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Movimento Sindical – páginas de história e memória

No documento Escrita subsiva: O Democrata (páginas 162-168)

Jornalista, militante do partido

2.6 Movimento Sindical – páginas de história e memória

A articulação do jornal com o movimento operário era uma das mais importantes inserções do impresso comunista no mundo do trabalho. Percebi essa postura do jornal desde as primeiras leituras, ao visualizar as manchetes e títulos voltados às questões de denúncias e reivindicações – “Ferroviários dirigem-se a Luiz Carlos Prestes”217; “Calçamento para ligar os subúrbios proletários de Fortaleza – Não é este o momento ideal para prefeitura construir galerias e prolongar avenidas bonitas no centro da cidade – Medidas que se impõem”218; “Os

sindicatos do Ceará mobilizam-se para lutar contra a paralização das obras do porto”219.

Entretanto, espaço privilegiado no vespertino chamou atenção pela maneira de instruir e até procurar mobilizar a classe trabalhadora. Trata-se da página “Movimento Sindical”, cujo conteúdo estava dividido entre as agendas de encontros dos sindicatos e associações; dicas e informações sobre a legislação trabalhista; matérias sobre as questões relativas aos trabalhadores da capital e interior, além de informes internacionais. O material apresentava o rico cenário de formação dos mais variados sindicatos cearenses, após legalidade do Partido Comunista. Sindicatos, associações, células do partido, enfim, ali pareciam ser ponto de confluência das ações organizativas:

“Esta secção é dedicada á divulgação mais ampla das atividades sindicais no Estado do Ceará. Os sindicatos e as organizações operarias de qualquer tipo poderão dispor, deste modo, do espaço suficiente, neste jornal do povo e do proletariado, para o noticiário completo em torno de suas reuniões, assembléias e de todos os problemas que interessem á classe operaria. Toda correspondencia dos sindicatos sobre assunto dessa

217 O Democrata, 01/03/1946, p. 1. 218 O Democrata, 11/04/1946, p. 8. 219 O Democrata, 20/04/1946, p. 1.

natureza, deve ser remetida para a secção << Movimento Sindical >>, redação de O DEMOCRATA”220.

Como mostra o texto, a coluna possibilitava arregimentar os trabalhadores pela divulgação das ações da militância sindical. Para isso, a direção do impresso comunista poderia entender que a página dedicada aos trabalhadores era espaço de leitura das entidades que não encontravam acolhida nos jornais de Fortaleza. A estratégia do partido estava voltada à criação de novas entidades de classe, o que justificaria a existência de um espaço exclusivo dedicado para divulgação das ações sindicais. Esta avaliação está baseada nos informes nacionais do partido, que orientavam a criação de instituições e pedia para “desenvolver condições junto ás massas”:

“Aproveitar e desenvolver condições junto ás massas para criação de Sindicatos ou Associações Profissionais, Cooperativas Mixtas, Comitês Populares Democráticos, Ligas Camponesas, Sociedade Beneficentes, Clubes Recreativos e Esportivos, Centros Culturais e levantar as organizações de massa existentes, mas inativos, inclusive os religiosos”221.

A página “Movimento Sindical”, espaço de leitura destinado à classe trabalhadora, tinha condições de mobilizar e arregimentar novos filiados para as entidades ou até mesmo criar novas instituições, tendo em vista que o foco direcionado de leitura atendia a segmento especializado. O alcance do meio impresso, nas demais cidades do interior do Ceará, abria o leque de atuação da página, para atender à população desprovida de informações do meio sindical. A possibilidade de atender também ao núcleo do operariado engajado nas ações da militância, demonstra ainda a articulação do jornal com as tarefas partidárias. A seção fazia um trabalho de serviço na imprensa cearense, prestando informações aos trabalhadores mais carentes – “Bolsa de Estudo para formação

220 O Democrata, 01/03/1946, p. 3. 221 O Democrata, 01/03/1946, p.2.

de operarios”222. A matéria sobre bolsa de estudo trazia dicas e informações às pessoas interessadas em participar do curso de formação técnica no Senai, em Fortaleza. Desta maneira, o jornal comunista cumpria o papel de prestador de serviços à comunidade, buscando preparar os leitores para encaminhá-los ao mercado de trabalho. Essa aproximação possibilitaria conquistar futuros leitores, simpáticos à postura do jornal.

Os mais variados temas eram abordados na coluna Movimento Sindical, o que caracterizava o espaço como fonte de informação do trabalhador. Questões relativas à ordem mundial do trabalho, protestos na cidade de Fortaleza e, até mesmo, orientações sobre manifestações faziam, da página quatro, elo entre o jornal e os trabalhadores. Pensar na perspectiva do universo de lutas do operariado, ajudava a construir naquela folha uma agenda com as reuniões e horários dos encontros nas entidades. A coluna poderia ser caracterizada como verdadeira cartografia do movimento sindical:

“Os sindicatos de Fortaleza unidos numa poderosa entidade de classe”(O Democrata, 04/03/1946, p.4)

“Rebentou uma greve geral dos trabalhadores Uruguaios” (O Democrata, 06/03/1946, p.4)

“Os Sindicatos do mundo inteiro contra a política de blocos” (O Democrata, 17/04/1946, p.4)

“Como o proletário e o povo devem comemorar o 1º. de Maio” (O Democrata, 27/04/1946, p.4)

“Uma grande noitada, hoje, na Feira de Amostras – Hoje o ‘O Pote da Felicidade’ e amanhã ‘Corrida de Jumentos” (O Democrata, 27/04/1946, p.4)

Tamanha amplitude de cobertura discorria sobre questões curiosas, a exemplo da abordagem no tópico de “Orientação Sindical” - “A unidade sindical não será fruto de um decreto e nem cairá por descuido nas mãos dos

trabalhadores. Será conquistada na luta sem tréguas pela melhoria das condições de vida dos trabalhadores e nas campanhas de sindicalização, pela liberdade e autonomia para os sindicatos”223. Além de orientações e dicas, naquele espaço informativo das questões sindicais, era permitida a publicação de editais, notificando empresas a efetuarem o desconto do imposto sindical dos empregados.

Fazer a articulação entre os comunistas e as entidades de classe poderia ser um dos objetivos daquela página diária. Para tanto, os camaradas pareciam costurar estrategicamente os espaços de luta na escrita subversiva. Nas leituras do jornal, é possível observar os redutos das bases políticas do PCB, no meio sindical. O partido tinha ligações com as categorias de garçons, motoristas, metalúrgicos, gráficos, jornalistas, entre outras bases de apoio. Isso fazia com que o jornal desse visibilidade às reivindicações das entidades:

“Dissidio coletivo suscitado por cerca de 2 mil garçons”

“Os trabalhadores no comércio hoteleiro, em virtude da má situação em que se encontram motivada pela ineficiencia dos salários que recebem, os quais absolutamente não dão para enfrentar a crise que atravessamos, comparecerão á Justiça do Trabalho, suscitando dissídio para lutar pelas suas reivinidcações justas(...). O aumento pleiteado pelos trabalhadores no comercio hoteleiro e similar deve ser feito nas seguintes bases:

Salarios de Cr$ 240,00 a Cr$ 600,00 aumento de 70% Salarios de Cr$ 610,00 a Cr$ 1.000,00 aumento de 60% Salarios de Cr$ 1.000,00 a Cr$ 1.500,00 aumento de 50% Salarios de Cr$ 1.500,00 a Cr$ 2.000,00 aumento de 40% Salarios de Cr$ 2.000,00 acima, aumento de 30%”224

223 O Democrata, 07/01/1946, p.4.

O contato permanente do jornal com as entidades de classe permitia aos comunistas penetrar, cada vez mais, no meio sindical. Conectar-se com as questões trabalhistas, dar voz às mais diversas categorias contribuía para o partido fomentar a criação de novas entidades, como orientava a direção nacional do PCB. Sendo assim, os camaradas buscavam defender a instituição que pudesse congregar a luta dos mais diversos sindicatos, tendo à frente a União Sindical do Ceará (USC). A entidade era presidida pelo gráfico Antônio Louro, membro do PCB, que ocupava a presidência do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Gráfica de Fortaleza. Na coluna Movimento Sindical, têm-se as incursões da USC junto às categorias de trabalhadores:

“O presidente do Sindicato dos Metalurgicos, em nome dessa organização trabalhista, convida todos os membros da mesma para uma reunião a ser realizada amanhã, ás 19,30 horas, em sua sede oficial. Referida reunião, que se reveste da mais alta importancia, terá por fim tratar da adesão do Sindicato dos Metalurgicos á grande campanha em prol da União Sindical do Ceará, que já congrega muitas outras entidades de trabalhadores de Fortaleza”225.

Ainda que se observe a dimensão organizativa da página e seus objetos, é importante ressaltar que este tipo de página ou coluna, tem presença em outros periódicos da imprensa operária e, em alguns casos, quando dos períodos de forte repressão, jornais de extração liberal abrigaram em suas páginas o noticiário junto ao movimento operário, ou a este dirigido. Apesar de toda abrangência de temas e o foco voltado para a classe trabalhadora, a criação da página “Movimento Sindical” poderia ter sido inspirada em página “semelhante” à outra publicada no jornal católico cearense, O Nordeste. Na folha católica, o espaço tinha o registro de “Página Trabalhista”, “sob a direção da Secretaria da Federação dos Círculos Operários do Ceará”.

225 O Democrata, edição de 11/03/1946, p. 4. Movimento Sindical. Na edição do dia 13/01/1946, o

Entretanto, a página de ON tinha conduta mais prescritiva das questões religiosas, além de procurar fazer um trabalho de caráter moralizador. Enquanto em O Democrata, procurava-se afrontar a classe patronal, em O Nordeste, a perspectiva era abordar as questões trabalhistas dentro da ordem e em respeito às leis do poder vigente. A busca pelo mesmo foco temático provocou ainda uma troca de farpas entre os dois jornais concorrentes (O Democrata e O Nordeste) e outros órgãos de imprensa da cidade. Para responder aos ataques, a página Movimento Sindical (OD) procurava fazer ironia aos adversários. Com a coluna “Tudo passa sobre a terra”, publicada na página quatro, os comunistas procuravam dialogar com os outros jornais, respondendo aos petardos de que sempre eram alvo:

“Tudo passa sobre a terra”... “O muro das lamentações...”

“Quando o Partido Comunista, dissimulando os seus intuitos de perturbações da ordem constitucional modificou a letra dos estatutos para o seu registro no Tribunal Eleitoral, logo compreendemos que se abriu para o Brasil uma fase tempestuosa de subversão social” (O Nordeste – 2/03/1946 – Do editorial ás avessas: “Ação fascista dos soviéticos”)

Saudade... doce mal que nos tortura! (De uma modinha antiga)226

Apesar de a página Movimento Sindical ser espaço permanente de divulgação das ações do segmento trabalhista, a seção teve curta duração na história do jornal O Democrata. A leitura desse espaço privilegiado do trabalhador desaparece a partir do segundo semestre de 1946, deixando uma lacuna

226 A coluna “Tudo passa sobre a terra...” publicada sempre nas páginas do Movimento Sindical (O

Democrata), trazia ainda uma alusão à frase como sendo de autoria do escritor cearense José de

significativa no espectro de cobertura do vespertino. Entretanto, para suprir a demanda, os assuntos relativos aos trabalhadores foram diluídos em diversas páginas do jornal. Suponho que duas questões teriam influenciado a retirada da seção: 1) a página cumpriu o objetivo de arregimentar novas entidades, na visão dos camaradas; 2) a falta de recursos para manter uma página segmentada, em detrimento de outros assuntos considerados mais relevantes, levou a direção do jornal a retirar a seção227. Em fevereiro de 1947, a página volta a circular em dias aleatórios, com espaço reduzido, sem a mesma “relação umbilical” com o movimento sindical.

No documento Escrita subsiva: O Democrata (páginas 162-168)