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Diversos livros de regência (ZANDER, 2003; MARTINEZ, 2000; WITTRY, 2007; GARRETSON, 2003) fazem referência ao papel do regente como líder, pressupondo em suas atribuições essenciais a motivação dos músicos, além do ensino musical e da performance. Nesse sentido, o regente é visto como o principal agente capaz de mobilizar todos os participantes – tanto músicos como toda a equipe de apoio – a engajarem-se num objetivo comum e empregarem seus recursos para sua realização.

No entanto, o contrário também acontece com uma frequência maior que se desejaria: não raras vezes ocorrem performances de ensaio e apresentações de até elevado nível técnico, porém carecendo de algo a mais: da perspectiva do público tais ocorrências são descritas como falta de energia, empolgação e sentimento; da crítica especializada, rotuladas de performances tecnicamente autênticas e espiritualmente vazias. Tal responsabilidade recai sobre o regente, que segundo Kerman (1987) é visto como o responsável por garantir que a interpretação de uma obra musical – considerada como uma forma de crítica pessoal àquela música – incorpore o espírito da música.

O que entendemos por interpretação de um regente é (...) o modo como ele aplica sua personalidade à sinfonia para revelar a substância, o conteúdo ou o significado da obra. Melhor dizendo, é o que ele faz – interpreta – do significado da sinfonia. Tem sido frequentemente observado que a interpretação musical, nesse sentido, pode ser considerada uma forma de crítica. (KERMAN, 1987, p. 267)

Para que tal intento ocorra de forma efetiva, é necessário que o maestro domine os aspectos técnicos da regência e de música de uma forma ampla e principalmente também saiba mobilizar e motivar seus músicos para que estejam no grau máximo de engajamento para a performance. Torres (2016), ao analisar o trabalho de Fucci Amato e Amato Neto (2009) em uma pesquisa conduzida na Faculdade de Música Carlos Gomes acerca da motivação em coros, destaca o papel essencial ou muito importante da capacidade do regente em despertar a motivação nos coristas:

Fucci-Amato e Neto (2009) discutem a capacidade do regente em despertar a motivação de coros, destacando a responsabilidade desse profissional na gestão das pessoas que compõem esses grupos vocais. Os autores refletem sobre as motivações dos diferentes tipos de coros, de acordo com as especificidades de cada um destes. Os autores realizaram uma pesquisa de opinião com 19 alunos dos cursos de

licenciatura e bacharelado da Faculdade de Música Carlos Gomes (SP). Um dado interessante que deve ser ressaltado aqui é que, no gráfico que ilustra o grau de importância atribuído por esses alunos à capacidade do maestro de motivar os coralistas, o resultado ficou entre "Muito importante" e "Essencial", tendo além dessas duas categorias uma terceira oferecida, "Importante", sendo esta última minoritária em relação às outras duas. (TORRES, 2016, p. 1242)

Sintetizando os resultados de suas pesquisas acerca do tema, Fucci Amato e Amato Neto (2009) também afirmam que o requisito mais importante em um regente é a capacidade motivacional, inspirando os intérpretes com sua liderança, entusiasmo contagiante e poder hipnótico, fazendo com que os intérpretes façam o melhor de si. Ainda segundo os autores, o regente deve ter os atributos de persuasão amigável, severidade, humor, paciência, compreensão simpática, elogio, correção, fervor emocional e, ocasionalmente, um toque de rigidez (FUCCI AMATO; AMATO NETO, 2009, p. 91).

Problematizando a questão da motivação proposta por Fucci Amato e Amato Neto (2009), Torres (2016) em sua pesquisa sobre o assunto da motivação em música na literatura brasileira faz uma crítica sobre a ênfase dada ao papel em vez da forma como a motivação é concebida e incorporada ao próprio regente e seus músicos:

Nos discursos de Kothe e outros (2012) e Fucci-Amato e Neto (2009), (...) é possível perceber uma preocupação em buscar recursos técnicos embasados para auxiliar o desenvolvimento positivo do trabalho daqueles profissionais [regentes]. Questionam-se, pois, sobre os fatores que podem motivar seus participantes a envolverem-se mais e melhor naquilo que estão realizando. Ao regente em especial, oferecem-se algumas metodologias práticas de trabalho que, em geral, privilegiam muito o papel e pouco as formas de, fundamentadamente, contornar problemas de motivação do grupo. (TORRES, 2016, p. 1242-1244)

Tal crítica pode ser considerada como somente parcialmente verdadeira, uma vez que Fucci Amato e Amato Neto (2009) buscam, salvaguardados pelos achados de outros pesquisadores, esclarecer os aspectos mais relevantes e com maior potencial de aplicabilidade para o contexto específico da regência coral, sem incorrer na superficialidade de criar práticas tácitas e genéricas para uso indiscriminado em qualquer coro. Assim, Fucci Amato e Amato Neto explicam que

Stamer (1999) estudou quais os comportamentos que um regente coral deve adotar para criar uma atmosfera no ensaio coral que motive os coralistas a aprender, utilizando-se de seis variáveis desenvolvidas por Hunter acerca da motivação do estudante: nível de preocupação/engajamento, expressão de sentimentos relacionados à atividade, interesse na atividade, sucesso, conhecimento dos resultados e grau de recompensa proporcionada pela atividade (sentimento de realização). Ainda destacou que a especificidade de cada grupo torna necessária a aplicação de diferentes estratégias motivacionais, ou seja, estas devem ser condizentes com a faixa etária dos coralistas/estudantes, os objetivos pretendidos

por estes ao participarem do coro e as metas grupais. Ainda para Stamer (1999, p. 26, tradução nossa): "A técnica motivacional mais efetiva que os educadores musicais corais podem empregar é prestar atenção ao desenvolvimento pessoal e musical de seus estudantes (‘atenção regente/ estudante’)." (FUCCI AMATO; AMATO NETO, 2009, p. 91)

Uma ponderação mais interessante talvez fosse acerca da tomada de consciência de que parte do referencial teórico utilizado pelos autores concentra-se na perspectiva da gestão de recursos humanos, administração e gestão corporativa. Apesar da adequada contextualização para o campo da regência coral – e há que se lembrar que um coro em essência enquadra-se dentro de uma das definições do termo empresa25 – a questão da motivação pode ser analisada sob outras perspectivas, dentre elas a TSC e a autoeficácia de Albert Bandura.