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O critério etário no estupro de vulnerável

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

PEDRO ERICK ARAÚJO BEZERRA

O CRITÉRIO ETÁRIO NO ESTUPRO DE VULNERÁVEL

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PEDRO ERICK ARAÚJO BEZERRA

O CRITÉRIO ETÁRIO NO ESTUPRO DE VULNERÁVEL

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Me. Raul Carneiro Nepomuceno.

FORTALEZA

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B469c Bezerra, Pedro Erick Araújo.

O critério etário no Estupro de Vulnerável / Pedro Erick Araújo Bezerra. – 2016. 67 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2016.

Orientação: Prof. Me. Raul Carneiro Nepomuceno.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, que não mediram esforços durante toda a minha vida para que eu alcançasse todos os meus objetivos, não poupando esforços para contribuir com este bacharelado.

Às minhas irmãs, que mesmo nas pequenas atitudes sempre se mostraram solícitas e reconfortantes.

Aos companheiros que estiveram juntos comigo nesta jornada, Rodrigo Esmeraldo e Yana Maria, pelo carinho, lealdade e atenção durante esses anos.

Ao orientador deste trabalho, Raul Carneiro Nepomuceno, brilhante professor, pelos grandes ensinamentos durante a faculdade, e em particular, pela sua orientação neste trabalho.

Aos demais membros da banca examinadora, professor Sérgio Bruno Araújo Rebouças, com quem tive a honra de ter um semestre de grande produtividade e lições, e mestrando Isaac Rodrigues Cunha, amigo que fiz logo no início da faculdade, pela disponibilidade e gentileza de terem aceitado participar desta banca.

Ao Banco do Nordeste do Brasil, na pessoa do dr. Manoel Tomaz de Almeida Neto, por ter me ofertado o primeiro contato com o mundo profissional, assim como o fez com o meu pai há 33 anos, e aos amigos que lá fiz: Lucas do Santos, Iago Dias Porto, Thiago do Vale Cavalcante, Dandara de Oliveira e Lanna Priscyla do Carmo Prado.

À Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará, instituição combativa que me ofereceu a grande experiência prática do Direito, a quem o faço nas pessoas da dra. Yasmina Braide dos Santos e dra. Luciana Ferreira Gomes, orientadoras dos núcleos de família e cível, dra. Francilene Gomes de Brito Bessa, dra. Sandra Dond Ferreira e dra. Maria Amália Passos Garcia, que me deram valorozos ensinamentos no núcleo de 2º grau.

Ao dr. Lino Marques dos Santos Carvalho, defensor público sereno e competente, que me proporcionou o despertar da paixão pelo Direito Penal e, em especial, pelo tema deste trabalho, no núcleo criminal da DPGE-CE.

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Ciência penal não é só uma interpretação hierática da lei, mas, antes de tudo e acima de tudo, a revelação de seu espírito e a compreensão de seu escopo, para ajustá-lo a fatos humanos, a almas humanas, a episódios do espetáculo dramático da vida

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RESUMO

O presente trabalho tem por fito analisar a presunção de vulnerabilidade baseada na idade da vítima esculpida no artigo 217-A do Código Penal e sua possível flexibilização, que tipifica o crime de Estupro de Vulnerável. A lei 12.015 de 2009 trouxe novas disposições acerca dos crimes sexuais, alterando amplamente o Título VI do Código Penal Brasileiro. Dentre as inovações, a referida lei revogou o artigo 224 do Código Penal, que dispunha sobre a presunção de violência nos crimes sexuais, passando esta a ser transformada em presunção de vulnerabilidade com a instituição do artigo 217-A, o tipo penal do Estupro de Vulnerável, pela mesma lei. Sendo assim, o trabalho faz um exame do crime de Estupro de Vulnerável, destacando seus principais aspectos. Posteriormente, para análise da presunção de vulnerabilidade e sua possível relativização, verifica-se imprescindível a análise do instituto da presunção, seu conceito, suas classificações e implicações no Direito, recortando à área penal. A possibilidade de relativização da referida presunção passa pela utilização de parâmetros elencados neste trabalho como viáveis para tal, dentre eles os princípios gerais do Direito Penal e do Direito Processual Penal, uma verificação sistemática do tipo estudado tendo como referencial as disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como uma análise utilitária da mudança dos costumes. Ademais, o trabalho ressalta a importância das posições da doutrina e dos tribunais acerca do assunto, destacando a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, que em julgamento no rito de recursos repetitivos fixou entendimento de que a presunção não pode ser flexibilizada. Denota-se, ao fim do trabalho, que a fixação de preceitos cristalizados no Direito Penal são afrontas aos seus próprios princípios, de forma que uma certeza inicial obstrui o devido processo legal e a oportunização de uma defesa integral do acusado, não tendo a instrução possibilidade de, no caso concreto, apontar que o bem jurídico tutelado no crime estudado, a dignidade sexual, não foi efetivamente violado, e que a condenação pode se mostrar injusta. Em todo o trabalho foram utilizados métodos dedutivos, comparativos, analíticos e teóricos, baseados em estudos doutrinários e jurisprudenciais.

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ABSTRACT

The current academic work aims to analyze the presumption of vulnerability based on the age of the victim carved in article 217-A of the Penal Code and its possible flexibilization, which typifies the crime of Rape of Vulnerable. Law 12.015 of 2009 brought new rules on sexual crimes, broadly changing Title VI of the Brazilian Penal Code. Among the innovations, the abovementioned law repealed article 224 of the Criminal Code, which provided for the presumption of violence in sexual crimes, that was transformed into a presumption of vulnerability with the institution of article 217-A, the criminal type of rape of Vulnerable, by the same law. Thus, the academic work examines the crime of Rape of Vulnerable, highlighting its main aspects. Subsequently, for analysis of the presumption of vulnerability and its possible relativization, it is essential to analyze the institute's presumption, its concept, its classifications and implications in Law, cutting to the criminal area. The possibility of relativizing this presumption involves the use of parameters listed in this work as feasible for such, among them the general principles of Criminal Law and Criminal Procedural Law, a systematic verification of the type studied having as reference the provisions of the Statute of the Child and Of the Adolescent, as well as a utilitarian analysis of changing customs. In addition, the work highlights the importance of the positions of the doctrine and the courts on the subject, highlighting the recent decision of the Brazilian Superior Court of Justice, which in judgment in the rite of repetitive appeals has established understanding that the presumption can not be relaxed. It is noted at the end of the work that the establishment of precepts crystallized in criminal law are in violation of its own principles, so that an initial certainty obstructs due process and the opportunity for full defense of the accused, not having the instruction in the case in point, to point out that the legal right protected in the crime studied, sexual dignity, was not effectively violated, and that condemnation may prove to be unfair. Deductive, comparative, analytical and theoretical methods were used throughout the study, based on doctrinal and jurisprudential studies.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 9

2 DO CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL ... 11

2.1 Considerações Iniciais ... 11

2.2 Elementos Objetivos do Tipo do Estupro de Vulnerável ... 14

2.3 Sujeitos ... 15

2.4 Elementos Subjetivos ... 16

2.5 Consumação e Tentativa ... 17

2.6 Modalidades Comissiva e Omissiva ... 17

2.7 Qualificadoras ... 17

2.8 Ação Penal ... 18

3 DA PRESUNÇÃO ... 19

3.1 Conceito ... 19

3.2 Classificação ... 21

3.2.1 Presunção Legal ... 21

3.2.2 Presunção hominis ... 23

3.2.3 Presunção Absoluta ... 23

3.2.4 Presunção Relativa ... 25

3.3 Critério de distinção entre presunção legal absoluta e relativa ... 26

3.4 Diferença entre Presunção e Ficção ... 26

4 PARÂMETROS PARA A RELATIVIZAÇÃO DA PRESUNÇÃO DE VULNERABILIDADE EM RAZÃO DA IDADE NO ESTUPRO DE VULNERÁVEL ... 28

4.1 Princípios Aplicáveis ... 28

4.1.1 Princípio da intervenção mínima ... 29

4.1.2 Princípio da lesividade ... 30

4.1.3 Princípio da presunção de inocência ... 32

4.1.4 Princípio da proporcionalidade ... 33

4.1.5 Princípio da individualização da pena ... 34

4.1.6 Princípio da busca da verdade ... 36

4.1.7 Princípios do contraditório e da ampla defesa ... 38

4.1.8 Princípio da culpabilidade ... 39

4.1.9 Princípio da legalidade ... 40

(10)

4.3 Mudança dos costumes ... 44

5 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL E DOUTRINÁRIA ... 47

5.1 Julgados do Supremo Tribunal Federal ... 47

5.2 Julgados do Superior Tribunal de Justiça ... 48

5.3 Julgados dos Tribunais de Justiça ... 50

5.4 Precedente do STJ: Recurso Especial nº 1.480.881-PI ... 52

5.5 Posições doutrinárias ... 54

6 CONCLUSÃO ... 58

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INTRODUÇÃO

O artigo 217-A do Código Penal, introduzido pela lei 12.015 de 2009, estabeleceu o crime de Estupro de Vulnerável, de forma a punir aqueles que mantenham conjunção carnal ou quaisquer outros atos libidinosos com menores de 14 anos. Nestes termos, o tipo penal não faz qualquer menção ao uso da violência ou da grave ameaça como meio do agente de consumar a prática libidinosa, como dispõe o artigo 213, que tipifica o crime de Estupro.

A disposição literal do tipo, portanto, deixou de levar em conta quaisquer outros fatores como o consentimento do menor de 14 anos com o ato lascivo e o seu amadurecimento, de forma que o simples fato de haver um contato sexual entre uma pessoa imputável e um menor de 14 anos leva à configuração do estupro de vulnerável. Neste diapasão, a interpretação da presunção de vulnerabilidade fixada pelo tipo não findou o debate que já tinha sido encadeado antes da inovação legislativa, quanto à possibilidade de sua relativização, antes tratada como presunção de violência.

Embora as cortes superiores tenham fixado entendimentos em certos momentos, sempre houve bastante oscilação nas posições. Os tribunais estaduais, contudo, nunca se mostraram uníssonos.

O Superior Tribunal de Justiça, em agosto de 2015, de forma a dar fim à celeuma quanto à classificação da presunção de vulnerabilidade do Estupro de Vulnerável, estabeleceu, em julgamento paradigmático em rito de recursos repetitivos, que mesmo com o consentimento na relação entre agente e vítima menor de 14 anos, deveria ser imputado àquele o delito de Estupro de Vulnerável (art. 217-A do Código Penal), de forma que a presunção de vulnerabilidade baseada critério etário do dispositivo anos não deve ser relativizado

Embora o Superior Tribunal de Justiça tenha dado interpretação em sede de recursos repetitivos, ainda é objeto de constante debate no âmbito jurisprudencial o critério etário como base de presunção de vulnerabilidade no crime de Estupro de Vulnerável, apesar de a doutrina apresentar uma corrente majoritária quanto à relativização deste critério.

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de violência antes da lei 12.015. Destaca-se ainda os principais aspectos do art. 217-A do Código Penal Brasileiro, como os elementos objetivos e subjetivos do tipo, os sujeitos, as modalidades, dentre outros.

O instituto da presunção é estudado no segundo capítulo, tendo uma abordagem sobre o seu conceito, suas classificações e implicações no Direito, realizando-se ainda uma diferenciação entre presunções e ficções.

A possibilidade de relativização da presunção de vulnerabilidade é analisada no terceiro capítulo a partir de diversos parâmetros. Dentre eles destacam-se os princípios gerais do Direito Penal e do Direito Processual Penal, que são as fundações do sistema penal. A interpretação de qualquer disposição legal leva à contemplação desses princípios e suas implicações, de forma a verificar a consonância da interpretação da regra com o espírito da lei. A interpretação da presunção, portanto, deve levar em conta os referidos princípios para que se verifique a sua classificação, se pode ser tomada como absoluta ou se possível de relativizar.

Ademais, deve-se levar em conta as disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente, diploma responsável pela fixação dos conceitos de criança e de adolescente, fazendo disposições diversas sobre os menores e regulando as mais diversas relações jurídicas que lhes envolvem.

A mudança dos costumes também é levada em consideração no presente estudo, sendo explorada no sentido de analisar conjuntura social hodierna e a sua reflexão no Direito, de forma que o sistema de normas não se mostre estático frente às mudanças que a sociedade cruza.

Dada a importância e a recorrência da matéria, também são analisados no quarto capítulo os posicionamentos doutrinários, verificando-se ainda a aplicação dos diversos entendimentos do referido critério, apontando a viabilidade e eficácia do mesmo na práxis jurídica nacional, notadamente na jurisprudência dos tribunais superiores e estaduais.

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2 DO CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL

O Direito, como sistema de normas que visa dar regramento às relações sociais, deve estar sempre em consonância com os costumes e os valores da sociedade ao qual é posto.

O ramo criminal não deve fugir desta regra. Pelo contrário: em razão de conter as normas mais extremas do ordenamento jurídico, a legislação penal deve acompanhar a evolução dos costumes de forma que passe a punir os valores latentes de uma sociedade que são lesionados e deixe de punir as condutas que se tornem banalizadas pela evolução dos costumes sociais. As alterações legislativas, portanto, devem sempre buscar a adequação da norma com o valor que ela representa.

2.1 Considerações Iniciais

Os crimes sexuais, justamente por tratarem de um aspecto que teve uma grande mudança no seio social, reclamou e ainda reclama constantemente por transformações legislativas que não tornem condutas típicas ultrapassadas.

A lei 12.015 de 7 de agosto de 2009 trouxe alterações relevantes no Título VI da parte especial do Código Penal Brasileiro, a começar pela nomenclatura: de crimes contra os costumes para crimes contra a dignidade sexual. A esse respeito, Capez (2010, p. 42) afirma,

A dignidade sexual liga-se à sexualidade humana, ou seja, o conjunto de fatos, ocorrências e aparências da vida sexual de cada um. Associa-se a respeitabilidade e a autoestima à intimidade e à vida privada, permitindo-se deduzir que o ser humano pode realizar-se, sexualmente, satisfazendo a lascívia e a sensualidade como bem lhe aprouver, sem que haja qualquer interferência estatal ou da sociedade.

A inovação legislativa buscou acompanhar a evolução normativa na área penal no que tange aos costumes sociais na esteira da lei 11.106 de 2005, que já havia revogado crimes anacrônicos que não mais representavam valores a serem tutelados pelo direito penal, como os tipos penais da sedução e do rapto, que apresentavam resquícios da cultura patriarcal dos anos 1940, época da publicação do texto original do Código Penal. O próprio projeto de lei 253/04 do Senado Federal, que posteriormente veio a ser convertido na lei 12.015 já alertava em sua justificativa:

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sexualidade, mas hábitos, moralismos e eventuais avaliações da sociedade sobre estes. Dessa forma, a construção legislativa deve começar por alterar o foco da proteção, o que o presente projeto de lei fez ao nomear o Título VI da Parte

Especial do Código Penal como Dos crimes Contra aLiberdade e o

Desenvolvimento Sexual . (SENADO FEDERAL, PLS nº 253, 2004).

Até a supracitada lei de 2009, por exemplo, apenas as mulheres poderiam ser sujeito passivo dos crimes sexuais, sendo apenas o homem, portanto, o sujeito ativo. A nova lei tratou de alterar o termo “mulher” na descrição típica dos crimes para o termo “alguém”, de forma a incluir ambos os sexos.

Outro exemplo clássico é o termo “mulher honesta”, presente em três dispositivos já revogados:

Posse sexual mediante fraude

Art. 215. Ter conjunção carnal com mulher honesta, mediante fraude (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009);

Atentado ao pudor mediante fraude

Art. 216. Induzir mulher honesta, mediante fraude, a praticar ou permitir que com ela se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal. (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009);

Rapto violento ou mediante fraude

Art. 219. Raptar mulher honesta, mediante violência, grave ameaça ou fraude, para fim libidinoso (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005).

Percebe-se o tratamento discriminatório do legislador, na esteira do pensamento que dominava à época, de que a mulher que não fosse “honesta” não merecia nem mesmo a tutela do Estado no que tange à punição criminal de eventual agressor.

Ainda na antiga redação, o crime de sedução, artigo 217 já revogado do Código Penal Brasileiro, dispunha que seduzir mulher virgem, menor de 18 anos e maior de 14, e ter com ela conjunção carnal, aproveitando-se de sua inexperiência ou justificável confiança culminaria com uma pena de reclusão de dois a quatro anos.

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Desta feita, à medida que os valores, os costumes, os pensamentos e os preceitos socais sofrem mutações, o ordenamento jurídico deve seguir as mudanças, de forma a continuar tutelando legitimamente as relações sociais de um povo.

No que tange à presunção de violência, a antiga sistemática do Título VI da parte especial do Código Penal Brasileiro já trazia disposições referentes em seu art. 224, in verbis:

Art. 224 - Presume-se a violência, se a vítima: a) não é maior de catorze anos;

b) é alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância;

c) não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência. (revogado pela lei 12.015 de 2009)

Esse artigo se encontrava nas disposições gerais do referido Título, tendo a doutrina debatido durante muito tempo sobre a natureza da presunção disposta pelo legislador na norma, destacando-se quatro correntes: teoria absoluta, teoria relativa, teoria mista e a teoria constitucionalista.

Os defensores da teoria absoluta acreditavam que não deveria haver espaço para discussão acerca da presunção estabelecida, devendo sempre presumir-se que houve violência nos casos elencados. Recortando ao estudo ora em tela, portanto, sempre que a vítima tivesse menos de 14 anos de idade. Para os defensores da teoria relativa deveria se perquirir ao longo da instrução se a vítima menor de 14 anos era experiente sexualmente e se estava a consentir com o ato sexual. A teoria mista, por sua vez, pregava a relativização da presunção quando a vítima estivesse entre os 12 e 14 anos de idade, podendo não ser configurado o crime caso o delito fosse praticado com consentimento, taxando de absoluta a presunção nos demais casos. Por fim, a teoria constitucionalista defendia que a punição penal deveria ter como pressuposto a culpa, repudiando qualquer norma que desprezasse a subjetividade da responsabilização.

Independentemente da filiação doutrinária, o que se sabe é que a presunção de violência foi uma ferramenta jurídica que encontrou o legislador para garantir a punição daqueles que mantivessem relação sexual com pessoas que, em regra, não teriam poder de escolha ou discernimento suficiente para a prática sexual.

A supracitada lei do ano de 2009, dentre outras disposições, trouxe um novo tipo penal, qual seja, o Estupro de Vulnerável, descrito no art. 217-A do Código Penal, in verbis:

Estupro de Vulnerável

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Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

§ 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

§ 2º (VETADO)

§ 3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.

§ 4º Se da conduta resulta morte:

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Acerca da presunção na antiga sistemática do título e a criação do novo tipo penal, Nucci (2014, p. 140-141) pontua:

Certamente, a discussão acerca da qualidade da presunção de violência surgiu: se absoluta (não comportando prova em contrário) ou relativa (possibilitando a prova em contrário). Tal debate se dava, em particular, no contexto da idade, pois, quanto aos alienados em geral e pessoas com capacidade diminuída dependia-se, na maioria das vezes, de prova pericial. Mas, apurada a enfermidade ou incapacidade, considerava-se absoluta a presunção. Em suma, a pessoa menor de 14anos (com 12 ou 13 anos, por exemplo), mantendo relação sexual com maior de 18, teria sido vítima de estupro necessariamente? Fosse a presunção absoluta, a resposta seria positiva. Fosse relativa, dependeria de prova. Buscando sanar esse problema, constrói-se o tipo penal autônomo do art. 217-A, intitulando-o estupro de vulnerável. Observa-se, portanto, que o incapaz de consentir validamente para o ato sexual obteve uma denominação própria: vulnerável (passível de lesão, despido de proteção). Assim fazendo, o que se pretende é inserir, tacitamente, sem mais falar em presunção – um termo que sempre gerou polêmica em direito penal, pois atuava contra os interesses do réu –, a coação psicológica no tipo idealizado. Proíbe-se o relacionamento sexual do vulnerável, considerado o menor de 14 anos, o enfermo ou deficiente mental, sem discernimento para a prática do ato, bem como aquele que, por qualquer outra causa, não puder oferecer resistência. Em outros termos, reproduz-se o disposto no art. 224 no novo tipo penal do art. 217-A, sem mencionar a expressão violência presumida.

A inovação legislativa teve por fim instituir um tipo penal específico para os casos do antigo artigo 224, substituindo, não mais havendo necessidade de estipular a presunção de violência nas disposições gerais do título tratado.

2.2 Elementos Objetivos do Tipo Penal do Estupro de Vulnerável

Percebe-se desde logo que os tipos penais do Estupro (art. 213 e art. 217-A, ambos do Código Penal Brasileiro) tornaram-se mais abrangente no que tange ao núcleo: a conduta típica não se compreende apenas na conjunção carnal (penetração vaginal), e sim todos os outros diversos atos libidinosos (coito anal, sexo oral etc).

Capez assim conceitua (2012, p. 104),

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sexual, excluindo-se qualquer outro ato libidinoso diverso da conjunção carnal, o qual era abrangido pelo art. 214 do CP, atualmente revogado pela Lei n. 12.015, de 7 de agosto de 2009. Sobre o tema, vide comentários ao art. 213 do CP. (b) Ato libidinoso: compreende-se, nesse conceito, outras formas de realização do ato sexual, que não a conjunção carnal. São os coitos anormais (por exemplo, a cópula oral, anal). Tais atos sexuais constituíam o crime autônomo de atentado violento ao pudor (CP, art. 214). Sobre o tema, vide comentários ao art. 213 do CP.

Essa unificação se deu com a revogação do delito de atentado violento ao pudor, antigo art. 214 do mesmo diploma. Desta feita, pode-se afirmar que se trata de um tipo misto alternativo, aquele em que a prática de mais de um núcleo do tipo acarreta na imputação de apenas um crime, não devendo se configurar o concurso de crimes mas sim um delito único, apesar de se defender que a prática de múltiplas ações nucleares tenha implicações na dosimetria.

A disposição Estupro de Vulnerável não deixou expresso nenhum tipo de presunção, aduzindo que quem mantiver relação sexual com alguém que tenha menos de 14 anos de idade, enfermo, deficiente mental ou quem não possa oferecer resistência deve inexoravelmente estar sujeito às tenazes do artigo 217-A.

Pela interpretação literal do tipo, não há qualquer margem de relativização referente à configuração do crime, uma vez que o novo tipo nem sequer menciona presunção de violência como na antiga sistemática do título. Desse modo, é irrelevante o consentimento dos sujeitos passivos, estando configurado o crime com a simples prática sexual.

2.3 Sujeitos

Pela antiga redação apenas o homem poderia ser o sujeito ativo dos crimes sexuais em sua generalidade (já que o tipo ora estudado não existia), sendo, por sua vez, a mulher o sujeito passivo, além dos menores de 14 anos, os alienados e débil mentais e aqueles que não pudessem oferecer resistência, que presumidamente participavam do ato sexual movidos pela violência do agente, em consonância com o artigo 224, já revogado.

A partir da lei 12.015 os crimes sexuais em geral, incluindo-se o Estupro de Vulnerável, passaram a ser crimes comuns, ou seja, qualquer pessoa poderia ser sujeito ativo. Da mesma forma, tanto o homem quanto a mulher poderiam ser sujeito passivo dos crimes.

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não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, de acordo com o parágrafo primeiro.

Vale ressaltar ainda que o artigo 226 do Código Penal Brasileiro traz causas de aumento de pena para os crimes do Título VI tomando como critério a qualificação do sujeito ativo ou sua quantidade. Desta feita, se o crime é cometido com o concurso de duas pessoas ou mais a pena deve ser aumentada de quarta parte. Aumenta-se de metade se o sujeito ativo é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela.

Assim o fez o legislador em função do maior grau de repulsa social quando um crime sexual é cometido por alguém próximo à vítima, causando um trauma ainda maior. Levou-se em consideração ainda o infeliz fato de ser uma grande parte dos casos aqueles em que o abuso sexual contra vulneráveis se dá por pessoas de seu convívio, exercendo assim a face inibidora que um diploma penal carrega.

2.4 Elemento Subjetivo

O crime ora estudado não admite modalidade culposa, sendo punível apenas a título de dolo, configurado na prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso diverso daquele com os sujeitos passivos suprarreferidos.

Observe-se que o sujeito ativo deve ter o domínio e estar ciente de todos os elementos do tipo, notadamente às características do sujeito passivo, o “vulnerável”. Desta forma, para que haja a configuração do crime, o agente deve estar ciente da idade da vítima, de sua enfermidade, deficiência ou de sua situação em que esteja impossibilitado de oferecer resistência.

Bittencourt (2012, p. 106) ressalta este aspecto,

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Não raro há casos em que moças de corpo já avantajado mentem a idade para rapazes e mantém com eles relações sexuais. Nesse caso, o agente não tinha domínio da elementar da idade, não devendo ser a ele imputado o crime de Estupro de Vulnerável por incorrer em erro de tipo, disposto no artigo 20 do Código Penal Brasileiro como excludente do dolo.

2.5 Consumação e Tentativa

O crime se consuma com a efetiva prática do ato sexual, seja qual for a modalidade.

Há ainda a modalidade tentada, que, embora de difícil aplicação, ocorre quando a prática sexual deixa de se concretizar por circunstâncias alheias à vontade do agente.

2.6 Modalidades Comissiva e Omissiva

O Estupro de Vulnerável é, via de regra, um crime comissivo, uma vez que na maioria dos casos o agente está a praticar o ato sexual com o sujeito passivo.

Vale chamar atenção, todavia, para a modalidade omissiva, infelizmente recorrente. Esta se faz presente quando o sujeito ativo está na posição de “garantidor”, por força do artigo 13, §2º do Código Penal Brasileiro. A relação de causalidade se dá em função da omissão daquele devia e podia agir para evitar o Estupro. Assim dispõe o artigo:

Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:

a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

Os exemplos mais comuns são de mães que aceitam que seus maridos ou companheiros tenham relação sexual com suas filhas, seja por medo de perder o “provedor” do lar ou até mesmo por questões sentimentais insuperáveis. Neste caso, a genitora, na posição de guardiã da filha, deve ser punida nos termos do artigo 217-A do diploma penal.

2.7 Qualificadoras

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de natureza grave, dispondo o §4º por sua vez que a pena será de 12 a 30 anos de reclusão se advém o resultado morte.

Vale registrar que as referidas qualificadoras só incidirão se os resultados de lesão de natureza grave ou morte advirem de uma conduta culposa, uma vez que a forma qualificada se classifica como crime preterdoloso. Se há, por outro lado, desígnios diversos, como por exemplo o agente que Estupra um enfermo e logo depois ceifa sua vida por um ato de liberalidade, este deve responder pelo caput do art. 217-A do Código Penal em concurso material com o homicídio praticado.

2.8 Ação Penal

A antiga sistemática do título ora em tela determinava que, em regra, a ação penal seria de iniciativa privada, procedendo-se apenas mediante queixa, fazendo ressalvas quanto ao resultado morte ou lesão de natureza grave nos crimes de estupro e atentado violento ao pudor (que hoje se encontram unificados), hipótese em que ação penal seria pública incondicionada.

O antigo art. 225 fazia ainda duas exceções: caso a vítima ou seus pais não pudessem prover às despesas do processo ou se se o crime fosse cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador, a ação penal seria pública condicionada à representação.

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3 DA PRESUNÇÃO

O estudo proposto neste trabalho é fazer uma análise da presunção esculpida no Estupro

de Vulnerável no que tange ao critério etário, ou seja, analisar a disposição do caput do art.

217-A que estabeleceu que qualquer pessoa que tenha relação sexual com um menor de 14 anos, ainda que consentido, seja submetido a uma pena de reclusão de oito a quinze anos, sem se levar em conta da liberdade sexual dos parceiros, ou mesmo de sua capacidade e autonomia.

3.1 Conceito

O termo presunção tem origem do latim presumption, que significa segundo Luís Filipe

Pires de Sousa (2013, p. 1) a opinião ou juízo que se baseia nas aparências, nos indícios, nos

princípios de prova. Nicholas Rescher (2011 apud Sousa, 2013, p. 2) explica que a presunção

é um fato putativo que, não sendo mais do que provável ou plausível atentas as circunstâncias conhecidas é – apesar disso – aceito provisoriamente como verdadeiro e assim deve ser mantido até que sobrevenham contraindicações probatórias concretas.

No Direito a presunção, em geral, é uma ideia preestabelecida pelo legislador de forma a imprimir uma maior rapidez no que tange à judicialização de lides. Ao partir de um preceito previamente estabelecido, o juiz pula etapas probatórias para tornar o processo mais curto. Em alguns casos a presunção é relativizada, abrindo-se a oportunidade para que a parte que assim deseje prove que a hipótese presumida não se faz valer no referido caso, chamada pela

doutrina de presunção juris tantum, termo em latim para designar que a suposição presumida

vale até que se prove o contrário. De outro norte, a presunção jure et de jure é aquela estabelecida que não admite prova em contrário.

Sousa (2013, p. 1 e 2), ao falar sobre a utilidade da ficção presuntiva afirma que

Constitui um instrumento pragmático que visa facilitar a concretização dos objetivos e propósitos ínsitos ao domínio onde é instituída a presunção. O seu fundamento lógico é, em última instância, pragmático, propondo-nos que num contexto cognitivo deixemos que a aparência seja o nosso guia da realidade e que atuemos naturalmente em conformidade com tal aparência. A justificação da presunção como recurso cognitivo é esta: ao proceder desta forma, prosseguirás de forma eficiente os interesses do teu empreendimento cognitivo, sendo que a ponderação conjunta dos ganhos e vantagens supera o conjunto dos riscos e perdas.

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A mais recorrente é a indutiva, de modo que a presunção se apoia em experiências sociais que levaram a conclusões reiteras num mesmo sentido.

O exemplo mais claro de presunção indutiva no direito brasileiro é em relação à capacidade civil. O artigo 5º do Código Civil Brasileiro dispõe que a menoridade cessa aos 18 anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.

Presume-se, portanto, que a partir dos 18 anos o indivíduo já tem plena capacidade de seus atos, sendo autorizado pela legislação a pactuar negócios jurídicos e demais acordos de vontade sem necessidade de qualquer assistência, bem como podendo ser responsabilizado pelos danos que seus ilícitos cíveis vierem a causar.

Esta presunção de capacidade, contudo, é relativa. Caso fique comprovado que o indivíduo, mesmo após os seus 18 anos, encontre-se na condição ébrio habitual, viciado em tóxico, pródigo ou que por alguma causa não possa exprimir sua vontade este perderá sua plena capacidade, passando a ser tratado como relativamente incapaz, de acordo com o artigo 4º do diploma privado supracitado.

Neste caso, há uma demanda probatória robusta para que se retire a capacidade plena de um indivíduo, uma vez que por critérios biológicos, psicológicos e empíricos acordou-se que 18 anos é um marco etário razoável para que se tome um indivíduo como plenamente responsável pelos seus atos.

Há também o estabelecimento de presunção em conformidade com razões garantistas. Enquanto a presunção de viés indutiva tomam por base a possibilidade do erro ao presumir uma certa disposição, a presunção valorativa tem assento na aceitabilidade do erro.

Neste caso, o legislador assume uma postura acauteladora em um contexto de poucas certezas. Passam a ser resguardados direitos em situações poucos explicadas que poderiam ensejar o seu tolhimento, havendo uma definição na preferência de que erro cometer. Assim estabeleceu a Constituição Federal de 1988 de forma explícita em seu artigo 5º, inciso LVII, ao dispor que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

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o direito de um inocente. O princípio da presunção de inocência será abordado de forma mais abrangente posteriormente.

Destaca-se ainda a presunção estabelecida com o fito de estabelecer um equilíbrio probatório. Em alguns casos a produção de prova se mostra deveras difícil para fatos que envolvem relações complexas. Greco Filho (1988, p.181) a esse respeito ensina,

Os códigos comumente instituem presunções quando pretendem criar uma situação de vantagem em favor de determinada parte, a fim de facilitar o labor probatório da parte a que aproveita. Provado um fato (que não é o principal), chega-se, pela presunção legal, à convicção da existência do fato principal.

O Código Civil vigente estabeleceu diversos casos de presunção de paternidade, que hoje se tornaram obsoletos em razão dos avanços da medicina no que tange aos exames de comprovação de paternidade. Contudo, vale registrar:

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

Antes da facilidade trazida pelos atuais exames de paternidade, que apresentam uma grande confiabilidade, a indicação de paternidade representava um complexo imbróglio, uma vez que não haviam meios de prova para tal.

O legislador, portanto, criou mecanismos presuntivos no sentido de estabelecer o equilíbrio probatório entre as partes. Caso não fosse dado regramento algum ao caso em tempos passados a mãe jamais conseguiria alimentos ou benefícios para o seu filho em face do pai, já que ralos seriam os indícios da paternidade.

3.2 Classificação

As presunções são classificas de acordo com a sua origem, em jurídicas ou legais e judicias ou hominis, ou consoante à possibilidade de produção de prova em contrário, dividindo-se em presunções absolutas (jures et de jures) ou relativas (juris tantum).

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A presunção legal é aquela estabelecida de forma expressa pela lei, não podendo existir se não for normatizada. Em consequência disso, a presunção estabelecida deve respeitar os estritos termos estabelecidos pelo legislador, não se podendo aplicá-la a situações sequer semelhantes que não tenham sido albergadas pela disposição normativa.

Segundo Pontes de Miranda (1983, p. 420),

( ... )presunção legal (praesumplio iuris) ( ... ), em vez de meio de prova, é o conteúdo de regras jurídicas que estabelecem a existência de fato, fato jurídico, ou efeito de fato jurídico (e.g., direito), sem que se possa provar o contrário (praesumptiones iuris et de iure, presunções legais absolutas), ou enquanto não se prova o contrário (presunções legais relativas). Tais presunções se distinguem, portanto, das presunções de meio de prova, praesumptiones facti ou hominis, e das normas legais sobre provas, quee fixam a força probatória do meio de prova."( .. .).

Um molde claro desse limite ao qual está submetida a presunção legal é a antiga presunção de violência estabelecida no Título VI da parte especial do Código Penal, já abordada anteriormente. As disposições do artigo 224 já revogado do diploma penal só deveriam tem aplicações nos crimes do referido título, de forma que não poderia ser utilizada a presunção de violência em outros crimes em razão dos critérios elencados para prejudicar o acusado. João Henrique Ferreira (2006, p. 62) traz um exemplo acerca do assunto,

A recente alteração provocada pela Lei 11.106/05 traz exemplo interessante, pois o revogado crime de rapto com violência (art 220) – em que a presunção era admissível – agora está inserido no crime de seqüestro na previsão mais ampla do artigo 148, § 1º, inciso IV do Código Penal, que trata como qualificadora do crime de seqüestro a privação da liberdade de menor de 18 (dezoito) anos. Não figurando a violência como elementar, mas sendo um dos meios admissíveis da prática criminosa, de modo que nesta hipótese, ainda que o seqüestro seja com emprego de violência contra menor de 14 (catorze) anos, e para fim libidinoso, a presunção não poderá ser empregada.

Exemplo vigente de presunção legal é o da veracidade dos fatos alegados pelo autor em face da revelia do réu no processo civil, disposta no Código de Processo Civil:

Art. 344. Se o réu não contestar a ação, será considerado revel e presumir-se-ão verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor.

Art. 345. A revelia não produz o efeito mencionado no art. 344 se: I - havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação; II - o litígio versar sobre direitos indisponíveis;

III - a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei considere indispensável à prova do ato;

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Nesse caso o legislador não só estabeleceu a presunção e os seus efeitos como tornou expressos os casos em que não há o efeito presuntivo, denotando o caráter restritivo no que tange à interpretação da presunção legal

Vale registrar, por fim, que a presunção tratada neste trabalho, a presunção de vulnerabilidade no artigo 217-A do Código Penal, trata-se de uma presunção legal.

3.2.2 Presunção hominis

Chiovenda (1925, apud Andrade 1971) assevera que presunções hominis ou facti são

aquelas de que se serve o juiz, durante a lide, para formar seu convencimento, de modo análogo a como faria qualquer raciocinador fora do processo.

É a presunção que se funda na experiência de vida, no fato comum, na “sabedoria popular”, no que geralmente se pensa, no espírito de um povo, na alma comum, no que define o homem. É a presunção utilizada pelo julgador para formar sua convicção quando esta não pode respaldar-se em normas jurídicas. Está, portanto, intimamente ligada ao Direito Processual na prática, e, efetivamente, art. 375 do Código de Processo Civil vigente a acolhe sem sombra de dúvida, ao definir qu o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial.

Pontes de Miranda (1958, p. 112) sobre a presunção ora em tela pondera

Quando o legislador estabeleceu ficções, já violentou, até certo ponto, a realidade. Seria absurdo que enchesse de presunções de direito e de ficções, criações suas, o espaço que pertence à matéria da vida, à realidade do vivido. Na parte, imensa, que a lei respeitou, ainda o juiz, pela condição mesma do homem, procura o quod plerumque fit, para apreciar as provas feitas. A lei não lhe impõe tais presunções. Por isso mesmo não são presunções de direito. O juiz busca-as.

As presunções hominis, portanto têm lugar toda vez que não sejam normatizadas, pois

que, de forma implícita as assumiu, ao se referir à possibilidade de o juiz fazer uso das “máximas de experiência”, diferenciando-se das presunções legais.

3.2.3 Presunção Absoluta

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O referido autor defende que a presunção absoluta tem dois fatores ensejadores de sua criação: a necessidade de fixar a base, o parâmetro certo para regência das demais normas, e a fixação como regra, gerando certeza, às questões cuja probabilidade de certeza seria muito grande. O primeira se relaciona principalmente com os casos em que a norma presuntiva dita a toada legislativa em certa matéria, como no caso da definição legal de imputabilidade por idade, que estabelece um norte para todo o sistema penal, estabelecendo aqueles que poderão ser punidos por delitos.

O segundo fator, por sua vez, tem relação com a facilitação do reconhecimento da presunção em razão da probabilidade, seguindo a ideia de presunção indutiva já abordada. Neste caso, o objetivo continua sendo proporcionar maior segurança e estabilidade, citando o autor na esteira do exemplo já citado que “a probabilidade de uma pessoa sã, maior de 18, anos ter consciência e discernimento de seus atos é praticamente absoluta, e por isso a lei a transforma em certeza absoluta.”

Maria Rita Ferragaut (2001, p. 83) não acolhe as presunções absolutas como verdadeiras presunções, ao afirmar que “são proposições jurídicas deonticamente incompletas que trazem no conseqüente do enunciado “verdades legais” construídas a partir da identificação de fatos indiciários, que se relacionam mediante implicação pautada no que ordinariamente acontece”.

A consideração supra tem sua razão, uma vez que pode ser aplicada ao exemplo do critério etário como abalizador da imputabilidade penal. O próprio Código Penal, em seu artigo 26, tratou de isentar de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, mesmo que maior de idade.

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presunção, de forma que não teria assento a absolutização de um preceito presuntivo no ordenamento vigente.

3.2.4 Presunção Relativa

As presunções relativas são aquelas que admitem prova em contrário. O preceito presuntivo estabelecido pode ser refutado caso haja comprovação de que em uma situação concreta não se mostrou válido.

Na presunção relativa há uma dispensa do ônus da prova, de forma que resta à parte que pretende combater o preceito presuntivo reunir elementos que comprovem a sua não aplicabilidade ao caso.

O preceito presumido, por ser uma conclusão legal, não pode ser desconstituído, sob pena de o julgador estar se arvorando na condição de legislador. O que ocorre, na verdade, é o exercício da faculdade atribuída ao magistrado de reconhecer que o fato que serve de base para preceito presuntivo não se encontra configurado naquele caso. Ferreira (2006, p. 74) relaciona essa premissa ao tema ora em baila,

Utilizando-se o mesmo exemplo relativo à violência presumida pela idade, a conclusão legal sobre o emprego desse recurso nos crimes de estupro e atentado violento ao pudor contra pessoa não maior de 14 (catorze) anos é a presunção de que em tal situação falta ao menor a capacidade de discernimento e autodeterminação sobre o ato sexual. Dessa forma, quebra-se a presunção combatendo-se o fato base, isto é, demonstrando que a vítima não tem a idade fixada ou que, embora a tenha, não lhe falta a capacidade de discernimento e autodeterminação, pois nessas hipóteses a sustentação da conclusão estará destruída.

A conclusão que se chega é que não é a relação de presunção que é desconstruída, e sim a aferição de que num caso concreto ela não se apresenta válida.

É importante salientar que as presunções relativas não ampliam ou restringem o âmbito de aplicação do regime jurídico de outra norma, mas são mecanismos pelos quais se valem o magistrado para verificação da ocorrência do pressuposto de incidência de outra norma.

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3.3 Critério de distinção entre presunção legal absoluta e relativa

O legislador deixou em aberto a caracterização das presunções no sistema jurídico brasileiro. Ferreira (2006, p. 75 e 76) problematiza nesse sentido,

Já se examinou que a distinção entre essas duas espécies de presunção, quais sejam, absoluta e relativa, reside justamente na possibilidade de fazer prova em contrário. A indagação que se faz, então, é a seguinte: se ambas estão previstas na lei, como distingui-las adequadamente para saber se é possível prova contrária ou não? Qual é o critério distintivo? A resposta poderia ser simples se o próprio legislador cuidasse de esclarecer a dúvida, consignando expressamente quais as presunções consideradas absolutas, sem possibilitar ao intérprete ou ao juiz decidir em sentido contrário.

Não há nem mesmo uma regra geral. Se assim o fosse, dando a legislação prioridade a uma tratando a outar como exceção, já se poderia conceber uma estabilização suficiente que garantisse a segurança jurídica de muitos casos.

A distinção ocorre, portanto, de acordo com usuais as regras de interpretação da norma., devendo-se buscar a motivação do legislador ao estabelecer a presunção. A doutrina e a jurisprudência se responsabilizam pela definição do caráter das diversas presunções estabelecidas no ordenamento pátrio, seguindo, conforme o autor supracitado, as a variações resultantes de entendimentos diversos, próprios da ciência jurídica, e inclusive flutuação de interpretação de acordo com a própria evolução do direito dentro de sua dinâmica.

Defende-se, portanto, que o ponto de partida da interpretação das presunções deve ser tomá-las como relativas, uma vez que o estabelecimento de um preceito presuntivo é mais incisivo no direito da parte prejudicada, devendo o estabelecimento por lei de um preceito como verdadeiro ser usado de maneira restrita, de forma a evitar o aumento da probabilidade do cometimento de um erro e, consequentemente, de uma injustiça.

3.4 Diferença entre Presunção e Ficção

A ideia de ficção no Direito, tem relação com uma verdade jurídica criada pelo legislador que prescindem da existência empírica dos fatos que originariamente ensejariam tais efeitos. Thaisa Jansen Pereira (2004, p. 42) assim pontua acerca das ficções,

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Segundo Maria Rita Ferragut (2001, p. 85) as ficções jurídicas (fictio juris) são regras de direito material que criam uma verdade legal contrária à verdade natural, ou seja, alteram a representação da realidade ao criar uma verdade jurídica que não lhe corresponde.

Paola (1997, p. 76) estabelece a diferença entre presunção e ficção ao afirmar que

( ... )o que diferencia o instituto das presunções das ficções é o relacionamento entre o fato conhecido do fato desconhecido. Enquanto naquelas essa relação é provável, nestas pelo contrário, é improvável ou, desde logo, sabida inexistente. Para alguns, a idéia de probabilidade, maior ou menor, deve ser, de plano, excluída, no caso das ficções. Assim, as ficções sempre implicariam falseamento da realidade, por via de equiparações entre coisas que nela não se equiparam.

Nesta senda, a presunção tem por fim criar uma relação entre uma hipótese e um preceito no sentido de facilitar a prova do fato presumido, ao passo que a ficção cria uma própria realidade jurídica sem ter assento em uma hipótese indutiva.

O tributarista Luciano Amaro (2001, p. 258) distingue ainda a presunção absoluta da ficção:

A ficção jurídica não se confunde com a presunção absoluta, embora, praticamente, dela se aproxime. Na presunção absoluta, a conseqüência do fato conhecido é provável, embora passível de dúvida, mas a lei valoriza a probabilidade e recusa a prova em contrário. Na ficção, não há dúvida sobre o fato real, mas a lei, conscientemente, nega a realidade fática e constrói uma realidade jurídica diversa daquela. Dada a própria natureza da ficção, não cabe sequer cogitar -se de prova em contrário.

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4 PARÂMETROS PARA A RELATIVIZAÇÃO DA PRESUNÇÃO DE VULNERABILIDADE EM RAZÃO DA IDADE NO ESTUPRO DE VULNERÁVEL

Vale registrar, desde logo, a louvável intenção do legislador em buscar resguardar os interesses, a pureza e a dignidade sexual dos jovens brasileiros, ainda mais em um mundo tão cheio de mazelas e com tanto conteúdo pornográfico relacionado à pedofilia de fácil acesso. Ocorre que a presunção absoluta em qualquer ramo do Direito, sem abrir margem para discussão, pode acabar por obliterar a busca da verdade real, grande motor de uma instrução processual, tolhendo direitos e garantias. No ramo penal, todavia, a preocupação é maior.

O presente tópico tem por fito fazer uma análise da presunção de vulnerabilidade e a plausabilidade de sua relativização no Estupro de Vulnerável a partir de uma análise principiológica, bem como realizando uma interpretação sistemática com o Estatuto da Criança e do Adolescente e buscando uma visão utilitária do tema, ao examinar a mudança dos costumes.

4.1 Princípios aplicáveis

A ideia que se tem de princípio é que são as normas de valor que dão alicerce às normas

regras, configurando-se, portanto, em um núcleo abstrato das leis positivadas.1 Registre-se as

palavaras de Celso Antônio Bandeira de Mello (2008, p 53):

O princípio é um mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente para definir a lógica e racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica de lhe dá sentido harmônico.

Sendo assim, os princípios devem ser o norte de um sistema jurídico, de forma que as normas que neles se fundamentem respeitem os seus mandamentos básicos. Neste diapasão, caso um tipo específico do Código Penal, por exemplo esteja fora de harmonia com os seus princípios norteadores, estar-se-ia comprometendo a sua conformidade com todo o regramento que dele teve origem, ou seja, o próprio diploma criminal, restando, portanto, o referido delito em desacordo com os fins de sua tipificação. Bandeira de Mello (2008, p. 53) continua seu raciocínio neste sentido:

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento

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obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.

A ordem jurídica atual apresenta diversos vetores axiológicos que se relacionam com o tema ora estudado. O estudo da presunção no Direito Penal e no Direito Processual Penal, bem como o recorte ao critério etário no Estupro de Vulnerável, requer análise de alguns desses princípios.

4.1.1 Princípio da intervenção mínima

Segundo este princípio, o Direito Penal, justamente por ser o ramo do direito que mais acarreta lesividade nos direitos e garantais individuais, principalmente no que tange à liberdade, deve se pautar pela excepcionalidade. Desta forma, as tenazes do diploma penal só devem ser invocadas quando todos os outros ramos do Direito não forem aptos a fazer frente à determinada ilicitude.

De acordo com Capez (2010, p. 38),

Ao legislador o princípio exige cautela no momento de eleger as condutas que merecerão punição criminal, abstendo-se de incriminar qualquer comportamento. Somente aqueles que, segundo comprovada experiência anterior, não puderam ser convenientemente contidos pela aplicação de outros ramos do Direito (...). Ao operador do Direito recomenda-se não proceder ao enquadramento típico, quando notar que aquela pendência pode ser satisfatoriamente resolvida com a atuação de outros ramos menos agressivos do ordenamento jurídico (...). Se o furto de um chocolate em um supermercado já foi solucionado com o pagamento do débito e a expulsão do inconveniente fregues, não há necessidade de movimentar a máquina persecutória do Estado, tão assoberbada com a criminalidade violenta, a organizada, o narcotráfico e as dilapidações ao erário.

Nucci assevera no mesmo sentido (2014, p. 39),

Levando-se em consideração o princípio da intervenção mínima, com seu corolário princípio da ofensividade, deve-se voltar a atenção do Direito Penal para bens jurídicos efetivamente importantes para a garantia da tranquilidade social. Havendo uma colisão de interesses, torna-se fundamental detectar se outros ramos do ordenamento jurídico são capazes de solucioná-lo, sem maiores consequências. Exemplificando, uma batida de veículos, na via pública, com danos materiais em ambos os automóveis,pode ser solucionada na esfera cível, averiguando-se a culpa e determinando-se a responsabilidade pela reparação. Por outro lado, o roubo de um veículo envolve agressão patrimonial, consumada com violência ou grave ameaça à pessoa, motivo pelo qual interessa à sociedade que ocorra a intervenção do Direito Penal, pois os bens jurídicos afetados transcendem a esfera meramente individual.

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tipificações anacrônicas que considerem ilícitas práticas que passam a ser aceitas socialmente. Foi o que ocorreu com a reformulação do Título VI da parte especial do Código Penal no ano de 2009, com a lei 12.015.

O Direito Penal, tendo em vista o seu caráter incisivo, não aceita interpretações extensivas ou analógicas que visem prejudicar o réu. Sendo assim, a sua interpretação deve ter um viés legalista e respeitar a tipicidade, de forma que tudo que venha a ser utilizado para punir o réu esteja preestabelecido de forma clara, sem abrir margens para o prejuízo do acusado.

De outro norte, para que seja beneficiado o réu, as teses defensivas podem utilizar-se de interpretações analógicas, extensivas ou outros meios dentro da hermenêutica para que seja garantida ampla defesa ao réu, surgindo daí a ideia de presunção de inocência.

A interpretação literal de um tipo penal, com o fito de pregar a absolutização da responsabilidade criminal, em qualquer delito, abre margens para grandes injustiças. Como se sabe, o direito penal deve punir fatos (condutas típicas) que agridam valores (bem jurídico tutelado) de maior importância elencados por um povo em seu ordenamento jurídico, de forma que a punição penal só deve se dar quando realmente não houver nenhuma outra forma de refutação daquela conduta, surgindo daí a ideia do direito penal como a última razão do ordenamento.

Ao presumir de forma absoluta a vulnerabilidade da vítima, restringindo a busca pela verdade real do fato ocorrido que enseja a punição estabelecida no crime, estar-se-ia oportunizando o tolhimento de diversos direitos fundamentais do acusado, bem como deixando de se valer da nova sistemática de persecução penal que se deu com a interpretação do Código Penal e do Código de Processo à luz da Constituição Federal de 1988.

4.1.2 Princípio da lesividade

Como se sabe, a parte especial do Código Penal está organizada em títulos, divididos em razão do bem jurídico a ser tutelado, de forma que os crimes dispostos em um título visam punir um valor social de importância fundamental para a sociedade.

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uma conduta que ofenda de forma relevante e alarmante o bem jurídico a ser tutelado. Não há dúvidas que manter relação sexual mediante violência ou grave ameaça, conduta do estupro (art. 213 do Código Penal) é uma grave ofensa à dignidade sexual, devendo, portanto, ser tipificado com severas penas.

O imbróglio surge justamente quanto à prática sexual consentida pelo menor de 14 anos, uma vez que a conduta do estupro de vulnerável não faz nenhuma referência a nenhum tipo de coação, violência ou ameaça, presumindo-se desde logo que relação sexual teve um caráter impositivo em razão da idade.

Ocorre que em alguns casos a dignidade sexual pode não ser ofendida quando da prática de ato sexual por parte de um menor de 14 anos, dependendo de um conjunto de fatores como, primordialmente, o consentimento, a maturidade do adolescente, histórico sexual do menor de 14 anos, as consequências psicológicas da relação sexual, os antecedentes do parceiro sexual maior de idade, dentre outros.

Nesses casos, com base no princípio da lesividade, não deveria estar configurado crime algum, uma vez que o bem jurídico a ser tutelado, no caso a dignidade sexual, não estaria sendo de forma alguma ofendido.

Nucci assim considera (2014, p. 141 e 142),

É viável considerar o menor, com 13 anos, absolutamente vulnerável, a ponto de seu consentimento para a prática sexual ser completamente inoperante, e ainda que tenha experiência sexual comprovada? Ou será possível considerar relativa a vulnerabilidade em alguns casos especiais, avaliando-se o grau de conscientização do menor para a prática sexual? Essa é a posição que nos parece acertada. A lei não poderá, jamais, modificar a realidade e muito menor afastar a aplicação do princípio da intervenção mínima e seu correlato princípio da ofensividade.

Vale salientar que o raciocínio adotado pelo Código Penal e aplicado hodiernamente pelos Tribunais Pátrios no que tange à teoria da tipicidade leva a essa conclusão. Deste modo defende Jorio (2012, p. 9),

Passamos a tratar de uma conduta formalmente típica (prevista no art. 217 – A do CP), mas materialmente atípica (isto é, que não traduz ofensa real ao bem jurídico tutelado). Punir uma conduta materialmente atípica é admitir o uso do Direito Penal desvinculado da sua função legitimadora. Se não há lesão efetiva a um bem jurídico, o uso do Direito Penal não é mais que violência gratuita.

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material do crime, em face da mínima ofensividade da conduta, do reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e da inexpressividade da lesão jurídica.

4.1.3 Princípio da presunção de inocência

A ordem jurídica estabelecida pela Constituição Federal de 1988 estabeleceu um amplo rol de direitos e garantias individuais. Dentre eles, um dos mais debatidos e estudados é o inciso LVII do art. 5º da Carta Magna, que institui que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”

A regra, portanto, é que para que alguém seja considerado culpado, ou seja, para que se ateste que um agente praticou uma conduta típica, ilícita e culpável que de fato lesionou o bem jurídico tutelado pelo delito, deve-se passar por uma persecução penal com regras previamente estabelecidas, ocorrendo em consonância com os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Desta forma, o legislador estabeleceu uma presunção de não culpabilidade, de forma que alguém só pode ser punido se houver uma apuração integral do cotejo fático que mostre a lesividade da conduta típica, bem como a presença dos demais elementos do crime.

O Estado-acusação, se fazendo presente pela atuação do Ministério Público no processo penal, tem o dever de provar a ocorrência do crime e a autoria do acusado em todos os seus termos antes de se condenar alguém por uma suposta lesão aos bens jurídicos tutelados por um diploma penal.

Renato Brasileiro Lima (2011, p. 15), ao tratar do referido princípio, assevera que

Do princípio da presunção de inocência derivam duas regras fundamentais: a regra probatória, ou de juízo, segundo a qual a parte acusadora tem o ônus de demonstrar a culpabilidade do acusado – e não este de provar sua inocência – e a regra de tratamento, segundo a qual ninguém pode ser considerado culpado senão depois de sentença com trânsito em julgado, o que impede qualquer antecipação de juízo condenatório ou de culpabilidade.

A culpa presumida não tem assento no sistema jurídico implantado pela Carta Magna vigente, de forma que a legislação infraconstitucional, no caso o Código Penal e o Código de Processo Penal, consequentemente não podem desrespeitar os seus mandamentos.

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legislador estabeleceu uma incoerente presunção de culpa. A literalidade do tipo penal não abre margem nem para que haja uma instrução penal profunda, uma vez que o simples fato de a vítima ser menor de 14 anos já configura o crime em todos os seus termos, ainda que fique claro que a dignidade sexual do menor não foi atacada.

4.1.4 Princípio da proporcionalidade

Nesta reflexão acerca da legalidade e da lesividade vale ainda destacar a importância do princípio da proporcionalidade, norteador de todos os ramos do Direito. No caso do ramo penal, o princípio da proporcionalidade assume alguns aspectos mais significativas. Paulo Bonavides (2006, p. 434) destaca a sua importância,

Em nosso ordenamento constitucional não deve a proporcionalidade permanecer encoberta. Em se tratando de princípio vivo, elástico, prestante, protege ele o cidadão contra os excessos do Estado e serve de escudo à defesa dos direitos e liberdades constitucionais. De tal sorte que urge, quanto antes, extraí-lo da doutrina, da reflexão, dos próprios fundamentos da Constituição, em ordem a introduzi-lo, com todo o vigor, no uso jurisprudencial.

Primeiramente vale salientar que o princípio da proporcionalidade sempre teve sua estrutura compreendida a partir de três subelementos: a adequação, a necessidade e a vedação ao excesso ou proporcionalidade em sentido estrito.

Como assevera Willis Santiago Guerra Filho (1989, p. 75) “Resumidamente, pode-se dizer que uma medida é adequada, se atinge o fim almejado, exigível, por causar o menor prejuízo possível e finalmente, proporcional em sentido estrito, se as vantagens que trará superarem as desvantagens.”

A adequação, portanto, estabelece uma relação entre meio e fim, devendo-se se aferir se a medida restritiva será adequada para quando for apta para atingir o fim proposto. Relacionado a adequação ao direito penal, Adelina de Cássia Bastos Oliveira Carvalho (2006, p. 88) pondera

Se não há mais desvalor da ação e do resultado em virtude da aceitação socialmente pacífica da conduta prevista na figura delituosa da lei penal, impõem-se sua abolição, ou, ainda, a modificação do tipo penal para que este, efetivamente, expresse o interesse social e seja condizente com a realidade da sociedade.

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entrar em contato com certas pessoas ao colocá-lo sob custódia cautelar, pois a medida adotada seria qualitativamente inadequada.

A adequação quantitativa tem relação com a duração e a intensidade da medida processual, como uma prisão preventiva que foi decretada para assegurar a conveniência da instrução criminal e deve ser revogada ao fim desta, pois não há mais razão para a continuidade da medida, não há fim a ser alcançado por aquele meio.

A necessidade guarda conformidade com a ideia de intervenção mínima e de ofensividade, de forma que o Código Penal não deve tutelar todo e qualquer ilícito, uma vez

que estaria a se banalizar a ideia de ultima ratio do Direito Penal. Só se deve tipificar como

delito aquela conduta que de fato fira um sentimento da sociedade, que ofenda de forma contundente um objeto social de extrema valia. Caso contrário, as garantias e direitos dos cidadãos ficariam a todo tempo em xeque por atos corriqueiros.

A vedação ao excesso por sua vez visa garantir um equilíbrio entre a tipificação de uma conduta e sua pena, de forma que o Estado não tipifique condutas não tão ofensivas com penas desproporcionais em sentido estrito para que se veja punir além do que necessário. É nessa ideia de proporcionalidade em sentido estrito que se encontram alguns outros princípios, destacando-se entre eles o princípio da insignificância ou bagatela. Assim pontuam Luiz Flávio Gomes e Antônio García-Pablos de Molina (2007, p. 315-316) sobre o princípio da insignificância:

É o que permite não processar condutas socialmente irrelevantes, assegurando não só que a Justiça esteja mais desafogada, ou bem menos assoberbada, senão permitindo também que fatos nímios não se transformem em uma sorte de estigma para seus autores. Do mesmo modo, abre a porta para uma revalorização do direito constitucional e contribui para que se imponham penas a fatos que merecem ser castigados por seu alto conteúdo criminal, facilitando a redução dos níveis de impunidade. Aplicando-se este princípio a fatos nímios se fortalece a função da Administração da Justiça, porquanto deixa de atender fatos mínimos para cumprir seu verdadeiro papel. Não é um princípio de direito processual, senão de Direito Penal.

O Direito Penal, portanto, não deve se prestar a punir condutas mínimas, mesmo que possam ter formalmente violado o bem garantido, como no caso clássico apresentado pela doutrina do furto de um objeto com valor irrisório.

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O legislador ao cominar as tenazes do art. 217-A do Código Penal estabeleceu uma dura punição, consistente em reclusão de 8 a 15 anos, o que, pelo regramento do Código Penal, deve ser cumprido de forma inicial no regime fechado.

Ao estabelecer a referida pena, o legislador levou em conta o alto grau de reprovabilidade social do referido delito. Se o ato de estuprar já é um dos crimes mais bárbaros que se tem em conta, o fato de ser a vítima uma pessoa vulnerável leva a uma verdadeira revolta da população, não sendo raro os casos de linchamentos dos agentes que cometem o crime do art. 217-A do Código Penal.

A proporcionalidade aliada ao princípio ora em tela deixa claro que a individualização da pena e o equilíbrio entre crime e punição é uma tarefa complexa, de forma que o legislador e o juiz do caso concreto devem realizá-la em diversas fases.

O legislador deve disciplinar a cominação da pena já no tipo penal, estabelecendo a punição máxima e a punição mínima. Deve levar em conta, neste caso, o bem jurídico que a conduta tipificada ofende. A repulsa social àquela determinada prática ofensiva deve ser proporcional à pena, de modo que os crimes contra a vida, por exemplo, tenham penas maiores do que os crimes contra a honra, que não são tão lesivos ao indivíduo quanto aqueles. O legislador deve ainda criar mecanismos de dosagem, como o fez no título ora estudado, dispondo no art. 226 causas de aumento de pena em relação a esses casos, bem como em relação ao concurso de pessoas.

O juiz sentenciante, por sua vez, deve dimensionar a pena de acordo com a intensidade da lesão causada pela conduta típica no caso concreto. De acordo com o contexto probatório produzido, deve fazer uso de outros mecanismos de dosagem, como a aplicação de circunstâncias qualificadoras e a própria dosimetria inicial tendo como referência o iter criminis, punindo-se com maior rigor aquela conduta que atacou efetivamente o bem jurídico tutelado, e com menor pena aquela culminou apenas com uma tentativa.

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