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Os motivos que trouxeram o Brasil à crise hoje vivida são diversos. No entanto, alguns deles são apontados de forma unânime pela doutrina, o que dá a segurança necessária para se dizer que é a partir deles que devem ser pensadas as soluções. Como se verá, a importância do Partido Político na concepção moderna de representação política é inegável, no entanto, na sua organização interna e na sua forma de atuação nas diversas instâncias de tomada de decisão é que residem os principais problemas.

Para Eduardo Bittar (2016, p. 30), a aversão popular à política decorre da tradição brasileira de mau uso do poder, especialmente no que concerne à confusão entre os interesses privados e os interesses públicos, em um cenário de alternância de elites econômicas no poder. O autor descreve essa situação de conversão dos instrumentos públicos em mecanismos de

favorecimento pessoal como não só o descrédito pessoal do político, mas, pior ainda, da imagem geral da política.

Ainda de acordo com Bittar (2016, p. 31-32), quando a política abandona as ideias de coisa pública, interesse público, vontade da maioria e necessidades sociais, são produzidos os seguintes efeitos nefastos: apatia da consciência política popular; fragilização da participação popular; resignação popular à forma de administrar os espaços públicos; abstinência do povo nos processos participativos; desmantelamento dos espaços públicos de discussão, debate e definição de projetos políticos vitais para a comunidade; erosão do exercício fiscalizatório, que cabe à população e à imprensa; descaracterização de um modelo que prioriza a consciência coletiva, passando a um modelo individualista e egoísta; falta de comprometimento e responsabilidade do eleitorado na escolha dos representantes; proliferação de candidatos e partidos oportunistas, com projetos superficiais, que convencem o público mas não beneficiam as instituições públicas; esquecimento da ideia de continuidade da política, que é substituída por noções fragmentadas de governos descontínuos; e esvaziamento da pressão da sociedade civil sobre o governo.

Eduardo Bittar (2016, p. 32-33) sustenta que a insatisfação com a política tem como pior consequência a ausência das pessoas nos negócios públicos, pois estes se transformaram em um ambiente de negociação de interesses, produtos, valores e bens, esquecendo-se os interesses reais do ser humano e os interesses cívicos do cidadão. A política, para o autor, saiu da realidade das pessoas, que passam a se isentar das suas responsabilidades sociais e a ter uma postura de mera oposição a qualquer que seja o governante, em uma atitude de negação da política, colocando-a em um plano separado, como se dela não fizessem parte.

Giovanni Sartori (1996, p. 112 apud MEZZAROBA, 2006, p. 96), diante da falta de uma definição constitucional do Partido Político enquanto cooperador da formação da vontade do Estado, ficando sem uma função claramente definida dentro do regime jurídico-político brasileiro, afirma que o Brasil se tornou o país mais avesso do mundo aos partidos. O autor observa que “os políticos [no Brasil] se relacionam com seus partidos como partidos de aluguel. Mudam de partido freqüentemente, votam contra a linha partidária e rejeitam qualquer disciplina partidária”.

Segundo Sartori (1996, p. 112 apud MEZZAROBA, 2006, p. 96), a justificativa para esse menosprezo em relação aos partidos é que na atividade de representação dos eleitores não pode haver qualquer tipo de condicionamento ou interferência, afastando qualquer tipo de

influência na tomada de decisões políticas que não seja a própria vontade representante. Assim, os partidos brasileiros seriam como entidades voláteis, resultando em um Poder Executivo exercido em meio a um espaço vazio, como resultado de um Congresso Nacional rebelde e extremamente atomizado.

Reinaldo Dias (2013, p. 220) também identifica diversos problemas nos partidos políticos. De acordo com o autor, os partidos hoje têm mais interesses como organizações autônomas do que como representantes de interesses sociais, caracterizando-se por diminuição da consistência ideológica, maior peso autoridade da elite dirigente, redução da importância dos militantes da base partidária e presença de um número maior de grupos com multiplicidade de interesses.

Para o autor, os principais problemas dos partidos na atualidade são a perda da capacidade de mobilização, sendo substituídos nessa função pelas novas formas de movimentos sociais e de comunicação; o predomínio de um novo tipo de partido, que aceita tudo e todos, com propostas muito amplas, tentando abranger toda a sociedade, fortemente marcados pelo pragmatismo, e tendo todos os partidos discursos aparentemente semelhantes, perdendo-se a definição ideológica; e a formação de interesses próprios enquanto organização, abandonando os interesses sociais. (DIAS, 2013, p. 220)

Ainda na avaliação de Reinaldo Dias (2013, p. 220) acerca do cenário de crise, outro motivo que afasta os eleitores dos seus representantes é a desconfiança quanto aos partidos, associados diretamente à corrupção. De forma generalizada, entende-se que os representantes estão alheios aos problemas da sociedade, preocupando-se somente com os seus interesses. O desinteresse popular traz como consequência a desvalorização da representação política, afastando os cidadãos da participação por quererem se manter distantes de práticas como a corrupção, o envolvimento em crimes e outros tipos de ilícitos.

No entendimento de Manoel Ferreira Filho (2013, p. 384-385), que vê uma ambivalência nos partidos, sendo ao mesmo tempo necessários e daninhos, visto que estruturam a democracia mas podem trazer prejuízos a ela, o primeiro defeito dos partidos é o caráter oligárquico das cúpulas dirigentes, que se reflete na escolha dos candidatos que estarão na disputa eleitoral. Nesse ponto, o autor manifesta seu apreço pelo sistema americano, no qual nas votações primárias os militantes (nas primárias abertas os simpatizantes também participam) escolhem os candidatos, retirando o poder de sujeitos que podem se colocar como donos dos partidos.

Para Ferreira Filho (2013, p. 385-386), outros problemas que atingem os partidos são de solução mais difícil. Para ele, o principal problema está no financiamento das atividades partidárias e, especialmente, das campanhas eleitorais. Na origem, enquanto os partidos de orientação socializante acumulavam pequenas contribuições de muitos militantes, por isso de massa, os partidos conservadores ou liberais obtinham grandes doações de poucas lideranças, sendo partidos de quadros.

No entanto, hoje, os partidos, inclusive os de massas, precisam buscar outros recursos para suportar os altos custos das campanhas. As duas opções que se apresentam desagradam a população. Na primeira, existe grande dificuldade de controle das doações externas feitas aos partidos, facilitando os desvios. Na segunda, o eleitor é resistente à ideia de ver sair do seu próprio bolso o dinheiro necessário para o financiamento público das campanhas eleitorais. (FERREIRA FILHO, 2013, p. 386-387)

Manoel Ferreira Filho (2013, p. 395) conclui sua análise dos partidos políticos apresentando os seguintes problemas:

Não são, por outro lado, mais vistos como instrumentos para combinar a escolha de representantes com a definição da orientação política governamental. A experiência mostra que seus programas constituem apenas bandeiras eleitorais, frequentemente demagógicas, que pouco, ou nada, indicam sobre a atuação que adotarão após as eleições, seja como governo, seja como oposição.

Ademais, em países como o Brasil, em razão de seu número e de seu vazio programático, estão patentemente desvalorizados. Como instrumento de aglutinação política, cederam lugar a grupos de interesses e, assim, a divisão fundamental no seio do Congresso não mais é, senão formalmente, entre partidos, mas entre grupos pluripartidários que atuam como “ruralistas”, “evangélicos”, “ambientalistas” etc.

Alexandre Lins Batista (2015) concorda com a essencialidade do Partido Político, na função de representar e canalizar as demandas sociais, sendo indispensáveis ao sistema político. No entanto, vê uma série de problemas nos partidos que geram grande insatisfação na relação entre representantes e representados. O autor divide as origens da falta de representatividade em quatro grupos: patrimonialismo, distância entre eleitos e eleitores, perda de identidade dos partidos e corrupção.

O patrimonialismo nas relações político-sociais brasileiras consiste no uso da máquina pública pelo governante para a satisfação dos seus interesses particulares. Essa característica, adotando a teoria de Sérgio Buarque de Holanda, é um traço herdado da colonização, pois os membros da elite política eram como funcionários do patrimônio, pautados por seus interesses

particulares. O segundo fator é o distanciamento entre eleitos e eleitores, visto como consequência do aumento do número de partidos após o regime militar. Para Batista (2015), a distância entre a população e as elites no poder pode ser vista nos manifestos de 2013, quando houve uma grande mobilização por mudanças radicais, que resultaram em uma reforma política diferente dos anseios populares, demonstrando o pouco poder que hoje detém o cidadão, que é, na verdade, o titular desse poder.

A ideologia vem cada vez mais perdendo sua importância dentro dos partidos políticos, o que faz com que estes percam sua identidade. Batista (2015) atribui esse problema à chegada dos partidos à televisão. Isso porque hoje se tem uma preocupação maior com a construção da imagem projetada da personalidade dos líderes do que com os programas de governo. Por fim, o autor trata da corrupção como motivo da falta de identidade entre o povo e os seus representantes. Com o fortalecimento das instituições de controle, cada vez mais casos de desvio de dinheiro público vêm sendo descobertos, objetivando a manutenção de um projeto de poder. A crise de representatividade, portanto, também teria como origem a negligência dos partidos em relação aos interesses sociais, constantemente deixados em segundo plano.

Para Angelo Panebianco (2005, p. 521-523), a discussão da crise dos partidos políticos deve se basear nas funções por eles tradicionalmente exercidas. Baseado na teoria de Kirchheimer, o autor aponta três funções básicas: integrativa ou expressiva, de seleção dos eleitos aos cargos públicos e de determinação da política estatal. Contudo, deve-se destacar que essas funções jamais foram exercidas de forma exclusiva pelos partidos, uma vez que sempre houve outras organizações sociais que também atuam nessas atividades, como família, escola e grupos de interesses. Assim, a crise das funções dos partidos não pode ser vista como a perda do monopólio, mas um momento em que passam a ser atores coadjuvantes.

A função integrativa trata da organização das demandas gerais de defesa ou transformação da ordem social e política. O aspecto mais importante dessa atividade está ligado à formação de identidades coletivas por meio de uma ideologia. O exercício da função integrativa, com a clareza do ideal de cada partido, tem um papel decisivo na estabilização do sistema político, visto que funcionam como válvulas de escape do protesto social. A função de seleção dos eleitos consiste na formação e no fornecimento das elites governistas do Estado. Por fim, a função de determinação da política estatal está relacionada à formação das decisões coletivamente vinculantes. (PANEBIANCO, 2005, p. 522-523)

O autor italiano identifica o esvaziamento dessas funções no processo de transição do partido burocrático de massa para a afirmação do partido profissional-eleitoral, quando se perde a característica partidária de organização de identidades coletivas estáveis. O enfraquecimento da ideologia dentro dos partidos políticos é refletido nas outras funções. Esse processo produz dois efeitos: a difusão de comportamentos políticos não convencionais e a facilitação de explosões corporativas, com a multiplicação e a fragmentação das estruturas de representação dos interesses. (PANEBIANCO, 2005, p. 523)

Beatriz Mallén (2002, p. 57-60), em seu estudo sobre o fenômeno do transfuguismo partidário21, identifica como duas de suas várias causas a troca de orientação ideológica dos

partidos e as divergências entre o político eleito e a direção do partido. A primeira pode decorrer de três fatores: evolução da política internacional, a busca pelo poder e o exercício do poder. Já a segunda ocorre, por exemplo, quando a democracia interna do partido é falha.

O transfuguismo é um fenômeno bastante prejudicial ao sistema político. Isso porque produz efeitos como a falsificação da representação política em relação à que havia sido eleita, com a consequente sensação de fraude que se espalha pelo eleitorado. Outro efeito danoso do transfuguismo é o enfraquecimento do sistema partidário, uma vez que a troca de partidos leva à alteração das forças políticas no parlamento, comprometendo a proporcionalidade eleita. Além desses efeitos, podem ainda ser apontados o prejuízo à governabilidade e a perda de credibilidade da classe política e a deterioração da cultura democrática. (MALLÉN, 2002, p. 236-237)

Retomando a crítica à falta de definição constitucional da função dos partidos enquanto administradores e representantes da vontade dos indivíduos, Orides Mezzaroba (2006, p. 97) entende que a Constituição Federal trata os partidos políticos como uma espécie de cartório, reduzindo sua atividade ao empréstimo de uma legenda para garantir a elegibilidade dos candidatos, uma vez que a filiação é uma exigência para quem pretende ocupar um cargo eletivo.

Sendo assim, pode-se concluir que o problema atual da representação política não está na existência do Partido Político, mas na forma como ele se estrutura atualmente. A crise de representatividade, enquanto falta de identificação entre os cidadãos e seus representantes, pode

21 Transfuguismo partidário, no âmbito parlamentar, é a mobilidade dos representantes políticos entre os grupos

que compõem o parlamento. São as alterações que podem ocorrer nos grupos parlamentares no curso de uma legislatura em comparação à composição originalmente obtida por meio do voto dos eleitores. Essa é a definição do fenômeno do transfuguismo adotada por Beatriz Mallén (2002, p. 31)

ser vista como resultado da transformação dos partidos em organizações incapazes de organizar as vontades dos seus integrantes, antes identificados com a ideologia partidária. Hoje, o Partido Político foi reduzido ao papel de mero instrumento eleitoral, abandonando seu caráter de mobilizador social em busca de objetivos comuns.

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