obtidas após o tratamento, o uso de instrução e modelação parece ter sido pouco significativo para melhorar a interação das mães com seus filhos durante a realização da tarefa escolar, ao menos em relação aos comportamentos relacionados às categorias analisadas.

Martins (2001) analisou a efetividade de um treinamento com 17 pais5 de crianças com queixa de dificuldade escolarencaminhadas para um serviço de clínica-escola; os pais participantes do estudo receberam este treinamento nesta clínica entre os anos de 1997 a 1999. O treinamento ministrado por uma psicopedagoga contratada da clínica-escola era dividido em

cinco aulas semanais, com duração de uma hora e meia cada, sendo discutidos os temas ‘A

organização e a rotina da família’; ‘Apoio à criança nas atividades escolares’; ‘Incentivos para participar do ambiente’; ‘Comunicação e relacionamento’ e ‘Disciplina e incentivos ao estudo’. Por meio da aplicação de um roteiro de entrevista, a pesquisadora obteve dados sobre o nível de informações memorizadas pelos pais a partir do curso de orientação, em situação anterior e posterior ao treinamento. Foram observadas mudanças no nível de informação após a participação dos pais no curso, em toda as categorias analisadas: organização, responsabilidade nas tarefas, comunicação e relacionamento, apoio para o aprendizado e disciplina. Segundo a autora o aumento do nível de informação dos pais possibilitou mudanças de atitudes e condutas em casa, favorecendo o aprendizado das crianças na escola.

Gurgueira (2005), em seu estudo sobre essa temática, realizou levantamento do repertório de mães no que diz respeito à promoção de condições positivas ao “estudar” de seus filhos (crianças com história de fracasso escolar) e verificou o impacto de um treinamento no repertório destas mães sobre a promoção de tais condições positivas para o estudo. O treinamento consistiu de encontros entre pesquisador e três mães, feitos individualmente em seis sessões de 40 minutos cada, para exposição e discussão de aspectos relevantes à promoção de comportamentos adequados de estudo em seus filhos. As mães tinham 48, 46 e 42 anos, suas escolaridades respectivamente eram de ensino fundamental completo, ensino médio completo e ensino fundamental incompleto. Os encontros do

pesquisador com as mães ocorreram em uma universidade federal pública, já que os filhos delas participavam de um programa de capacitação de leitura desenvolvido por essa universidade, por meio de programas de ensino computadorizados baseados no conhecimento sobre equivalência de estímulos (relações condicionais). Foram realizadas, nas diferentes sessões com as mães, atividades de ensino que incluíram apresentação de informações e simulações de situações relativas a acompanhamento de crianças e jovens no estudo. Diante das situações ilustrativas (simulações) de condições a que poderiam estar sujeitas crianças ao estudar, as participantes foram solicitadas a comentar os diferentes aspectos presentes nestas ilustrações, em termos de sua adequação ou não para a promoção de comportamentos de estudo adequados em seus filhos, a partir das informações apresentadas e atividades realizadas nas sessões. As respostas apresentadas pelas mães nestas situações foram, assim, anotadas pelo pesquisador, e constituíram os dados para análise do eventual impacto do programa sobre o relato verbal destas mães. Os dados, obtidos a partir de entrevistas realizadas antes e depois do programa (com uma mãe), bem como no decorrer de sua implementação, por meio dos exercícios de simulação (com todas as participantes), indicaram possíveis mudanças no relato das mães, em direção desejável, em relação ao desempenho dos pais e dos filhos em situações de acompanhamento de estudo, devido à participação no programa.

Rosfsen e Martinez (2008) realizaram a avaliação de um programa de treinamento para oito pais de crianças indicadas pelos professores como apresentando dificuldades de aprendizagem, que cursavam a segunda e primeiras séries do ensino fundamental de uma escola pública de uma cidade de médio porte do estado de São Paulo. O programa de treinamento foi realizado em seis sessões de uma hora e trinta minutos, na própria escola, sendo tais encontros baseados nos promovidos no estudo de Martins (2001). Foram aplicados diversos instrumentos para caracterização dos participantes, como o Inventário de Recursos do Ambiente Familiar-RAF; Roteiro de entrevista com os pais; Dados pessoais e Critério de Classificação Econômica Brasil-CCEB; Teste de Desempenho Escolar-TDE com as crianças e Questionário de avaliação do curso. Os instrumentos foram aplicados durante o programa de ensino e apenas uma vez, sendo assim caracterizados os pais como pertencentes às classes B2 (renda de até R$ 1669) e C (renda de até R$ 927) e verificado que as famílias possuíam recursos familiares como cama individual, brinquedos, revistas e jornais em casa, realização de passeios em família, etc. Além disso, a entrevista com os pais permitiu indicar que 100% dos participantes relataram sempre ajudar os filhos na execução das tarefas de casa. A avaliação do programa de ensino se deu pela análise dos relatos dos pais nas sessões de ensino em que se demonstravam mais interessados e indicavam alternativas e soluções para

problemas variados durante o curso. Foi feita também uma análise do questionário de avaliação do curso, no qual 100% dos entrevistados apontaram o conteúdo do curso como ótimo, levando as autoras a concluírem que o programa de ensino havia sido satisfatório na sua forma e conteúdo. Apesar da consideração das autoras sobre o programa de ensino ser satisfatório, parece importante destacar a falta de verificação de informações antes e após o programa de ensino implementado, o que impossibilita fazer inferências sobre a efetiva mudança nos comportamentos e relatos dos pais devido à experiência de participação no curso. Os instrumentos empregados possibilitaram a identificação clara da existência de variáveis que influenciam positivamente as práticas parentais e o envolvimento entre pais e filhos nas famílias participantes, não permitindo, porém identificar claramente os efeitos do treinamento.

No estudo de Gurgueira (2005), assim como no estudo de Martins (2001), foram considerados apenas o relato das mães para verificação de mudanças no comportamento de lidar com o estudo dos filhos. No estudo de Martins (2001), apesar de ser considerado pela autora que o nível de informação dos pais os influenciou positivamente quanto a mudanças de atitudes e de condutas que facilitam o aprendizado da criança na escola, tal análise pareceu passível de discussão, uma vez que foram considerados apenas os relatos dos pais, que poderiam, no momento da entrevista, estarem sob controle de variáveis como a presença da pesquisadora ao relatar exemplos de conduta em casa. O mesmo pode ser ponderado em relação ao estudo de Gurgueira (2005). Esses estudos foram realizados com famílias que já realizavam ou estavam aguardando atendimento para dificuldades escolares dos filhos em clínica-escola ou em outras situações/instituições de apoio, sendo possível supor que essas famílias teriam especial predisposição para participar de situações de treinamento e, supostamente, para modificar condições em casa, além de grande apoio institucional para realização dessas pesquisas. Além disso, os estudos de Scarpelli, Costa e Souza (2006) e Sudo, Souza e Costa (2006), que lançaram mão de estratégias mais diretas de aprendizagem - com pais e filhos juntos, treinando diretamente comportamentos dos pais – geralmente também necessitam de grande apoio institucional para sua aplicação. Parece importante, assim, desenvolver treinamentos de pais que possam prescindir de apoio institucional, considerando que muitas vezes o sistema escolar público, já precário no atendimento que realiza, apresenta pouca disposição para criar oportunidades de apoio aos pais.

A partir da revisão sobre a utilização de treinamento de pais para favorecer o comportamento de estudar dos filhos, parece importante criar programas de ensino que

possam ser aplicados em cidades com pouco (ou nenhum) recurso de apoio para superação de dificuldades de aprendizagem, principalmente junto a famílias com poucos recursos financeiros que, prejudicadas do ponto de vista social, são impedidas de buscar apoio particular para superar dificuldades escolares dos filhos. Importante lembrar, ainda, que crianças com condições sociais limitadas estão mais sujeitas às condições de risco que podem gerar problemas de aprendizagem, incluindo pais com características de envolvimento e habilidades parentais negativas, sendo essas famílias as que mais necessitam aprender formas de mudar certas situações de interação familiar.