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Mudança dos costumes

O Direito, entendido como sistema que visa regular e disciplinar as relações de uma sociedade, deve ser um reflexo de seus valores, práticas e padrões. Desta feita, ao elaborar uma norma o legislador deve estar atento à sua conformidade com os anseios interesses sociais.

A atenção que deve ter o legislador no que tange à consonância de valor e norma deve ser redobrada no ramo penal, tendo em vista tratar-se este da ultima ratio do Direito, aquele que mais interfere na vida dos cidadãos. A alteração legislativa, portanto, deve estar em contínuo acompanhamento da evolução dos costumes.

Não há dúvidas de que hodiernamente o assunto “sexo” é tratado de forma recorrente por todas as mídias sociais, desde a televisão, que explora de forma jornalística ou introduz em novelas, até os fóruns de interação na internet. Além disso, os materiais de conteúdo pornográfico têm o seu acesso difundido pela fácil acessibilidade da internet.

Em tempos passados, a restrição ao falar de sexo era quase total, limitando-se os pais a tecerem vazias considerações a respeito, deixando que os filhos descobrissem por conta própria, preferivelmente quando contraíssem matrimônio.

Atualmente, a educação sexual é tratada já no ensino fundamental escolar, aonde jovens de 11 e 12 anos já estudam sobre o sexo de forma biológica, bem como são ensinados a respeito das doenças sexuais. Gisele Mendes de Carvalho e Edmar José Chagas (2012, p.7) ressaltam esse aspecto,

A visão da sociedade sobre sexo mudou e muito, em função da educação familiar e de políticas institucionais. Falar de sexo faz parte do currículo escolar nas diretrizes curriculares de muitos Estados brasileiros como conteúdos obrigatórios, ao lado de outros assuntos relacionados a desafios contemporâneos (meio ambiente, trânsito, drogas, etc.), o que demonstra não só uma preocupação dos poderes público em melhor instruir os jovens, como também uma necessidade de que a sociedade acompanhe a evolução cada vez mais vertiginosa do alcance da maturidade sexual por parte dos mesmos. Se evoluem sexualmente em um ritmo mais veloz que seus genitores, então que ao menos o façam com conhecimento e precaução.

O relacionamento entre jovens passou por uma grande mudança através das décadas. Antes os namoros eram acompanhados de perto pelas famílias e em geral tinha por fim o noivado e o consequente matrimônio. Com o passar do tempo os jovens tiveram maior liberdade para se relacionar, passando a ter um maior número de relação que com menor duração de tempo, deixando o matrimônio de ser um marco imposto pela sociedade para o início da vida sexual.

Do mesmo modo, a prática de atos libidinosos passou a ser mais usual entre jovens que não se relacionavam com compromisso firmado, sendo o sexo sem relacionamento comprometido uma prática comum.

A bagagem educacional e de conhecimento em relação a sexo de um jovem de 13 anos hoje em dia é muito maior do que a de anos atrás. Um jovem hoje tem o seu primeiro beijo muito antes do que tempos atrás, o seu primeiro ato de interação lasciva.

A curiosidade sexual também se encontra muito maior nesta fase, uma vez que a todo momento os jovens são expostos a alguma prática libidinosa. Antigamente o ato de beijar em

público era totalmente refutado, ao passo que na atualidade se mostra completamente aceitável, sendo uma prática até usual em público.

Vale registrar, contudo, que o desenvolvimento sexual dos jovens menores de 14 anos não tem uma marcha uníssona. Há jovens que são mais expostos ao conteúdo sexual, não se falando aqui de sexo explícito, e sim conteúdos educacionais, informativos ou mesmo indiretos, como em programas televisivos, ao passo que outros jovens não têm tanto contato com os mesmos conteúdos. Sobre esse aspecto, Pandini (2014, p. 2) pontua

Hoje, é possível notar o amadurecimento precoce de algumas crianças e adolescentes, sendo estas plenamente capazes de reagir e se autodeterminar sexualmente. Por essa razão, nem todo menor de quatorze anos deverá ser considerado vulnerável, mas somente aqueles que não são dotados de completo discernimento quanto à prática de relações sexuais, ou que por outro motivo não puderem oferecer resistência, devendo a vulnerabilidade prevista no art. 217 ser relativizada.

A autodeterminação dos jovens é patente e não há sentido que o legislador tente barrar a sua liberdade sexual, invadindo a privacidade de um indivíduo, de forma a impedir que o mesmo possua pleno domínio do seu corpo e de suas vontades sexuais. Quanto a esse tópico, não há como deixar de registrar as palavras do ministro Marco Aurélio Mello, na relatoria do Habeas Corpus nº 73662/MG, julgado pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em 21/05/1996.

[...] não há como deixar de reconhecer a modificação de costumes havida, de maneira assustadoramente vertiginosa, nas últimas décadas, mormente na atual quadra. Os meios de comunicação de um modo geral e, particularmente, a televisão, são responsáveis pela divulgação maciça de informações, não as selecionando sequer de acordo com medianos e saudáveis critérios que pudessem atender às menores exigências de uma sociedade marcada pelas dessemelhanças. Assim é que, sendo irrestrito o acesso à mídia, não se mostra incomum reparar-se a precocidade com que as crianças de hoje lidam, sem embaraços quaisquer, com assuntos concernentes à sexualidade, tudo de uma forma espontânea, quase natural. Tanto não se diria nos idos dos anos 40, época em que exsurgia, glorioso e como símbolo da modernidade e liberalismo, o nosso vetusto e ainda vigente Código Penal. Àquela altura, uma pessoa que contasse doze anos de idade era de fato considerada criança e, como tal, indefesa e despreparada para os sustos da vida. [...] Nos nossos dias não há crianças, mas moças de doze anos. Precocemente amadurecidas, a maioria delas já conta com discernimento bastante para reagir ante eventuais adversidades, ainda que não possuam escala de valores definida a ponto de vislumbrarem toda a sorte de consequências que lhes pode advir.

É fato que a sexualidade está presente na atualidade e já alcança os jovens entre 11 e 14 anos de forma abrangente, não podendo o Direito se mostrar estático e se negar a acompanhar a mudança dos costumes e refletir os valores e práticas sociais.

5 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL E DOUTRINÁRIA

O tema ora estudado sempre foi muito polêmico também nos Tribunais brasileiros. O entendimento nunca foi pacificado, surgindo diversos precedentes no sentido de tomar a presunção de vulnerabilidade do artigo 217-A do Código Penal como absoluta, bem como no sentido diverso, fixando a referida presunção como relativa, podendo ser refutada em casos de consentimento da vítima, ou mesmo na sua experiência e maturidade sexual.

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