• Nenhum resultado encontrado

Democracia Representativa Brasileira: (re)leitura da crise contemporânea

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Democracia Representativa Brasileira: (re)leitura da crise contemporânea"

Copied!
72
0
0

Texto

(1)

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS DEPARTAMENTO DE DIREITO

VINÍCIUS KOERICH LOURENÇO

DEMOCRACIA REPRESENTATIVA BRASILEIRA: (RE)LEITURA SOBRE A CRISE CONTEMPORÂNEA

FLORIANÓPOLIS 2017

(2)

DEMOCRACIA REPRESENTATIVA BRASILEIRA: (RE)LEITURA SOBRE A CRISE CONTEMPORÂNEA

Monografia submetida ao Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito para obtenção do grau de bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Orides Mezzaroba

FLORIANÓPOLIS 2017

(3)
(4)
(5)

A Meu Partido Me deste a fraternidade para o que não conheço. Me acrescentaste a força de todos os que vivem. Me tornaste a dar a pátria como em um nascimento. Me deste a liberdade que não tem o solitário. Me ensinaste a acender a bondade, como o fogo. Me deste a retidão que necessita a árvore. Me ensinaste a ver a unidade e a diferença dos homens. Me mostraste como a dor de um ser morreu na vitória de todos. Me ensinaste a dormir nas camas duras de meus irmãos. Me fizeste construir sobre a realidade como sobre uma rocha. Me fizeste adversário do malvado e muro do frenético. Me fizeste ver a claridade do mundo e a possibilidade da alegria. Me fizeste indestrutível porque contigo não termino em mim mesmo.

(6)

O presente trabalho aborda a crise de representatividade brasileira. Partiu-se do questionamento sobre quais são os motivos que trouxeram o país à situação de crise, com o objetivo de buscar na teoria uma possível solução para ela, chegando-se a um modelo adequado para a representação política do povo. Para tanto, as finalidades específicas são apresentar os fundamentos teóricos da representação política, apontar as diversas formas possíveis de eleição de candidatos e analisar os problemas do atual modelo brasileiro de representação, para buscar, a partir deles, uma proposta de solução para a atual crise de representatividade. A abordagem foi feita pelo método dedutivo, apresentando os dois primeiros capítulos como resultado de revisão bibliográfica e o terceiro por meio de análise de informações, feita com base na teoria exposta nos dois primeiros capítulos. Primeiramente, situa-se o trabalho no âmbito da democracia representativa, para, após, serem apresentados os elementos mais importantes da representação política, incluindo sua origem, seus conceitos e fundamentos teóricos. Ainda no primeiro capítulo, explana-se acerca da teoria do mandato e expõem-se as primeiras considerações a respeito do Partido Político e das noções de ideologia e pluralismo. Após, passa-se ao estudo da forma de eleição dos representantes políticos, apresentando-se as diversas possibilidades de escolha dos eleitos. Por fim, tem-se uma noção do contexto de crise que marca a representação política brasileira, elencando-se os principais motivos que trazem o país a essa situação, para, a partir da teoria, buscar uma forma de solucionar os problemas do atual modelo de representação. A hipótese inicial era de que a falta de identidade entre os cidadãos e seus representantes era decorrente da falta de projetos políticos bem definidos e expostos com clareza nos períodos eleitorais. Ao final, diante dos motivos específicos desta crise, percebeu-se que uma possível solução percebeu-seria o fortalecimento dos partidos políticos, que devem elaborar programas políticos claros, a partir da ideologia que fundamenta sua existência, cabendo ao eleitor escolher aquele com o qual sua forma de pensar mais se identifica, privilegiando ideias ao invés de características pessoais de candidatos.

Palavras-chave: Representação Política; Sistemas Eleitorais; Crise de Representatividade;

(7)

This study has as its theme the Brazilian representativity crisis. Its main question is what are the reasons that have brought the country to this situation of crisis, aiming to find in the theory a possible solution for it, discovering an appropriated model to people’s political representation. Therefore, the specific purposes are to present the theoretical fundaments of political representation, to point out the various ways for electing candidates and to analyze the Brazilian model’s problems, searching a proposal of solution for the current representativity crisis. In this study was applied the deductive method with literature review in the first two chapters, and information analysis in the third chapter, based on the theory presented on the first two chapters. Initially, the study is placed on the scope of representative democracy and, after, are presented the most important elements of political representation, including its origin, concepts e theoretical fundaments. Still in the first chapter, is explained the mandate theory and are made initial considerations about the Political Party and the notions of ideology and pluralism. Secondly, the focus is on the way to elect political representatives, with many possibilities to choose the elected ones. Finally, there’s a notion of the context where the Brazilian political representation is placed on, showing the main reasons that bring the country until this situation, aiming to, after analysing the theory, find a solution to the problems of the current representation model. The initial hypothesis was that the miss of identity between citizens and its representatives resulted from the non-existence of clear political projects defended on electoral periods. At the end of the research, facing the reasons of this specific crisis, was perceived that one possible solution would be the fortification of political parties, which must criate clear political programs, based on the ideology that justifies their existence, remaining to the elector choose the one that is closest to his way of thinking, privileging ideas rather than personal characteristics of the candidates.

Keywords: Political Representation; Electoral Systems; Representativity Crisis; Political

(8)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 8

1 REPRESENTAÇÃO POLÍTICA ... 10

1.1 DEMOCRACIA ... 10

1.1.1 Formas de Democracia ... 11

1.1.2 Democracia Representativa Partidária ... 12

1.2 ORIGENS, CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA REPRESENTAÇÃO POLÍTICA ... 13

1.2.1 Origem e conceitos ... 14 1.2.2 Fundamentos Teóricos ... 16 1.3 TEORIA DO MANDATO ... 19 1.4 O PARTIDO POLÍTICO ... 22 1.4.1 Desenvolvimento histórico ... 23 1.4.2 Modelos de Partido ... 24

1.4.3 Ideologia e Pluralismo Político... 27

2 SISTEMAS ELEITORAIS ... 29

2.1 DIREITO ELEITORAL ... 29

2.2 SISTEMAS ELEITORAIS ... 30

2.2.1 Sistemas Eleitorais Majoritários ... 32

2.2.2 Sistemas Eleitorais Proporcionais... 34

2.2.3 Sistemas Eleitorais Mistos ... 41

2.2.4 Sistema Eleitoral Brasileiro ... 42

2.3 SISTEMAS PARTIDÁRIOS... 43

3 CRISE DE REPRESENTATIVIDADE ... 45

3.1 UM CONTEXTO DE CRISE ... 45

3.2 MOTIVOS DA CRISE ... 46

3.3 EM BUSCA DE UMA SOLUÇÃO ... 52

3.4 PROPOSTA DE REFORMA POLÍTICA ... 60

CONCLUSÃO ... 62 REFERÊNCIAS ... 65 ANEXO A ... 68 ANEXO B ... 69 ANEXO C ... 70 ANEXO D ... 71

(9)

INTRODUÇÃO

No Brasil, a falta de identificação entre os cidadãos e os seus representantes políticos tem gerado uma insatisfação cada vez maior por parte da população, que se mostra indignada com políticos, partidos e, por vezes, com o próprio regime democrático.

A prática tem revelado que as propostas apresentadas em campanha não passam de promessas vazias, esquecidas logo no início do exercício do mandato. A aproximação do político com os cidadãos que se propõe a representar só se dá nos momentos em que ele precisa conquistar votos, ou garanti-los para uma futura reeleição.

Considerando a política como uma atividade essencial à organização da vida em sociedade, é certo que o modelo brasileiro de representação precisa ser repensado. Isso porque a crise de representatividade que se apresenta traz inúmeros prejuízos aos cidadãos, que não se sentem motivados para participar da política e, consequentemente, decidir os rumos da comunidade em que vive.

Hoje, os eleitores escolhem seus candidatos com base nas características pessoais que mais lhes agradam. Como resultado, tem-se representantes que atuam desvinculados de qualquer programa político previamente exposto com clareza ao seu eleitorado, o que possibilita uma indesejável atuação pautada apenas em seus próprios interesses políticos, desconhecidos por aqueles que votaram nele. Ao perceber que a pessoa que ajudou a eleger não defende ideias semelhantes às suas, é natural o inconformismo do cidadão.

Esse é o problema mais amplo da atual forma de representação política adotada pelo Brasil. Assim, para pensar em uma solução, é a partir dele que as propostas precisam ser pensadas. De um modo geral, trata-se da busca por um modelo em que o eleitor tenha clareza das ideias nas quais está confiando seu voto, por serem as que mais se aproximam das suas.

O tema a ser abordado, portanto, é a crise de representatividade brasileira, questionando os motivos que trouxeram o país à situação de crise, com o objetivo de buscar na teoria uma possível solução para ela, chegando-se a um modelo adequado de representação política do povo.

Para tanto, as finalidades específicas são apresentar os fundamentos teóricos da representação política, apontar as diversas formas possíveis de eleição de candidatos e analisar os problemas do atual modelo brasileiro de representação, para buscar, a partir deles, uma proposta de solução para a atual crise de representatividade.

(10)

A hipótese inicial era de que a falta de identidade entre os cidadãos e seus representantes era decorrente da falta de projetos políticos bem definidos e expostos com clareza nos períodos eleitorais.

A abordagem será pelo método dedutivo, apresentando os dois primeiros capítulos como resultado de revisão bibliográfica e o terceiro por meio de análise de informações, feita com base na teoria exposta nos dois primeiros capítulos. Sendo assim, o primeiro capítulo tem por base a obra Introdução ao Direito Partidário Brasileiro, de Orides Mezzaroba, e o segundo capítulo é baseado na obra Sistemas Eleitorais, de Jairo Marconi Nicolau.

No primeiro capítulo, inicialmente se situará o trabalho no âmbito da democracia representativa, para, depois, serem apresentados os elementos mais importantes da representação política, incluindo sua origem, seus conceitos e seus fundamentos teóricos. Ainda no primeiro capítulo, explanar-se-á acerca da teoria do mandato e serão feitas as primeiras considerações a respeito do Partido Político e das noções de ideologia e pluralismo.

No segundo capítulo se passará ao estudo da forma de eleição dos representantes políticos, apresentando-se as diversas possibilidades de escolha dos eleitos. Trata-se do aspecto normativo da representação política. Assim, serão apresentadas algumas noções básicas de Direito Eleitoral, para aprofundar no seu elemento que mais diretamente influencia o modo de escolha dos representantes: os sistemas eleitorais.

Por fim, o terceiro capítulo iniciará com a exposição do contexto de crise que marca a representação política brasileira. Após, serão elencados os principais motivos que trazem o país a essa situação. Analisando os motivos desta crise específica, o trabalho será encerrado com a busca, na teoria apresentada nos dois primeiros capítulos, de uma forma de solucionar os problemas do atual modelo brasileiro de representação política.

(11)

1 REPRESENTAÇÃO POLÍTICA

Este primeiro capítulo tem por objetivo apresentar os elementos fundamentais da representação política. Cabe destacar que o trabalho está situado no âmbito da democracia representativa, por isso, inicialmente serão feitas algumas considerações que permitam a compreensão desta forma de regime político democrático, diferenciando-a da democracia direta e destacando o modelo que é hegemônico nos dias de hoje: a democracia representativa partidária.

Após, o estudo será direcionado ao tema central desta primeira parte, que é a representação política, expondo sua origem e seus conceitos, além dos seus fundamentos teóricos. A teoria do mandato será explorada na sequência, encerrando o capítulo com um estudo do principal ator dentro do atual sistema de representação: o Partido Político. Este será objeto de uma análise mais aprofundada ao longo de todo o trabalho, tendo em vista que seu surgimento foi um marco para a representação política.

1.1 DEMOCRACIA

A democracia é o regime político1 que se opõe à autocracia2. Junção dos radicais gregos

demos (povo) e kratos (poder), a democracia pode ser definida, superficialmente, como o governo do povo, da soberania popular. A manifestação da vontade popular pode ocorrer tanto diretamente quanto por meio de representantes.

Kleber Couto Pinto (2013, p. 167-168), em seu estudo sobre a teoria geral do Estado, elenca como principais características inerentes a um regime político democrático os seguintes elementos: participação efetiva do povo na formação da vontade do Estado, concretizando dessa forma a soberania popular; Estado de Direito fundado sobre uma Constituição, que seja preferencialmente rígida, para evitar ataques à própria democracia; constitucionalização de direitos e garantias fundamentais, especialmente os direitos civis clássicos à liberdade e à igualdade; sufrágio universal e secreto como regra; constitucionalização do princípio da

1 Regime político é a expressão que reflete o desenvolvimento de atividades ligadas ao exercício do poder

soberano, buscando o bem-estar social. Assim, manifesta a finalidade do Estado e os meios para alcançá-la. (PINTO, 2013, p. 163)

2 Autocracia é o “poder por si próprio”, regime político em que o poder está concentrado em uma só pessoa ou um

(12)

separação das funções soberanas; e forma3 republicana com mandato político eletivo e temporário.

1.1.1 Formas de Democracia

A origem da democracia se deu na Grécia Antiga, quando Clístenes fez reformas em Atenas que ampliaram o poder popular, no século VI a.C. À época, o povo decidia diretamente questões políticas fundamentais, em um modelo que em seguida foi espalhado por Péricles para toda a Grécia (FERREIRA FILHO, 2013, p. 367). Ao longo da história, o regime político foi tomando novas formas e hoje podem ser identificados três modelos de democracia: direta, indireta ou representativa e semidireta ou mista.

Na democracia direta, não há transmissão de poderes do povo a representantes. Aqueles que detêm o direito de votar são os próprios responsáveis pelo exercício das funções políticas. Essa forma de democracia hoje é bastante rara, dada a dificuldade de se estabelecer em locais com grandes populações, que são a tendência moderna (RAMAYANA, 2005, p. 47). O melhor exemplo de funcionamento atual são cantões e comunas da Suíça.

A democracia indireta ou representativa é marcada pela figura dos representantes políticos, eleitos pelo povo para mandatos com prazo determinado, com a missão de exercer as funções soberanas de administração do Estado (PINTO, 2013, p. 168). Nesse modelo, a soberania popular é delegada a quem a população entende ser capaz de melhor representar seus ideais.

Por fim, a democracia mista ou semidireta adota a ideia de exercício do poder por meio de representantes eleitos pelo povo, mas garante a possibilidade de participação popular de forma direta nas decisões do Estado (PINTO, 2013, p. 168-169). O Brasil adota este regime político, uma vez que o artigo 14 da Constituição Federal estabelece o exercício da soberania popular por meio do sufrágio universal e do voto direto e secreto, ao mesmo tempo que oferece instrumentos (plebiscito, referendo e iniciativa popular) que permitem a direta intervenção da população.

3 A forma de governo é o modo de exercício do poder pelas funções soberanas do Estado (Poderes Legislativo,

Executivo e Judiciário), com o objetivo de melhor administrá-lo. Após a expressão ter se desenvolvido historicamente de forma bastante dinâmica, hoje se identificam duas formas de governo: monarquia e república. (PINTO, 2013, p. 139-140)

(13)

Os instrumentos criados para possibilitar o exercício do poder soberano de forma direta são o plebiscito, para consulta popular acerca do melhor caminho para o Estado; o referendo, para consultar o povo quanto ao acatamento ou não de uma decisão já tomada; a iniciativa popular, para proposição de projetos de lei; o veto popular, para barrar propostas legislativas; e o recall, para anulação de qualquer decisão judicial. Para parte da doutrina, a ação popular também pode ser considerada um desses instrumentos, para fiscalização da moralidade e da eficiência da atividade pública (PINTO, 2013, p. 169-171).

Embora sejam possíveis outras classificações4, as acima apresentadas são suficientes para o objetivo a que servem neste trabalho, uma vez que permitem o entendimento das tradicionais formas do regime democrático.

1.1.2 Democracia Representativa Partidária

O desenvolvimento histórico moldou o regime político democrático até chegar à forma que temos hoje. Assim, a espécie que melhor se adaptou às condições sociais da atualidade foi a democracia representativa, ainda que possuindo elementos da democracia direta, o que poderia classificá-la com melhor rigor técnico como democracia semidireta. No entanto, considerando que os representantes políticos exercem a soberania popular com muito mais relevância do que os cidadãos diretamente, será adotada a expressão democracia representativa para denominar o modelo que existe hoje no Brasil e na maioria dos regimes democráticos pelo mundo.

Tendo em vista o que já foi exposto, passa-se a analisar a espécie de regime político sobre a qual se sustenta a ideia que será desenvolvida ao longo desta pesquisa. Trata-se da democracia representativa partidária.

Na definição de Kleber Couto Pinto (2013, p. 195), o sistema representativo é “[...] um conjunto de elementos ou instituições que possibilitam que pessoas venham a exercer, da forma mais legítima possível, em nosso nome e lugar, esse poder maior de autodestinação do Estado, esse ‘poder dos poderes’, a soberania.”.

4 A título exemplificativo, mencionam-se as classificações de Norberto Bobbio, de democracia política/social e

democracia formal/substancial, e os modelos de democracia deliberativa desenvolvidos por Jürgen Habermas (modelo two-track) e Gutmann e Thomson (com necessidade de justificativa das decisões e debate acessível a todos).

(14)

Inicialmente, a representação política se pautava no individualismo5, princípio clássico do pensamento liberal6. À época, a representação se baseava em um sujeito virtual e os órgãos representavam apenas suas próprias vontades, sendo totalmente desvinculados da vontade dos seus representados. No entanto, o modelo logo se mostrou insuficiente, pois os representados não conseguiam ver em seus representantes utilidade ou relevância. Dessa forma, os órgãos de representação eram apenas formais, uma vez que não tinham compromisso sequer com um mínimo de representatividade, agindo apenas de acordo com seus próprios interesses. (MEZZAROBA, 2004, p. 83-84)

O avanço do modo de representação política se deu em função da ampliação dos direitos políticos, agora indo além da liberdade e da igualdade, especialmente no que se refere ao direito ao sufrágio. A medida em que este foi sendo conquistado por mais grupos sociais, os representados passaram a conseguir expressar seus interesses políticos, materializando suas vontades a partir de instituições intermediárias, denominadas partidos políticos. (MEZZAROBA, 2004, p. 84)

Os partidos políticos surgem no contexto de crise do modelo liberal de representação, com o objetivo de aglutinar e concretizar a vontade dos indivíduos, disputando mandatos eletivos para fazer prevalecer as ideias dos seus representados. Assim, a figura do Partido Político aparece para aperfeiçoar o sistema representativo. Com a mudança de paradigma, passa a existir no representante político uma pluralidade de vontades, de sujeitos reais. A identidade dos representados não é mais com a personalidade de um indivíduo, mas com os princípios e programas partidários. O Partido Político se torna o elemento central da representação em razão da sua capacidade de materializar a vontade geral do grupo, visto como um todo. (MEZZAROBA, 2004, p. 84-86)

1.2 ORIGENS, CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA REPRESENTAÇÃO POLÍTICA

Após ter sido apresentada a democracia representativa partidária, regime político no qual o trabalho está situado, passa-se a analisar propriamente o assunto deste primeiro capítulo,

5 O individualismo é definido pelo economista Fernando Nogueira da Costa (2013) como “[...] a doutrina moral,

econômica ou política que valoriza a autonomia individual, em detrimento da hegemonia da coletividade despersonalizada, na busca da liberdade e satisfação das inclinações naturais.”.

6 O liberalismo surgiu como forma de insurgência frente aos abusos praticados pelos déspotas no exercício do

poder absoluto, a fim de proteger os indivíduos. Tem como principais marcos históricos a Independência dos Estados Unidos (1776) e a Revolução Francesa (1789). (COSTA, 2013)

(15)

qual seja a representação política. Para possibilitar a compreensão das questões práticas, e especialmente dos problemas atuais que envolvem o tema da representação, deve-se começar com um estudo teórico da origem, dos conceitos e dos fundamentos desse elemento essencial da democracia.

1.2.1 Origem e conceitos

Fernando Henrique Cardoso e Carlos Estevam Martins7 trazem as ideias de Hanna Fenichel Pitkin acerca do conceito de representação. Segundo a autora, os gregos não possuíam esse conceito, tanto que a palavra nem existia na sua língua. Isso porque as instituições representativas não tinham maior relevância na política da época. Ainda assim, havia momentos em que um indivíduo falava em nome de um grupo ou que determinado acontecimento era representado em um palco. (PITKIN, 1975, p. 08)

Pitkin ensina que os romanos tinham o verbo repraesentare, raiz etimológica do termo utilizado na língua portuguesa, mas que significava apenas “fazer presente”, “manifestar” ou “apresentar pela segunda vez”, quase sempre fazendo referência a objetos inanimados. Ainda que o Senado romano pudesse ser considerado o representante do povo e o imperador o representante do Estado, essa ideia não era expressada pela palavra repraesentare. (PITKIN, 1975, p. 08-09)

Ainda de acordo com a cientista política alemã, foi na Idade Média que o conceito e as instituições representativas modernas começaram a surgir. O termo latino passou a ser utilizado pelo cristianismo para tratar de uma encarnação mística, em um sentido imaterial. Foi atribuída uma conotação jurídica à palavra, para personificar coletividades. Surgiu a ideia de que o porta-voz de uma comunidade era sua corporificação, na condição de pessoa representativa. A partir daí, os reis começam a ser considerados representantes de seus reinos. Eram os primeiros passos das instituições de representação política, com os reis e os papas formando conselhos consultivos. Frisa-se, no entanto, que o surgimento da representação não estava ligado ao ideal democrático. (PITKIN, 1975, p. 09)

A razão para um importante passo da representação foi a cobrança de impostos. O parlamento inglês, por considerar que as comunidades tinham interesse na matéria, aceitou sua

7 O volume II da obra Política & Sociedade, organizada pelos sociólogos, apresenta em seu primeiro capítulo uma

tradução da parte inicial do livro Representation, de Hanna Fenichel Pitkin (Nova Iorque: Atherton Press, 1969, p. 01-21).

(16)

participação nas discussões. Assim, representantes passaram a levar os interesses das suas comunidades ao parlamento, sendo remunerado por elas e com o dever de prestar contas das suas ações ao retornar. Reivindicava-se, portanto, o direito de falar ao rei em nome do povo. É no fim do século XVI que o parlamento começa a ser tratado como representante do poder do reino, pressupondo-se que todo inglês ali esteja, em que pese ainda conter o caráter de uma representação mística. (PITKIN, 1975, p. 09-10)

A guerra civil inglesa, no século XVII, foi mais um momento importante para a evolução da representação política. Pela primeira vez, o parlamento afastou e executou um rei. Concomitantemente, aumentaram as reivindicações pelo sufrágio universal e entrou em evidência a ideia de representação. Um pouco à frente no caminhar da história, a representação vista como direito foi uma das bandeiras da independência americana e se tornou, com a Revolução Francesa, um dos direitos universais do homem. Seguindo o avanço da representação, o século XIX foi marcado pela sua institucionalização, com a introdução de instituições representativas e a ampliação do direito ao sufrágio. Foram reformadas as instituições, com a representação dos distritos, a representação proporcional e a representação funcional. (PITKIN, 1975, p. 10-10)

Na definição de Maurizio Cotta (1988, p. 272 apud MEZZAROBA, 2004, p. 20), a representação política é:

[...] uma relação de caráter estável entre cidadãos e governantes por efeito da qual os segundos estão autorizados a governar em nome e seguindo os interesses dos primeiros e estão sujeitos a uma responsabilidade política de seus próprios comportamentos frente aos mesmos cidadãos por meio de mecanismos institucionais eleitorais.

Ante o exposto acerca da forma como a ideia de representação foi vista ao longo da história, conclui-se que apesar de a existência de agentes políticos remontar aos primeiros tempos das instituições públicas e da ideia de vida em sociedade, é certo que não se tratava propriamente de representantes, uma vez que não tinham compromisso com a defesa de interesses que não os seus. Assim, a evolução da representação política se deu de forma lenta e conturbada, sendo necessárias lutas históricas para que o povo pudesse ter o direito de ser representado, que só avançou com as sucessivas conquistas de ampliação do direito ao sufrágio pelos diversos grupos sociais.

Hoje, dentro do regime democrático, a representação alcançou um nível que permite aos cidadãos escolher os agentes políticos de sua preferência e exigir que exerçam de acordo com os interesses populares o papel para o qual foram eleitos. Ainda que haja inúmeros problemas

(17)

na atualidade, não se pode negar o avanço civilizatório que significou o desenvolvimento do regime político democrático, especialmente na forma representativa e no modelo com instituições intermediárias.

1.2.2 Fundamentos Teóricos

A compreensão do fenômeno político da representação depende do seu entendimento enquanto fruto das conquistas do projeto liberal de Estado. O liberalismo surgiu da luta contra os excessos das monarquias absolutistas, a partir da ambição de ascensão social da classe burguesa. A doutrina liberal tinha quatro elementos fundamentais: liberdade, igualdade, segurança e propriedade. Sendo a propriedade privada a principal base estruturante do liberalismo, o Estado deveria garantir a plenitude desse direito, tanto contra outros indivíduos quanto contra ações do próprio Estado. (MEZZAROBA, 2004, p. 47)

A partir disso, a representação política se traduzia na manifestação dos interesses de uma pequena parcela de cidadãos. Portanto, não se tratava da defesa dos interesses da maioria da sociedade, que continuava excluída da vida política. A burguesia passa a falar em nome de toda a sociedade, em busca da harmonia entre a liberdade individual e os interesses públicos. (MEZZAROBA, 2004, p. 47-48)

Diversos autores clássicos se dedicaram ao estudo da vida em sociedade, da política e da forma de representação do povo. Assim, passa-se a analisar essas diferentes visões acerca dessa temática.

Thomas Hobbes, marco da teoria contratualista8, lança em meados do século XVII sua obra mais clássica: Leviatã. Nela, sustenta que o homem aceita viver em Estados por se preocupar com a própria conservação e por querer a garantia de uma vida mais feliz, abandonando a mísera condição de guerra, na qual compete constantemente por honra e dignidade, dando origem à inveja e ao ódio. (HOBBES, 2000, p. 123-125)

Considerando que um pacto artificial não é suficiente para garantir a paz entre os indivíduos de uma comunidade, Hobbes (2000, p. 126) defende que, para as ações humanas serem dirigidas ao bem comum, é necessário conferir toda a força e o poder a um só homem ou

8 O contratualismo é a teoria que concebe o Estado como “[...] o produto da decisão racional dos homens destinada

a resolver os conflitos gerados pelo seu instinto antissocial o para solucionar os problemas advindos da convivência.”. (DIAS, 2013)

(18)

a uma assembleia de homens, reduzindo as diversas vontades a uma só. Nas palavras do próprio autor:

[...] designar um Homem ou uma Assembléia de homens para representá-los, considerando e reconhecendo cada um como Autor de todos os atos que aquele que representa sua pessoa praticar, em tudo o que se refere à Paz e Segurança Comuns, submetendo, assim, suas Vontades à Vontade do representante, e seus Julgamentos a seu Julgamento. Significa muito mais que Consentimento ou Concórdia, pois é uma Unidade real de todos, numa só e mesma Pessoa, através de um Pacto de cada homem com todos os homens [...]

Carlos Alvarenga (2003, p. 39-41) discorre a respeito do pensamento de John Locke. Para o liberal clássico, o Poder Legislativo, no regime político democrático de forma representativa, é o poder supremo da comunidade, sagrado e inalterável, uma vez que posto por ela. Nenhuma lei tem força obrigatória se não for aprovada pelo Legislativo, tendo sido este escolhido e nomeado pelo público. No entanto, é válido destacar que em Locke a democracia era restrita, cabendo o direito à representação política somente aos proprietários, único grupo que gozava de cidadania.

Quando fala sobre a representação política, Locke parte da ideia de liberdade individual negativa, que consiste na liberdade do indivíduo para agir sem a interferência dos outros. Trata-se da esfera privada, dentro da qual é vedada a interferência do Estado. Assim, o limite do Poder Público estaria exposto na subordinação do governo à sua aprovação pela sociedade. Portanto, para Locke, a propriedade privada é inviolável e sagrada, sendo necessário o consentimento dos cidadãos para a intervenção estatal em seus bens particulares, como na imposição de impostos. Não há, dessa forma, conflito entre os interesses dos representantes e dos representados. (ALVARENGA, 2003, p. 43-44)

Enquanto em Hobbes o poder é indivisível e absoluto, em Locke já é possível ver o gérmen da separação de poderes, especialmente quando se atribui grande valor ao Legislativo, poder no qual se deposita a confiança dos cidadãos para uma atuação do Estado de modo a proteger sua propriedade. Entretanto, é Montesquieu quem sistematiza e desenvolve a teoria da separação dos poderes. Para o autor, diferente de Locke, não há uma hierarquia entre os poderes, mas um controle mútuo, assegurando o equilíbrio. O Executivo, o Legislativo e o Judiciário funcionam separadamente, mas cada um está contido nos outros. O objetivo é criar um freio, para que não haja abuso de poder. (MEZZAROBA, 2004, p. 51-52)

Montesquieu entende que o governo moderado é o que consegue garantir essa separação, sendo o melhor caminho para a conquista da liberdade política. A partir de dois

(19)

aspectos fundamentais, natureza e princípio9, o autor distingue três modalidades de governo. Cada um deles tem sua natureza determinada pela quantidade de pessoas que detêm a soberania e a forma como o poder é exercido. Por sua vez, os princípios de governo são os sentimentos que movem os indivíduos para que haja um governo harmonioso. (MEZZAROBA, 2004, p. 52-53)

Na República, que é movida pelo sentimento político da virtude, o povo controla o poder, impondo a vontade de todos. Já na Monarquia, modalidade de governo motivada pela honra, uma única pessoa exerce o poder e impõe sua própria vontade. Por fim, no Despotismo, em que o poder também é exercido apenas por uma pessoa, o medo é o sentimento que domina os indivíduos vistos como iguais, todos na condição de escravos. A virtude é entendida como o respeito às leis e a dedicação de cada um à coletividade. A honra é o respeito de cada um ao que deve, considerando sua posição social. Já o medo é o sentimento que leva à obediência, seja por um perigo real ou imaginário. (MEZZAROBA, 2004, p. 53-54)

A liberdade, em Montesquieu, é o direito de fazer o que as leis permitem. A liberdade política, para o autor, é encontrada em governos nos quais o poder é moderado, logo, limitado. Foi na Inglaterra que Montesquieu identificou a concretização desse modelo, com liberdade política e com representação política. Analisando cada uma das Potências, a Legislativa caberia a representantes da população, excluídos os estrangeiros, tendo a função de discutir questões gerais. Os representantes deveriam ter por base os interesses gerais do povo, evitando a particularização e a corporativização. A nobreza também deveria compor o corpo legislativo, a fim de dar origem a decisões equilibradas, sem a imposição de uma das classes. Os cidadãos se manifestavam por seus representantes. Considerando a desnecessidade de consulta ao povo sobre cada decisão, pode-se dizer que Montesquieu defende o mandato representativo ou virtual, como será explicado na sequência. (MEZZAROBA, 2004, p. 54-55)

A Potência Executora, exercida pelo monarca e vinculada à Potência Legislativa, é responsável pela administração geral do Estado, executando as leis postas. Já o poder de julgar seria neutro, punindo por crimes e julgando as demandas dos indivíduos. Assim, a relação entre os três poderes é de colaboração recíproca e dinâmica e as deliberações devem ser negociadas entre as Potências. A governabilidade adviria do equilíbrio entre as forças. (MEZZAROBA, 2004, p. 55-57)

9 Os dois aspectos mencionados se referem à natureza humana e suas leis. Para Montesquieu, estas possuem

estrutura lógica própria, não sendo derivadas de leis divinas, mas da razão humana, a partir da observação da realidade social. (MEZZAROBA, 2004, p. 53)

(20)

1.3 TEORIA DO MANDATO

Uma questão bastante controvertida ao longo do desenvolvimento das formulações teóricas sobre a representação política é a definição da função do representante. Apresentam-se para o debate duas correntes clássicas, que podem ser resumidas ao seguinte: uma defende a estrita vinculação do representante à vontade dos representados e a outra entende que deve prevalecer a convicção do representante, dando a ele maior liberdade. Mais recentemente, desenvolveu-se uma nova teoria, sustentando que o representante tem os seus limites definidos pelas diretrizes partidárias.

Hanna Pitkin (1975, p. 20), ao analisar as correntes clássicas, afirma que ambas estão corretas em certa medida, pois, de fato, não se pode qualificar alguém como representante se este age de modo contrário ao que defendem seus eleitores, tampouco se for um mero fantoche ou um instrumento inanimado dos representados. Nas duas hipóteses, tratar-se-ia de um representante apenas formal.

A razão para a divergência quanto à função do representante político, para Hanna Pitkin (1975, p. 20-21), deve-se ao fato de o conceito de representação estabelecer apenas limites fora dos quais não se pode considerar uma instância como representativa. Dentro desses limites, o papel do representante pode ser visto de diversas maneiras, dependendo de como se interpretam todos os problemas envolvidos (natureza das vontades, capacidades dos representantes e dos representados, relação entre a nação e suas subdivisões, o papel dos partidos políticos e das eleições, entre outros). Isso porque o tema, segundo a autora, está no campo da “metapolítica”. Tendo isso em vista, passa-se à análise das razões que levam cada corrente ao seu posicionamento. O entendimento de que o político deve ter maior independência em relação aos representados decorre da concepção de que ele é superior, em sabedoria e experiência, a estes. O foco de teóricos que pensam dessa forma é a nação como um todo, vendo soluções corretas, objetivamente determináveis pelos sábios homens de Estado, para os problemas políticos postos. Os representados são o fundamento das decisões, mas não servem como consultores, tampouco se deve obediência a eles. (PITKIN, 1975, p. 21)

Por outro lado, quando se vê igualdade de capacidade e sabedoria entre representantes e representados, entende-se como arbitrário que os primeiros ignorem as opiniões e os desejos dos segundos. Nesse sentido, entende-se que os problemas políticos envolvem preferências pessoais, escolhas políticas em detrimento da deliberação, gerando a necessidade de consulta

(21)

aos representados para se extrair deles suas preferências. O foco são os interesses pessoais ou locais, atuando o representante como crítico do poder central, não necessariamente como parte desse. (PITKIN, 1975, p. 21-22)

De acordo com o relato de Beatriz Tomás Mallén (2002, p. 83), a representação do período medieval até a Revolução Francesa era uma relação pessoal entre mandatário e mandantes, baseada no Direito Privado, com observância obrigatória das instruções passadas pelos representados, sob pena de revogação do mandato, com possibilidade até mesmo de responsabilização patrimonial. A vinculação era tão grande que frequentemente as assembleias de mandatários eram encerradas pela impossibilidade de negociação, uma vez que não era possível alterar os exatos termos definidos pelos mandatários após a deliberação destes. Tratava-se do chamado mandato imperativo

A autora aponta o parlamentarismo inglês como o primeiro modelo a perceber a necessidade funcional de um mandato independente, em face da inviabilidade prática de serem convocadas assembleias de representados antes de cada questão que seria tomada no parlamento. A ideia teria surgido com Sir Edward Coke (1552-1634), segundo o qual “[...] quando se senta no Parlamento, serve ao conjunto do reino.”. (MALLÉN, 2002, p. 84)

Quem melhor expressou essa concepção de mandato representativo foi Edmund Burke, em discurso feito em 3 de novembro de 1774, logo após sua eleição para o Parlamento inglês pela cidade de Bristol. Na ocasião, sustentou que respeitaria a vontade dos representados, mas sem estar sujeito às suas imposições. Para defender essa ideia, Burke (2012, p. 100) apresentou as seguintes razões:

Certamente, cavalheiros, deveria ser a felicidade e a glória de um representante viver na mais estreita união, na mais próxima correspondência e na menos reservada comunicação com seus representados [constituents]. Seus desejos deveriam ter grande peso para ele; suas opiniões, grande respeito; seus negócios, incansável atenção. É seu dever sacrificar seu repouso, seu

prazer, suas satisfações, em benefício deles – e, acima de tudo, sempre, e em

todos os casos, preferir os interesses deles aos seus próprios.

Mas sua opinião desenviesada, seu julgamento maduro, sua consciência esclarecida, ele não deveria sacrificar por vocês, por qualquer homem, ou por qualquer conjunto de homens viventes. Esses atos que ele pratica não derivam do prazer de vocês – não, nem da lei ou da Constituição. Eles são uma confiança na Providência, por cujo abuso ele é profundamente responsável. Seu representante deve-lhes não somente sua diligência, mas seu julgamento; ele trai-os, em vez de servi-los, caso ele sacrifique seu julgamento em favor da opinião de vocês.

(22)

Burke (2012, p. 101) entende o Parlamento como a assembleia deliberativa da nação, regida pelo interesse de todos e guiada pelo bem comum, como resultado da razão geral da totalidade. Sustenta que o governo não é uma questão de vontade, pois, assim como a legislação, é tema de razão e julgamento, não de inclinação. Discorda que o posicionamento deva vir antes da discussão no Parlamento e que a deliberação e a decisão sejam feitas por grupos diferentes. É comum a crítica a Burke pelo elitismo de suas ideias, uma vez que coloca o representante em condição de superioridade, cabendo a representação no parlamento ao pequeno grupo capaz de tomar decisões em nome de toda a nação10.

Na França, o mandato imperativo foi abandonado com a convocação dos Estados Gerais, em 1789, pelo rei Luís XVI. A partir de então, os deputados passaram a ter um mandato de caráter mais geral, podendo propor, debater, negociar e buscar soluções para os problemas do país. Beatriz Mallén (2002, p. 84-85) destaca um ponto interessante, de ter sido a própria monarquia a responsável pela mudança, não a assembleia burguesa, como se poderia esperar, uma vez que tinha o desejo de se emancipar de seus eleitores.

Caminhando nesse sentido, a Constituição francesa de 1791, pós-revolução, alterou profundamente a antiga forma de representação política, pois transformou cada deputado em representante de toda a nação, ampliando seus poderes, e deu à assembleia de deputados o caráter de corpo deliberativo, deixando de ser mera instância de solicitações de reformas ao rei. (MALLÉN, 2002, p. 85)

No entanto, ainda que a passagem do mandato imperativo para o mandato representativo tenha levado à ideia de representação da totalidade da nação, deve-se deixar claro que ela não significou a ampliação das classes realmente representadas nos parlamentos. Essa necessária transformação só começou com a extensão do direito ao sufrágio a outras camadas da sociedade e o surgimento dos partidos de massas. Passou-se a questionar a representação do ente abstrato chamado nação, dando origem a um movimento em favor da representação proporcional nos parlamentos. (MALLÉN, 2002, p. 87-89)

A mobilização em favor da representação proporcional começou a tomar forma na Europa no final do século XIX, tendo como objetivo o parlamento ser o reflexo mais fiel possível do povo que representa, dando a cada ideologia presente na sociedade espaço proporcional na instância representativa. Somente assim seria possível identificar a vontade política efetiva do povo. Esse movimento reforçou a importância dos partidos políticos, pois o

(23)

aspecto mais importante para conseguir se eleger não seria a personalidade do candidato, mas sua lealdade ao partido. (MALLÉN, 2002, p. 89)

Esse contexto favoreceu a possibilidade de criação de novos partidos, a fim de dar representatividade a grupos pequenos da sociedade. Com o desenvolvimento dessa nova forma de representação, o Partido Político se tornou o protagonista da relação representativa. A ideia de mandato partidário levou autores como Kelsen, Leibholz e Schmitt a formular um novo modelo: a Democracia de Partidos ou Estado de Partidos (MALLÉN, 2002, p. 89-90). Este será melhor explicado na sequência do trabalho.

Sendo assim, quanto ao papel dos representantes políticos, diferenciam-se três correntes teóricas. A primeira é a do mandato imperativo, que não dá ao representante margem para atuação fora dos rígidos limites definidos pelos representados. Já o mandato representativo permite que o representante aja com base nos desejos gerais os cidadãos, mas sem precisar consultá-los diretamente. Recentemente, desenvolveu-se a teoria do mandato partidário, pela qual as ideias devem ser debatidas dentro dos partidos políticos, cabendo a eles o protagonismo e vinculando a atuação nos parlamentos às diretrizes partidárias.

1.4 O PARTIDO POLÍTICO

O Partido Político tem, hoje, papel fundamental na representação política. Tanto é assim que, no Brasil, a Constituição Federal, no artigo 14, § 3º, V, estabelece a filiação a partido político como condição de elegibilidade e caput do artigo 9º da Lei nº 9.504/97 obriga à filiação, pelo período mínimo de seis meses, aquele que deseja concorrer às eleições.

Ainda que alguns sistemas, o que não é o caso brasileiro, aceitem candidaturas desvinculadas de entidades representativas, fato é que a existência e a relevância do Partido Político são uma realidade por todo o mundo, nas mais variadas formas.

Tendo esse contexto em mente, começa agora uma análise acerca desse fenômeno no campo da representação política que vai ser retomada em vários momentos do trabalho. Inicialmente, serão apresentados o desenvolvimento histórico, os modelos de partidos e as noções de ideologia e pluralismo político, fundamentais para a compreensão do Partido Político e do princípio democrático.

(24)

1.4.1 Desenvolvimento histórico

Na Antiguidade Clássica11, quando a democracia ainda dava seus primeiros passos, existia na Grécia a organização de homens livres em grupos que se posicionavam a favor ou contra certas personalidades. Seus membros delegavam poderes a alguém que seria o defensor de seus interesses. Por não se tratar de uma estrutura organizada com princípios programáticos bem definidos, o termo que melhor define esses grupos é facção12. A Idade Média marcou a inexistência de organizações políticas fortes, em face da não participação nas decisões dos estamentos mais baixos, quais sejam os servos, campesinos e depois a burguesia ascendente. (MEZZAROBA, 2004, p. 87-88)

Entre o período medieval e a formação dos Estados constitucionais, uma nova forma de discussão das decisões políticas surgiu e grupos adversários começaram a ter seus anseios atendidos pelos monarcas. Nesse cenário, vem à tona o ideal de elevação dos súditos à condição de cidadãos. A lei passaria a reger também as atitudes do soberano. O início das organizações políticas foi marcado pela autodefesa diante da exploração, sem maior preocupação com a definição de uma política de governo. Duas teorias tentam explicar o surgimento das organizações. (MEZZAROBA, 2004, p. 88-89)

Para a teoria interna, os agrupamentos tiveram sua origem no fracionamento político do Parlamento, quando passaram a buscar o apoio das parcelas da sociedade que seriam representadas por eles. Os partidos teriam surgido, então, de grupos parlamentares e comitês eleitorais, atuando aqueles no Parlamento e estes junto ao povo, especialmente para conseguir o apoio das classes que haviam acabado de conquistar o direito ao sufrágio. Já para a teoria externa, o Partido teria nascido fora do Parlamento, a partir da organização social de indivíduos que almejavam a participação política. Seria o Partido, portanto, o início de uma nova estrutura social, em que a vontade coletiva se tornaria universal. (MEZZAROBA, 2004, p. 89-90)

A teoria externa apresenta uma perspectiva do surgimento do Partido Político enquanto um fenômeno a nível mundial, por ele ser o ponto de contraposição de ideias, onde se desenvolveria a consciência política. Qualquer que seja a concepção teórica, o Partido marca o posicionamento da sociedade em favor da transformação da estrutura política, passando a

11 Compreende o período aproximadamente entre o século VIII a.C. e a queda do Império Romano do Ocidente,

em 476 d.C.

12 É a separação de um subgrupo do grupo maior. Atribui-se a essa atitude caráter negativo, uma vez que valoriza

interesses de uma pequena parcela em detrimento de toda a coletividade. No entanto, consideram-se as facções como precursoras do Partido Político. (MEZZAROBA, 2004, p. 93-94)

(25)

aglutinar e harmonizar vontades individuais, para que se tornem coletivas. Em meados do século XIX, o Partido Político se torna o principal instrumento de mediação entre sociedade e Estado, a fim de transformá-lo, levando à sua socialização. (MEZZAROBA, 2004, p. 90)

1.4.2 Modelos de Partido

Há diferentes ordens organizativas que podem ser seguidas pelos partidos políticos, determinadas por uma série de fatores. O principal deles é o ambiente no qual cada partido atua. Portanto, não há apenas uma forma de constituição enquanto grupo político, mas diversas possibilidades. Assim, devem ser analisados alguns dilemas organizativos para que seja possível a compreensão dos tipos de partidos políticos. (PANEBIANCO, 2005, p. 33)

Angelo Panebianco (2005, p. 12-13) apresenta como primeiro dilema o modelo racional em oposição ao modelo do sistema natural. Um partido que segue o modelo racional é concebido como um instrumento para a realização de objetivos específicos. Assim, seus membros participam da organização motivados por uma causa comum. O modelo do sistema natural foi idealizado a partir das seguintes críticas ao modelo racional: dificuldade prática de definir os objetivos; a pluralidade de objetivos dos integrantes; e o objetivo dos dirigentes, em muitos casos, ser apenas a manutenção da própria organização.

O novo modelo concebe o partido como uma estrutura que responde e se adapta às múltiplas demandas dos seus integrantes, procurando um equilíbrio entre elas. A função dos membros passa a ser a mediação de interesses. Três consequências são apontadas para esse modelo: os objetivos organizativos são uma forma de ocultar os reais objetivos da organização; os objetivos são apenas o equilíbrio de interesses, sem significar os reais objetivos em competição; e o único objetivo que acaba sendo comum é a sobrevivência da organização. (PANEBIANCO, 2005, p. 14)

Apesar de aparentarem uma oposição de ideias, Panebianco (2005, p. 15) entende que se trata de uma sucessão de momentos comum nos partidos. No primeiro momento, quando há forte vinculação com uma causa, o modelo é o racional. Com o passar do tempo, o partido cresce, burocratiza-se e passa a abarcar uma série de interesses, ensejando o desenvolvimento do modelo do sistema natural.

O segundo dilema trata dos incentivos, que podem ser coletivos ou seletivos. Os incentivos são benefícios ou promessas de benefícios futuros feitas pelos líderes organizativos.

(26)

Os incentivos coletivos estão ligados a uma possibilidade igualitária de participação, motivada pela identificação com determinada causa. Já os incentivos seletivos se referem ao poder e ao status dentro da organização. Para a primeira corrente, os incentivos devem ser igualmente distribuídos, enquanto para a segunda somente alguns integrantes devem recebê-los. Panebianco entende que o ideal é a conciliação dos incentivos, a fim de satisfazer interesses individuais por meio dos incentivos seletivos e ao mesmo tempo alimentar a lealdade, relacionada aos incentivos coletivos. (PANEBIANCO, 2005, p. 17-20)

O terceiro dilema está na forma de relacionamento do partido com o ambiente externo. Nesse aspecto, há diversas teorias, algumas que dão maior ênfase à tendência das organizações à adaptação ao ambiente em que se inserem, com maior ou menor passividade, e outras que destacam a tendência das entidades ao domínio do ambiente, adaptando-o a si e, consequentemente, transformando-o. Para o autor, os partidos adotam diferentes posturas nos diferentes ambientes, o que afasta a polarização extremada entre as teorias. Percebe-se, assim, uma relação entre os incentivos seletivos e a adaptação ao ambiente, bem como entre a lealdade fruto dos incentivos coletivos e o domínio do ambiente. (PANEBIANCO, 2005, p. 21-26)

Por fim, é apontado o dilema entre liberdade de ação e coerções organizativas. Nesse caso, a discussão se dá em torno do grau de autonomia dos dirigentes para o comando da entidade. Enquanto em alguns partidos a liberdade de ação dos líderes é bastante ampla, tomando decisões relevantes e definindo os objetivos organizativos por conta própria, em outros a atuação dos líderes tem pouca margem para discricionariedades, estando fortemente vinculada à vontade da base partidária. Panebianco sustenta que também esse dilema deve ser relativizado, pois vê nos partidos coalizões de interesses. Sendo assim, a atuação dos líderes sempre seria o resultado de negociações internas. Por outro lado, afirma que sempre haverá liberdade para manobra dos líderes, em todas as instâncias da organização. (PANEBIANCO, 2005, p. 26-28) O autor identifica três fases em um partido: a gênese, a institucionalização e a maturidade. A primeira está em direta oposição de características em relação à última. Assim, a gênese é marcada pelo modelo racional, prevalecem os incentivos coletivos, há ampla liberdade de manobra dos líderes e a estratégia é o domínio sobre o ambiente. Após a institucionalização, o partido passa a adotar o modelo do sistema natural, prevalecem os

(27)

incentivos seletivos, a liberdade de atuação dos líderes é restrita e a estratégia é de adaptação ao ambiente.13 (PANEBIANCO, 2005, p. 38)

Bruno Kneipp (2002, p. 06-10) apresenta quatro elementos que influenciam internamente a vida partidária: estrutura, organização, participação e estratégia. Com base na teoria de Maurice Duverger, o autor afirma que a partir desses elementos é possível estudar a tipologia dos partidos políticos sob duas perspectivas. Na primeira14, há partidos de quadros e partidos de massa, diferenciando-se pela estrutura, não pelo porte. Os partidos de quadros surgiram primeiro, não têm atividade continuada, mas praticamente com fim unicamente eleitoral (essencialmente, são partidos conservadores, liberais e radicais). Já os partidos de massa foram criados por movimentos socialistas (em regra, partidos comunistas e fascistas). Sua atividade continuada, não apenas eleitoral, o que justifica a participação em sindicatos e organizações estudantis. A segunda perspectiva é sobre sistemas de partidos, abrangendo sistemas pluralistas, como o multipartidarismo e o bipartidarismo, e sistemas de partidos únicos e partidos dominantes.

Angelo Panebianco (2005, p. 510-513) apresenta a crítica de Otto Kirchheimer ao entusiasmo de Duverger com os partidos de massa. Segundo o crítico, os tradicionais partidos de massa se tornavam, ao longo de sua existência, partidos pega-tudo. Estes seriam o desvirtuamento dos partidos de classe, tornando-se escritórios eleitorais afastados da ideologia na qual haviam se fundado os partidos, com maior abertura à influência de grupos de interesse, com redução da militância política de base, fortalecimento dos líderes e relação com o eleitorado enfraquecida e descontínua.

Panebianco (2005, p. 513), seguindo a linha crítica de Kirchheimer, conclui que os partidos burocráticos de massa, com o passar dos anos, profissionalizavam-se. Enquanto no período em que os partidos eram burocráticos os líderes tinham estreita relação com os filiados, com a profissionalização o foco passa a ser os eleitores, para isso, os partidos passaram a se constituir de técnicos dotados de conhecimentos especializados.

Dessa forma, o tradicional partido burocrático de massa se caracterizava pela centralização da burocracia, com ligações organizativas verticais fortes, contando com um eleitorado fiel, predominavam dirigentes internos, o financiamento era feito pelos filiados e se

13 O Anexo A deste trabalho apresenta o quadro desenhado por Angelo Panebianco para ilustrar as fases do Partido

Político.

14 A Tabela 01, no Anexo B deste trabalho, ilustra os tipos de partidos e suas características. Foi elaborada por

(28)

dava ênfase à ideologia. Por sua vez, o partido profissional-eleitoral é marcado pela centralização de profissionais, com ligações organizativas verticais fracas, apelando a um eleitorado de opinião, com direções personalizadas e representantes públicos, sendo financiado por grupos de interesse e fundos públicos e dando ênfase a lideranças, com foco em carreiristas. (PANEBIANCO, 2005, p. 514)

1.4.3 Ideologia e Pluralismo Político

Embora se possa atribuir um significado negativo15 ao termo ideologia, dando a ele a

definição de deformação da realidade ou de consciência falsa, com o uso de instrumentos para a sustentação de relações de dominação, este trabalho adota uma concepção que pode ser considerada mais imparcial, reduzindo o significado de ideologia a visão de mundo ou um conjunto de ideias que buscam o mesmo objetivo. Isso porque o objetivo neste momento é diferenciar os partidos de acordo com a forma como entendem o mundo.

Bruno Kneipp (2002, p. 39), apresentando as ideias de Jorge Xifra Heras e José Alfredo Baracho, afirma que a política, enquanto princípio ativo e dinâmico, deve reunir as diversas facetas do ser humano e da realidade social. Para caracterizar-se um regime político, são necessários aspectos ideológicos, visões críticas em oposição a uma análise simplista e vazia dos órgãos do governo e das atividades por ele desenvolvidas.

Para que um sistema seja legítimo, é necessário que ele encontre respaldo nos ideais da população. Sendo assim, para que as vontades do povo sejam devidamente manifestadas nos parlamentos, a fim de possibilitar a adequação dos rumos da nação ao que os cidadãos entendem ser o melhor caminho, a política deve ser estruturada por partidos coerentes e bem determinados ideologicamente. A ideologia, portanto, deve ser o substrato concreto da construção partidária, justificando sua própria existência enquanto Partido Político. (KNEIPP, 2002, p. 6 e 40)

Tem tamanha importância a firmeza de posicionamentos divergentes, que o pluralismo político foi alçado ao grau de fundamento da república brasileira pelo artigo 1º, V, da Constituição Federal. Trata-se de um elemento inerente ao Estado democrático de Direito. No entanto, o Partido Político, entidade que deveria ser responsável por levar a diversidade de pensamentos aos órgãos representativos, embora constitucionalizado, não foi reconhecido pelo

15 A teoria crítica da ideologia tem como principais adeptos Karl Marx, John Thompson e pensadores da Escola

(29)

legislador como cooperador no processo de formação da vontade do Estado. O Partido não teve sua função definida dentro do sistema jurídico-político brasileiro. Dessa forma, a prática revela que a função do Partido Político no Brasil se reduziu a mero instrumento para permitir a elegibilidade de candidatos. (MEZZAROBA, 2006, p. 96-97)

Citando Norberto Bobbio, Kneipp (2002, p. 18) afirma que a sociedade é melhor governada quando mais se reparte o poder e maior é o número de centros de poder que controlam os órgãos do poder central. A presença de corpos intermediários em maior número afasta o Estado de um governo despótico, pois apresenta oposição ao governante e desconcentra o seu poder.

Assim, fica evidente a necessidade da clara definição das ideologias partidárias, para que se juntem aos partidos pessoas que realmente pensem da mesma forma e se sintam representadas pelos membros eleitos pela organização política. É sobre a pluralidade ideológica que devem se estruturar os órgãos de decisão política. É esse o principal papel do Partido Político, ou seja, aglutinar pessoas com a mesma forma de ver o mundo e levar ao parlamento a ideologia daqueles que são representados por ele. Tendo isso em vista, é necessário pensar qual seria a melhor forma para fazer chegar ao parlamento cada uma das ideologias presentes na sociedade, de modo que todo o conjunto social esteja representado na hora da tomada de decisões políticas.

(30)

2 SISTEMAS ELEITORAIS

Apresentados os fundamentos da representação política e os seus principais elementos, agora se passa à análise das regras que definem quem representará os cidadãos nas instâncias de tomada de decisões políticas. Assim, este segundo capítulo tem por objetivo estudar o direito eleitoral, especialmente no que concerne aos sistemas eleitorais, por se tratar do caminho a ser percorrido pelos cidadãos para que cheguem à condição de representantes políticos.

Portanto, o trabalho passa da análise da teoria da representação política para o estudo de aspectos normativos relacionados à representação.

2.1 DIREITO ELEITORAL

O direito eleitoral é um ramo do direito público, tendo como fonte principal a Constituição Federal. Trata-se da forma de materialização do direito ao sufrágio, abrangendo a capacidade (ativa – alistabilidade) de eleger alguém e a capacidade (passiva – elegibilidade) de ser eleito. É a regulamentação, partindo de uma outra perspectiva, do direito de participar do governo, sujeitando-se à filiação e organização partidária e à preparação, organização e apuração das eleições (CERQUEIRA; CERQUEIRA, 2011, p. 67).

Marcos Ramayana (2005, p. 30) conceitua este ramo do Direito nos seguintes termos: O Direito Eleitoral é um conjunto de normas jurídicas que regulam o processo de alistamento, filiação partidária, convenções partidárias, registro de candidaturas, propaganda política eleitoral, votação, apuração, proclamação dos eleitos, prestação de contas de campanhas eleitorais e diplomação, bem como as formas de acesso aos mandatos eletivos através dos sistemas eleitorais.

Na metáfora apresentada por Thales Cerqueira e Camila Cerqueira (2011, p. 67), o direito eleitoral é como um posto de gasolina, não como uma garagem. Isso porque o seu objetivo é de meio, não de fim. Ele deve se aperfeiçoar para levar à condição de representantes políticos as pessoas mais adequadas, mas, ainda que possa ser considerado um sistema ideal, nunca significará a certeza de bons representantes. O direito eleitoral, portanto, trata de forma, não de conteúdo.

Marcos Ramayana (2005, p. 33) apresenta a abordagem bastante prática de Douglas Rae, segundo a qual as leis eleitorais regulam o meio através do qual as preferências são manifestadas por votos, que são convertidos em parcelas da autoridade governamental,

(31)

representadas por cadeiras parlamentares, que são distribuídas entre os partidos políticos em disputa nas eleições.

Também de Marcos Ramayana (2005, p. 18) se extrai a seguinte passagem, que evidencia a instrumentalidade do Direito Eleitoral, enquanto conjunto de regras regulamentadoras da representação política:

Sendo esta, portanto, a precípua missão do Direito Eleitoral, ou seja, instrumentalizar, interligar o universo de eleitores com o melhor aperfeiçoamento dos mecanismos eletivos, sua gradativa evolução está historicamente vinculada ao fenômeno da “representatividade”, com a exteriorização do voto na escolha dos chefes e representantes políticos. No Brasil, o direito eleitoral tem como fonte principal a Constituição Federal e como fontes secundárias, principalmente, o Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65), a Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97), a Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar nº 64/90) e a Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/95). Outras fontes são as consultas16 feitas aos Tribunais Regionais Eleitorais e ao Tribunal Superior Eleitoral, na forma definida no Código Eleitoral, e as Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral.

Cabe destacar, também, que a Constituição Federal estabelece a competência privativa da União para a edição de normas de direito eleitoral (artigo 22, I) e a impossibilidade de criação de regras de direito eleitoral e partidário por meio de Medida Provisória (artigo 62, I, a).

2.2 SISTEMAS ELEITORAIS

Na definição de Marcos Ramayana (2005, p. 130), sistema eleitoral “É um conjunto de técnicas legais que objetiva organizar a representação popular, com base nas circunscrições eleitorais (divisões territoriais entre Estados, Municípios, Distritos, bairros etc.).”. Assim, o sistema eleitoral é a definição da forma como os representantes políticos serão eleitos.

A adoção de um sistema é a escolha do caminho, que tem como ponto de chegada as instâncias representativas. A opção por um ou outro sistema importa em significante diferença

16 Apesar de o Poder Judiciário não atender a fins consultivos, o Código Eleitoral (artigos 23, XII, e 30, VIII)

admitiu a possibilidade de consultas aos tribunais eleitorais na forma hipotética. Embora o tribunal possa mudar o seu posicionamento ao julgar um caso concreto, as decisões tomadas em sessões administrativas a partir das consultas formuladas pelas pessoas autorizadas são forte argumento para sustentar determinada tese. Trata-se de uma interessante forma de prevenir problemas futuros relacionados à interpretação da lei.

(32)

quanto aos candidatos que serão eleitos, o que faz o tema merecer destacada importância, para que se escolham representantes que melhor atendam aos anseios da sociedade.

Inegavelmente, os sistemas eleitorais estão fortemente ligados à forma de organização dos partidos políticos. Nesse campo, há uma discussão entre duas correntes teóricas. A primeira entende que o sistema eleitoral influencia as relações de poder no interior do partido. Por outro lado, a segunda corrente sustenta que o sistema eleitoral consiste em um reflexo das relações de força entre os grupos internos dos partidos. Adotando uma posição intermediária e dialética, Panebianco (2005, p. 393-394) defende a seguinte posição:

São as relações de força entre os diferentes grupos, a distribuição do poder que se realiza no interior do partido que influenciam na escolha de um ou outro tipo de sistema eleitoral. Mas, uma vez feita tal escolha, o sistema eleitoral adotado retroage, ao menos em certa medida, às relações de força entre os grupos. Se a coalizão dominante é composta por muitas facções, é provável que o acordo entre as facções faça com que se tenda à adoção de um sistema proporcional que melhor salvaguarde o peso de cada facção. Uma vez adotado, o sistema proporcional fortalece o faccionismo e, às vezes, encoraja a proliferação de novas facções e/ou permite seu fortalecimento organizativo. Angelo Panebianco (2005, p. 411) identifica este cenário de disputa política em busca de eleitores como a arena eleitoral. É nela que se desenvolve a competição entre os partidos pelo controle dos votos, tendo vários níveis de estabilidade e de complexidade. Esses níveis, por sua vez, influenciam o grau de hostilidade ou liberalidade entre o ambiente eleitoral e os partidos.

Se a arena eleitoral é estável, sendo relativamente previsível a distribuição dos votos entre os partidos em disputa, pode-se esperar maior coesão e estabilidade das coalizões dominantes dos partidos. Por outro lado, uma arena turbulenta é caracterizada por fortes alterações nas relações de forças entre os partidos e pela imprevisibilidade do controle dos votos, trazendo dificuldades para a coalizão dominante, que, inclusive, terá mais tensões internas e maior divisão entre os grupos que compõem os partidos. (PANEBIANCO, 2005, p. 411-412)

Nesse contexto, torna-se necessário definir regras para a disputa entre aqueles que se dispõem a ocupar cargos de representação política. A partir da fórmula eleitoral utilizada17, ou seja, a partir de como os votos são contados a fim de distribuir as cadeiras em disputa, é possível

17 Existem outras maneiras de classificar os sistemas eleitorais. No entanto, a classificação a partir da fórmula

Referências

Documentos relacionados

Local de realização da avaliação: Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação - EAPE , endereço : SGAS 907 - Brasília/DF. Estamos à disposição

Desta forma, a qualidade higiênico-sanitária das tábuas de manipulação dos Laboratórios de Técnica Dietética, Tecnologia de Alimentos e Gastronomia e das

Este trabalho é resultado de uma pesquisa quantitativa sobre a audiência realizada em 1999 envolvendo professores e alunos do Núcleo de Pesquisa de Comunicação da Universidade

Esta realidade exige uma abordagem baseada mais numa engenharia de segu- rança do que na regulamentação prescritiva existente para estes CUA [7], pelo que as medidas de segurança

Trabalhos iniciais mostraram que os fungos que apresentaram maior crescimento em meio contendo tanino como única fonte de carbono são promissores na produção da

MELO NETO e FROES (1999, p.81) transcreveram a opinião de um empresário sobre responsabilidade social: “Há algumas décadas, na Europa, expandiu-se seu uso para fins.. sociais,

Os gerentes precisam decidir se atribuirão apenas os custos privados, ou se todos os custos sejam atribuídos (custo total). Depois, precisam decidir usar uma abordagem por função

a) O polícia disse um palavrão, após ter saído da casa de Adrian. Corrige as falsas.. A mãe também está com gripe. “Quase que não consegui ficar calado quando vi que não