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2.2 SISTEMAS ELEITORAIS

2.2.2 Sistemas Eleitorais Proporcionais

No curso da história, a partir da insatisfação com algumas situações proporcionadas pelos sistemas majoritários, principalmente no que se refere à preocupação com uma distribuição de cadeiras de forma a corresponder melhor com os votos recebidos pelos partidos nas eleições, surge uma nova fórmula de eleição de representantes políticos: o sistema de representação proporcional. Assim, o principal objetivo é estabelecer uma equivalência entre a porcentagem de votos recebidos por um partido e o número de cadeiras conquistadas por ele. (FERREIRA FILHO, 2013, p. 378)

Ferreira Filho (2013, p. 378) ensina que a ideia de representação proporcional, a fim de evitar ao máximo a sub-representação, surge em meados do século XIX, tendo como um de

seus principais defensores o liberal clássico John Stuart Mill. O responsável pela esquematização do procedimento para a distribuição das cadeiras foi Thomas Hare.

Ferreira Filho (2013, p. 379) apresenta o resultado do estudo de um autor americano, segundo o qual a representação proporcional teria sido idealizada com o intuito de conter o crescimento eleitoral dos partidos socialistas, evitando que chegassem ao poder. Pela nova fórmula, esses partidos teriam grandes dificuldades para conquistar a maioria no parlamento, levando à necessidade de abrirem mão de ideais radicais para conseguirem formar alianças que viabilizassem um governo.

O sistema proporcional começou a se espalhar pela Europa em 1899, a partir da Bélgica, logo alcançando países como a Finlândia, a Suécia, a Dinamarca e a Noruega. O Brasil adotou esse sistema por meio do Código Eleitoral de 1932, para a escolha de deputados federais, deputados estaduais, deputados distritais e vereadores.

Além da correspondência entre o número de votos recebidos por um partido e o número de representantes por ele eleitos, outra grande preocupação da fórmula proporcional é garantir que a diversidade de opiniões de uma sociedade esteja refletida no Poder Legislativo. Dentro dos sistemas proporcionais, distinguem-se dois modelos: o voto único transferível e o sistema de lista.

Com o objetivo de assegurar a representação de opiniões individuais, em detrimento de comunidades ou partidos políticos, Thomas Hare propôs o sistema que depois de algumas alterações veio a ser denominado voto único transferível. Nele, os eleitores escolhem não partidos, mas representantes individuais. A finalidade era elevar a qualidade dos representantes, substituindo representantes das comunidades por políticos mais talentosos. (NICOLAU, 2004, p. 38-39)

O sistema de voto único transferível, adotado para a eleição dos integrantes da Câmara Baixa da Irlanda desde 1921, também inicia seu procedimento com a divisão do território em distritos. Cada partido pode apresentar candidatos em número igual ao de representantes a que tem direito o distrito. Na hora da votação, os eleitores colocam suas preferências em ordem na cédula, como no voto alternativo. (NICOLAU, 2004, p. 40)

Para apurar os vencedores, primeiro se calcula a quota do distrito (votos/cadeiras + 1). Os candidatos que tiverem votos em número maior ao da quota estão eleitos. As vagas que não forem preenchidas dessa forma dependem do mecanismo de transferência. Primeiro se transferem os votos que excedem à quota dos candidatos já eleitos, proporcionalmente, aos

candidatos colocados na segunda opção. Após, como no voto alternativo, o nome com menor número de primeiras preferências é eliminado e seus votos são distribuídos às segundas opções dos seus eleitores. A eliminação dos menos votados segue até o preenchimento de todas as cadeiras a que tem direito o distrito. (NICOLAU, 2004, p. 40-41)

Dessa forma, o voto único transferível dá maior liberdade ao eleitor, que pode ordenar sua preferência alternando candidatos de diferentes partidos. Além disso, o eleitor pode escolher a quem será transferido seu voto, diferente da lista aberta, como se explicará adiante. Fica claro que o principal objetivo do sistema não é garantir uma proporção entre o número de votos recebidos e o número de cadeiras ocupadas pelo partido, mas assegurar que opiniões relevantes da sociedade estejam presentes no parlamento.

Assim, embora os partidos tenham maior importância nos sistemas proporcionais, o voto único transferível não contribui para isso, visto que o eleitor pode até mesmo manifestar sua preferência por candidatos de partidos fortemente opositores entre si. Assim, o voto continua sendo feito somente considerando o indivíduo que vai recebê-lo, independente do posicionamento do partido que integra. Além disso, percebe-se que a fórmula foi idealizada com fortes traços aristocráticos.

Dentro dos sistemas proporcionais, também há o voto em lista, implantado pela primeira vez na Bélgica, em 1899, para as eleições da Câmara dos Deputados. Pode-se resumir o mecanismo ao seguinte: os partidos apresentam suas listas de candidatos, os votos recebidos por cada lista são contados e as cadeiras são distribuídas entre os partidos proporcionalmente aos votos conquistados. No entanto, a prática revela uma complexidade bem maior desse sistema. (NICOLAU, 2004, p. 43)

Os principais fatores que definem a complexidade do voto em lista são a fórmula utilizada para a distribuição das cadeiras, o tamanho dos distritos e a existência de diferentes níveis de alocação das cadeiras, a cláusula de exclusão ou de barreira, a possibilidade de coligações e as regras para escolha dos integrantes da lista.

A fórmula eleitoral utilizada em sistema proporcionais de lista pode ser dividida em dois grandes grupos: maiores médias, usando-se um divisor, e maiores sobras, usando-se quotas. As fórmulas de maiores médias dividem os votos recebidos pelos partidos por números em série. A partir daí, os partidos com números mais altos vão ocupando sucessivamente as cadeiras. As fórmulas mais utilizadas são a D’Hondt, a Sainte-Laguë e a Sainte-Laguë modificada. (NICOLAU, 2004, p. 44)

A diferença entre as fórmulas está no divisor utilizado. Na fórmula D’Hondt, os votos são divididos pela série “1, 2, 3, 4, 5...”, na Sainte-Laguë os divisores são somente os números ímpares “1, 3, 5, 7...” e na Sainte-Laguë modificada a diferença é o primeiro divisor, que passa a ser o número 1,4, assim, a série fica “1,4; 3; 5; 7...”. Cada uma dessas fórmulas de maiores médias produz resultados diferentes. A primeira favorece o partido mais votado no distrito, diminuindo um pouco a proporcionalidade na distribuição das cadeiras. A segunda traz a melhor relação de proporcionalidade. Já a terceira fórmula dificulta o acesso dos partidos pequenos às cadeiras, por aumentar o divisor, também prejudicando a proporcionalidade. (NICOLAU, 2004, p. 44-45)

No outro grupo, as fórmulas de maiores sobras operam em dois estágios. Primeiro se calcula uma quota que será utilizada como denominador da votação de cada partido. O número de vezes que o partido atingir a quota corresponderá ao número de cadeiras conquistadas. Como nem todas as cadeiras são ocupadas nessa primeira fase da distribuição, passa-se ao segundo estágio, no qual as cadeiras restantes irão para os partidos que tiverem votos mais próximos do valor da quota, por terem as maiores sobras. Nesse grupo também há diferentes fórmulas: a quota Hare (votos/cadeiras) e a quota Droop (votos/cadeiras + 1). (NICOLAU, 2004, p. 45)

Dessa forma, embora possam aparentar grande semelhança, como a alteração do divisor de 1 para 1,4, a fórmula adotada influenciará diretamente a definição dos candidatos eleitos, podendo favorecer grandes ou pequenos partidos, uma vez que alteram o nível de proporcionalidade entre o número de votos recebidos e o número de representantes eleitos.

O que também diferencia os sistemas proporcionais de voto em lista é a magnitude dos distritos e os níveis para a alocação de cadeiras. Isso se justifica pelo fato de quanto maior for a magnitude do distrito, mais fácil é a obtenção de uma cadeira. Assim, se apenas duas cadeiras estiverem em disputa, um partido com 15% dos votos não elegerá representantes, situação que se altera caso haja dez cadeiras em disputa. (NICOLAU, 2004, p. 46-47)

Sendo assim, se o território for dividido em distritos com pouca magnitude, os partidos menores terão grandes dificuldades para eleger representantes. Da mesma forma, o aumento da magnitude leva ao aumento da proporcionalidade entre o número de votos e o número de cadeiras obtidas, elevando, por consequência, a probabilidade de cadeiras serem conquistadas por partidos pequenos.

Alguns países adotam formas de alocação de cadeiras mais complexas, com a inclusão de distritos superiores, além dos distritos locais, a fim de agregar as sobras, corrigir as distorções

dos distritos locais e alocar uma parte das cadeiras de forma independente em relação aos distritos locais. Primeiro se utiliza uma quota para distribuir as cadeiras nos distritos locais. As que não forem alocadas são agregadas no nível superior e distribuídas conforme as sobras dos distritos locais. Esse mecanismo facilita a presença de pequenos partidos no parlamento. Outro método é o distrito superior ter cadeiras extras para corrigir distorções locais. (NICOLAU, 2004, p. 47-48)

Outro fator importante nos sistemas proporcionais de voto em lista é a cláusula de exclusão. Ao adotá-la, determina-se que um partido só poderá ser representando no parlamento se receber mais do que uma quantia mínima de votos. O objetivo da chamada cláusula de barreira é dificultar a presença de partidos pequenos no Poder Legislativo, para que esse não seja fragmentado, comprometendo a governabilidade. Adotada pela maioria dos países com sistema proporcional, entre eles o Brasil, a cláusula acaba significando um bônus para os partidos maiores, prejudicando a proporcionalidade. (NICOLAU, 2004, p. 51)

No Brasil, apesar de a cláusula de barreira representada pela necessidade de se atingir o quociente eleitoral nas eleições proporcionais para possibilitar a obtenção de cadeiras nas casas legislativas (prevista no § 2º do artigo 109 do Código Eleitoral) ter sido revogada pelo artigo 3º da Lei nº 13.488/17, a Emenda Constitucional nº 97/2017, no parágrafo único do artigo 3º, criou um impedimento de acesso de partidos que não atingirem uma proporção mínima de votos aos recursos do fundo partidário e à propaganda gratuita no rádio e na televisão, considerando os resultados a partir da eleição de 2018.

Na prática, a alteração constitucional tende a inviabilizar qualquer pretensão eleitoral dos partidos considerados nanicos, uma vez que a sua principal fonte de recursos nas campanhas eleitorais é o fundo partidário, além de acabar com o pouco espaço que tinham na mídia tradicional, forma de divulgação das ideias e propostas que tem maior potencial para alcançar os eleitores.

Além disso, conforme o recém criado artigo 16-D da Lei das Eleições, os partidos sem representação no Congresso Nacional só terão direito à divisão igualitária de 2% do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, feita entre todos os partidos com estatutos registrados no Tribunal Superior Eleitoral. Assim, além de se tornarem invisíveis, os partidos desse porte correm o sério risco de não conseguirem mais se sustentar financeiramente.

Outra cláusula de desempenho presente no ordenamento jurídico brasileiro foi criada pela Lei nº 13.165/2015, que alterou o artigo 108 do Código Eleitoral, para estabelecer que o

candidato precisa obter um mínimo de votos igual ou superior a 10% do quociente eleitoral para ser eleito.

A possibilidade de coligações entre os partidos em disputa também interfere no resultado das eleições. As coligações em eleições proporcionais ampliam as chances de representação dos partidos pequenos, beneficiados pela soma dos votos dos partidos coligados. A distribuição das cadeiras entre os partidos coligados é proporcional aos votos recebidos por cada partido. (NICOLAU, 2004, p. 53-54)

No Brasil, entre as alterações feitas pela reforma eleitoral de 2017 está o fim das coligações em eleições proporcionais (para deputados e vereadores) a partir de 2020 (artigo 2º da Emenda Constitucional nº 97/2017). Por outro lado, foram criadas as federações de legendas com afinidade ideológica e programática. Assim, embora mantenham identidade própria, os partidos federados precisam se manter em unidade durante toda a legislatura.

Ainda tratando do sistema brasileiro de voto em lista aberta, aponta-se a peculiaridade da proporcionalidade dentro da coligação não existir por aqui, onde os candidatos mais votados da chapa são eleitos, independentemente da quantidade de votos recebida pelo seu partido especificamente

Outro aspecto que deve ser destacado quanto às coligações é o fato de que, ao serem permitidas, os partidos que as integram obrigatoriamente precisam abrir mão de alguns pontos dos seus programas políticos. Isso porque, embora tenda a existir afinidade ideológica, há divergências entre os programas. Caso não existissem pontos de conflito, os partidos coligados poderiam se tornar um só. Nos modelos em que os partidos devem apresentar programas bem definidos, é pouco provável que se permitam as coligações.

Superadas as questões relacionadas à quantidade de cadeiras que serão distribuídas para cada partido ou coligação, resta definir quais candidatos das listas serão eleitos. Entre os sistemas eleitorais proporcionais de voto em lista, a maior diferença está no grau de influência dos partidos.

Na lista fechada, a ordem de eleição dos candidatos da lista é definida antes das eleições. Há modelos, no entanto, que permitem ao eleitor escolher, dentro da lista, a sua preferência entre os candidatos que a compõem. Já nos sistemas de lista aberta e de lista livre, são os eleitores que definem os nomes da lista que serão eleitos. Na lista flexível, os partidos apresentam os candidatos na ordem de sua preferência, mas o eleitor pode estabelecer a sua própria preferência por candidatos específicos.

Passando a tratar das espécies de listas, na lista fechada, como já adiantado, são os partidos que definem a ordem de eleição dos candidatos. O eleitor vota no partido, não em um candidato específico. Assim, de acordo com o número de cadeiras alcançadas, serão eleitos os primeiros da lista. Se por um lado permite ao partido a escolha de quem melhor o representaria, por outro impossibilita que essa escolha seja feita pelo eleitor. (NICOLAU, 2004, p. 55-56)

Por sua vez, a lista aberta dá ao eleitor a oportunidade de escolher os nomes que ocuparão os mandatos obtidos pelo partido. O modelo, adotado também pelo Brasil, consiste na apresentação pelos partidos de listas de candidatos de forma não ordenada, cabendo ao eleitor a opção por um nome. Após, são contabilizados os votos recebidos por cada integrante da lista para apurar o número de cadeiras conquistadas, que serão ocupadas pelos nomes mais votados. Este sistema leva os partidos a buscarem nomes populares, para aumentar seu total de votos e eleger mais representantes. Por outro lado, dificulta a eleição de lideranças partidárias com nomes menos expressivos, além de incentivar a disputa interna de uma forma que pode enfraquecer a unidade partidária. (NICOLAU, 2004, p. 56-57)

O modelo brasileiro de lista aberta tem duas características que o diferenciam dos demais: a possibilidade de voto diretamente no partido, não interferindo na colocação dos candidatos dentro da lista, e a formação de uma lista única de candidatos de partidos coligados, elegendo-se os mais votados, distinguindo-se de outros modelos de lista aberta, nos quais as cadeiras são distribuídas de acordo com a proporção de votos de cada partido da coligação, sendo que cada um tem sua própria lista. (NICOLAU, 2004, p. 57)

Na lista livre, usada na Suíça, os partidos apresentam listas não ordenadas de candidatos e o eleitor pode votar em um partido, dando a cada nome da lista um voto, ou em um ou mais candidatos, em número máximo igual ao de cadeiras em disputa. Pode-se também, nesse sistema, votar duas vezes em um mesmo candidato ou votar em candidatos de partidos diferentes. Por fim, na lista flexível o eleitor pode escolher a ordem dos candidatos dentro de uma lista. Se o eleitor concorda com a lista, vota no partido, se discorda pode indicar sua preferência por determinados candidatos, assinalando somente seus nomes na cédula ou reordenando a lista. A crítica a esse modelo é por ele dificultar a formação do governo, por fragmentar o parlamento ao facilitar a eleição de partidos menores. Esse caminho, segundo os críticos, levaria à formação de um governo de coalizão (NICOLAU, 2004, p. 59-60)

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