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Proletários, uni-vos!

No documento Escrita subsiva: O Democrata (páginas 70-77)

Escritos subversivos no Ceará

1.6 Proletários, uni-vos!

O operariado nacional, organizado por entidades de classe, bem como os demais trabalhadores da indústria nacional, vinha de experiências importantes. As greves nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, os protestos, as primeiras conquistas possibilitavam articulação maior entre os trabalhadores. O mundo das horas trabalhadas e o ordenamento das atividades sofriam resistências nas grandes cidades. “A sucessão de greves, a partir de 1917, a conquista de algumas vitórias, a resistência à exploração, a quantidade e a qualidade desses movimentos denunciavam o nível atingido pelo proletariado brasileiro” (Sodré, 1984).

Os sindicatos estavam em plena efervescência das primeiras disputas, seja no seio das entidades ou no enfrentamento do patronato. O socialismo, o comunismo e o anarquismo contribuíam para fincar as bases de construção das idéias revolucionárias, no mundo do trabalho, mas, de muito, já se acentuavam as divergências na condução das práticas militantes. Duas frentes tornavam mais claras as maneiras de atuar. Eram dois pensamentos divergentes na prática e na teoria: de um lado as transformações sociais percebidas pelas idéias, sem as regras doutrinárias do partido. Do outro lado, a agremiação era entendida como órgão doutrinador, centralizador das decisões. O anarquismo buscava a autogestão, enquanto os comunistas faziam do partido o caminho da revolução. Os comunistas ganhavam espaço com a vitória da Revolução Russa (1917). Para eles, os trabalhadores haviam alcançado o poder na luta contra a burguesia. Os seguidores estavam nas fileiras dos sindicatos e procuravam difundir as

diretrizes do movimento comunista. Na opinião de Nelson Werneck Sodré75, o proletário brasileiro vinha de uma formação recente, sem tradição de organização política,“ao contrário do que aconteceu na Argentina e no Uruguai, onde o Partido Comunista surgiu da divisão de antigos partidos socialistas e do desmembramento de correntes marxistas de esquerda, o PCB surgiu do sindicalismo revolucionário”. Os comunistas, aos poucos, construíam nova força organizada no meio sindical. A greve dos ferroviários, em São Paulo (1920), contribuiu para aglutinar a força, cuja repercussão foi nacional, após a famosa chacina dos grevistas atacados pelas forças militares. Em 1921, foi a greve dos marítimos no Rio de Janeiro, mas o movimento paredista terminou tragicamente com mortes de trabalhadores e policiais, após os confrontos nas ruas. No mesmo ano, o movimento se repete na Companhia Docas de Santos-SP. Para conter os protestos, o governo impõe a lei Adolfo Gordo76, que fecha sindicatos e expulsa os

estrangeiros ativistas dos movimentos de greve no País.

Os focos comunistas surgiam nos principais centros operários do Brasil. O Grupo Comunista do Rio de Janeiro lançou o primeiro documento de divulgação, declaradamente, de idéias marxistas, no Brasil, em janeiro de 1921, pela revista Movimento Comunista77. A publicação de pequeno formato, com 30 páginas, fundada e editada pelo jornalista Astrojildo Pereira, ex-anarquista, circulou de forma irregular, propunha-se a ser órgão dos Grupos Comunistas no Brasil, tendo por fim “defender e propagar, entre nós, o programa da Internacional Comunista”. Os passos iniciais já apontavam para empreitada maior, visando à instalação do próprio partido no Brasil78, conforme as diretrizes emanadas desde a URSS.

Pelos contatos com os demais simpatizantes e adeptos da causa marxista, nas cidades de Porto Alegre-RS e Rio de Janeiro, os delegados articulam o encontro para traçar a organização do Partido Comunista. Existia certa pressa

75 Sodré, Nelson Werneck. Contribuição à História do PCB. São Paulo. Global Editora. 1984. p. 46. 76 A lei Adolfo Gordo, imposta pelo governo de Epitácio Pessoa (janeiro/1921), agravava os

dispositivos da de 1907 sobre a expulsão de estrangeiros e ainda facultava ao Estado “ordenar o

fechamento, por tempo determinado, de associações, sindicatos e sociedades civis, quando incorram em atos nocivos ao bem público”.

77 Pereira, Astrojildo. Ensaios históricos e políticos. São Paulo. Editora Alfa-Ômega. 1979. p. 81-85. 78 Zaidan Filho, Michel. Comunistas em céu aberto (1922-1930). Belo Horizonte - MG. Editora

para a formação do partido, em virtude da realização do IV Congresso da Internacional Comunista, em Moscou (dezembro, 1922), pois os representantes brasileiros queriam marcar presença no evento. Sendo assim, em 25 de março de 1922, os comunistas realizam no Rio de Janeiro, e nos dias 26 e 27, em Niterói- RJ, o Congresso Constituinte do Partido Comunista do Brasil. Nove membros integravam a delegação79, representados pelos grupos de Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Cruzeiro e Niterói.

A pequena sala do sobrado da Praça da República, número 40, esquina com a Rua da Constituição, no Rio de Janeiro, abrigava a primeira sede do PCB. Registrado como sociedade civil, tendo em vista que, nesse tempo, não existia lei regulamentando o funcionamento dos partidos políticos, a sede foi fechada pela Polícia, 70 dias após a criação do partido, por causa do estado de sítio decretado pelo governo, em 5 de julho de 1922. O partido surgia como defensor da unidade sindical, vinculado às lutas do proletariado brasileiro, era considerado pelos seguidores condição para o êxito na luta política80.

Em resposta as divergências de condutas das práticas políticas, os anarquistas tinham como canal de interlocução o jornal A Plebe: “(...) julgamos que a ação revolucionária terá naturalmente de se desenvolver, não em obediência a um padrão uniforme, como a ditadura do proletariado ou de um partido, mas de acordo com as exigências, cheias de modalidades diversas de cada país, obedecendo às tendências históricas do próprio movimento”81. A aproximação com os anarquistas sofria fissuras, os comunistas os tachavam de sectários e atrelados a uma concepção pequeno-burguesa da luta política82. Somente em 1926, quatro anos após a fundação do partido no Brasil, o PCB teve o reconhecimento junto aos demais seguidores do comunismo no mundo83. A

79 Os nove membros delegados eram os seguintes: Abílio de Nequete (barbeiro), Astrojildo Pereira

(jornalista), Cristiano Cordeiro (funcionário), Hermogênio Silva (eletricista), João da Costa Pimenta (gráfico), Joaquim Barbosa (alfaiate), José Elias da Silva (funcionário), Luís Peres (operário vassoureiro) e Manuel Cendon (alfaiate).

80 Rezende. Antônio Paulo. História do Movimento Operário no Brasil. São Paulo. 2ª. Edição. 1990.

p. 24.

81 Fonte: jornal A Plebe, São Paulo, 18/03/1922.

82 Id.Ibdem. História do Movimento Operário no Brasil. São Paulo. 2ª. Edição. 1990.

83 A participação do representante do PCB (Antônio Canellas), no IV Congresso da Internacional

vigilância e a repressão impostas pelo estado de sítio (1922 a 1926), em função das revoltas nos quartéis e greves espalhadas, nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Recife, dificultavam a ação do partido nas bases do proletariado. Em 1923, as greves prosseguem em São Paulo, com os trabalhadores gráficos, que passam a contar com a solidariedade dos companheiros de Santos, Campinas, Ribeirão Preto, Rio de Janeiro, Curitiba e Recife. O movimento paulista teve a duração de 42 dias, mas terminou com o atendimento das reivindicações.

O clima de tensão voltava a preocupar o comando dos quartéis da Marinha e do Exército. A insatisfação dos militares tomava proporções nas fileiras dos oficiais de menor patente. A política do café-com-leite contribuía para expor as insatisfações no Exército, por causa das forças paralelas criadas nos estados (Polícias e jagunços armados com a autorização do governo), além dos baixos salários, a carestia no país e a política de privilégio dos agropecuaristas dos estados de São Paulo e Minas Gerais. Desta vez, a revolta conhecida como “Movimento Tenentista” estourou em São Paulo (1924). Sufocados pelas tropas legalistas, os revoltosos seguiram em direção ao estado do Paraná, onde encontraram um grupo de militares alinhados com suas reivindicações, integrantes das forças do Exército do Rio Grande do Sul.

Do Sul do País, os militares rebelados contra a política do café-com-leite formaram a “Coluna Prestes”, movimento de protesto dos militares, liderado pelo capitão do Exército, Luís Carlos Prestes, que percorreu o interior do Brasil, durante dois anos. Os militares revoltosos pretendiam denunciar, para a população brasileira, a política das oligarquias no país e ainda condenar a permanência dos acordos políticos que davam a vez de governar o Brasil por apenas dois estados. Depois de percorrer cerca de 24 mil quilômetros, o movimento militar terminou com o líder exilado na Bolívia (1927).

No Ceará, a coluna deveria entrar pelo sul do estado, mas para evitar o confronto armado com os homens do cangaceiro “Lampião” e os capangas de Floro Bartolomeu, no Crato, o movimento seguiu em direção à Paraíba, depois

o pedido de reconhecimento do PCB junto ao organismo internacional, foi acusado de defender posições anarquistas, sendo expulso da agremiação (Rezende, 1990).

alcançando o território cearense pelos municípios de Crateús, Sucesso, Novo Oriente, Quiterianópolis, Ipú, Ipueiras, Nova Russas e Arneiroz. O Estado era governado por José Moreira da Rocha (1924-1928), aliado do Partido Conservador, de José Accioly. O governo do desembargador Moreira foi marcado pelas demissões arbitrárias, perseguições políticas contra opositores e o clientelismo:

“No estado maior, os chefes, disfarçando os seus interesses pessoais, forjam os planos e comunicam-nos aos executores. Os cabos eleitorais são encarregados de pintar, pela imprensa, nos meetings ou nas palestras, uma situação toda fictícia, dando a todos os fatos interpretação que convenha aos interesses dos partidos a cujo serviço estão. Os capangas, sejam eles civis ou da polícia, convencem pela violência os que se não deixarem seduzir pela sofisticaria da propaganda visual ou escrita”84. (J. Matos Ibiapina)

Apesar da força política, fruto da aliança com a oligarquia Accioly (1896- 1912), a população não consentia o clima de dominação do governo. Revoltada contra os preços e o sistema de transporte da companhia inglesa de bondes (The Ceará Tramway Light e Power), moradores de Fortaleza quebram bondes e fazem grande concentração de protesto, na Praça do Ferreira, no Centro da cidade (1925). Houve quebra-quebra, os manifestantes entraram em confronto com a polícia. O tumulto chegou ao ponto de o comércio fechar as portas, as aulas foram suspensas no Lyceu do Ceará, tudo em conseqüência do clima de insegurança nas ruas.

A tradição do enfrentamento parecia se construir ao longo dos anos na cidade de Fortaleza. Reduto das contradições, onde ricos e pobres podem ser percebidos pelas diferenças nos modos de viver, a Capital é o berço de formação dos primeiros trabalhadores das ferrovias, indústrias, fábricas, pequeno comércio e demais setores. Ao que tudo indica, a mão-de-obra deu significativa contribuição

para a formação dos partidos políticos. Mas, ao contrário dos grandes centros urbanos, onde o contingente de trabalhadores era bem mais representativo, no Ceará, a tarefa de organizar as categorias nas entidades de classe foi árdua. Os trabalhadores viviam sob pressões das oligarquias, governos repressores, patrões de origem abastadas, cujo dinheiro vinha da riqueza acumulada no latifúndio. Mesmo sob as tensões das mais variadas forças opressoras, os operários construíam os caminhos da luta. Mas que caminhos eram esses? Quem são os militantes das causas subversivas? Nos momentos de tensão, quando o poder é pressionado pelos trabalhadores, é possível conhecer os personagens dessa luta. As diferenças nos modos de viver podem evidenciar os personagens participantes das disputas. É possível entender também as práticas e condutas dos primeiros militantes por meio das suas manifestações. Sendo assim, nas pesquisas e consultas realizadas sobre os percursos da formação da classe operária, em Fortaleza, é possível analisar a origem dos comunistas no Ceará. É possível compreender parte dessa história através de documentos e memórias. A partir dos contatos pioneiros com autores marxistas, anarquistas ou liberais, podem-se encontrar os caminhos percorridos pelas idéias dos escritores revolucionários. Essas idéias circularam pela cidade e contribuíram para fortalecer as lutas dos trabalhadores na Capital. Os impressos ajudam a encontrar os registros de participação desses homens nos locais de trabalho, espaços de lazer, escolas, faculdades e partidos políticos.

Os seguidores da doutrina comunista procuravam estruturar suas bases nos sindicatos e entidades de classe combativas espalhadas pelo País. A decisão fazia parte de estratégia internacional do partido, que procurava garantir o fortalecimento do comunismo. A militância tinha, como ponto de apoio, as entidades de classe ligadas aos trabalhadores. Com o fim do estado de sítio, em 1926, pelo presidente Washington Luis, o PCB volta a se articular em todo o País. O PCB encampou a luta pela reorganização do movimento sindical no Brasil e tratou de fazer contatos em todos os estados, através de ofícios endereçados às associações e federações de trabalhadores (Sodré, 1984).

No Ceará, a tradição de lutas das entidades representativas dos trabalhadores fez do Estado um dos focos da política de crescimento do partido. Os trabalhadores cearenses vinham de experiências importantes desde a criação das primeiras categorias. Embora esses operários não chegassem a números expressivos, como nos estados do Sul e Sudeste, isso não desmerecia as experiências de luta implementadas pelos primeiros trabalhadores, oriundos de pequenas entidades, como os sindicatos de alfaiates, cigarreiros, pintores, marceneiros, sapateiros, marítimos, gráficos, padeiros, barbeiros e outros. Essa gente comum contribuiu para a formação da classe trabalhadora e espalhou a semente das idéias subversivas, contrárias à ordem estabelecida.

Os homens, mulheres e crianças de origem humilde, muitos deles vindos do interior, tiveram as suas peculiaridades no contexto de formação da classe trabalhadora. Eles traçaram as táticas e estratégias de confronto, buscando, algumas vezes, esmola para sobreviver (“retirantes da seca”- 1877, 1889, 1900, 1915) ou até mesmo enfrentando o poder (queda do governo de Nogueira Accioly- 1912). O passado de lutas, conquistas e derrotas ajudaram a fomentar as idéias do comunismo no Ceará. Muito embora os comunistas só tenham apresentado o primeiro registro oficial no Ceará, em 192685, em reuniões na sede da União dos Pedreiros do Ceará, as idéias revolucionárias já circulavam desde os finais do Século XIX.

A repressão imposta pelo governo do desembargador Moreira e a oposição ferrenha da Igreja Católica contribuíram para desarticular as ações políticas dos seguidores do comunismo. Entretanto, eles permaneceram resistindo nas fileiras das entidades, espalhando as idéias doutrinárias e traçando estratégias de luta contra a classe dominante. Tanto assim que, no curto período de legalidade do PCB (1926-1927), os militantes já articulavam a participação nas eleições para o Congresso Nacional (fevereiro-1927). A política nacional de frente única do PCB, cuja proposta abrigava composição política de operários e representantes da

85 Em livro publicado sobre a história do PCB, no Ceará, Francisco Moreira Ribeiro informa que os

primeiros simpatizantes do comunismo se reuniram na sede da União dos Pedreiros do Ceará. In. Ribeiro, Francisco Moreira. O PCB no Ceará: ascensão e declínio - 1922-1947. Fortaleza-CE. Edições Universidade Federal do Ceará. 1989. p. 32.

pequena burguesia, originou o Bloco Operário e Camponês (BOC). O Bloco era a forma encontrada pelos comunistas para driblar a clandestinidade e marcar presença nas eleições.

No final de 1926, o Bloco tinha, como representante no Ceará, José Joaquim de Lima, sindicalista conhecido como Joaquim Pernambuco, o que demonstra, mais uma vez, a capacidade de articulação e referência com a doutrina marxista. O trabalhador chegou a representar os cearenses no Congresso da Confederação Geral dos Trabalhadores, no Rio de Janeiro, em 1927. Em entrevista de militante comunista (sem identificação), arquivada no Núcleo de Documentação da Universidade Federal do Ceará (Nudoc-UFC), o entrevistado informa que o cearense voltou do Congresso com a missão de organizar o PCB no Ceará.

Estão relacionados como os primeiros integrantes da agremiação no Estado, os seguintes comunistas: José Borges da Silva, Antônio de Oliveira, Luís Gomes, Luís Sotero, João Francisco de Mendonça, Antônio Marcos Marrocos, Paulino de Moraes, Clóvis Barroso e Lafite Barreto. Na eleição municipal de 1928, um dos fundadores do Partido Socialista Cearense (PSC/1919), Gastão Justa, é lançado candidato pelo BOC à Câmara Municipal de Fortaleza. O PCB estava novamente na ilegalidade, mas o partido mostrava presença no pleito, em mais uma estratégia de participação de seus representantes. À frente das articulações políticas, vinha sempre o nome de Joaquim Pernambuco.

No documento Escrita subsiva: O Democrata (páginas 70-77)