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3 A MUDANÇA DOS TEMPOS: O DIREITO SOCIAL PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO BRASIL

Prioridade Absoluta: uma condição para o aprofundamento dos direitos humanos, das

3 A MUDANÇA DOS TEMPOS: O DIREITO SOCIAL PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO BRASIL

Na trajetória da infância no Brasil, são perceptíveis situações que conjugam violência, maus-tratos, negligência, abandono e infanticídio. É possível verificar na literatura do gênero que a infância no mundo só alcançou um espaço na família quando entra na escola, passa a despertar o sentimento na família de responsabilidade.

A família começou então a ser organizar em torno da criança e a lhe dar uma tal importância, que a criança saiu do seu antigo anonimato, que se tornou

impossível perdê-la ou substituí-la sem uma enorme dor, que ela não pode mais ser reproduzida muitas vezes, e que se tornou necessário limitar seu número para melhor cuidar dela. Portanto, não surpreende que essa revolu-ção escolar e sentimental tenha sido seguida, com o passar do tempo, de um malthusianismo demográfico, de uma redução voluntária da natalidade, observável no século XVIII (ARIÈS, 1981, p. xi).

Essa inserção da criança na família aconteceu de forma particular na sociedade brasilei-ra devido ao seu processo de colonização. A alta miscigenação dos europeus, índios e negros construiu uma organização social que se modificou pela cultura, pelos hábitos e costumes.

Dessa mistura cultural, o europeu foi tomado pelo cuidado com os nativos e africanos, transmitido aos seus filhos. O cuidado com os “meudos” era questionado pela Coroa Portuguesa, que avaliava ser extremado e nocivo para a formação da nova sociedade. Mas, isso não representava que todas as crianças eram tratadas com mimos e excessos. Del Priore (2000, p. 105), baseada nos escritos de viajantes que estiveram no Brasil nessa época, afirma que

[...] há quinhentos anos, a formação social da criança passa mais pela violên-cia explícita ou implícita do que pelo livro, pelo aprendizado e pela educação. Triste realidade num Brasil, onde a formação moral e intelectual, bem como os códigos de sociabilidade, raramente aproximam as crianças de conceitos como civilidade e cidadania.

O trato dispensando as crianças neste período era humilhante como salienta o texto seguinte:

Em sua menoridade, as crianças escravas serviam de brinquedos dos filhos dos senhores (a quem inclusive eram doadas como presente) e divertimento das visitas, ou seja, eram consideradas animaizinhos de estimação (cavali-nhos, macaquinhos). Além de humilhações, sofriam maus-tratos e mesmo exploração sexual. [...] há estudos que indicam ter havido prostituição infan-til promovida por senhoras e senhores (NEVES, 1992, apud RIZZINI; PILOTTI, 2009, p. 206).

As diferenças entre crianças eram mantidas nas famílias, nas escolas, nas instituições vinculadas à Igreja e ao Estado, e perduraram até a chegada do século XX. Momento em que é criado uma legislação específica de intervenção na questão da infância brasileira. Em 1927, tem-se a aprovação do Decreto-Lei 17.943-A, que estabelece o Código de Menores, uma lei correcional e punitiva da infância brasileira.

Com o advento do Código de Menores, foram criadas instituições voltadas as crianças que vivam em situação irregular. O Estado entendia que a situação irregular advinha dos

comportamentos da família pobre, do contexto de pobreza e da mendicância e prática de furtos e roubos. Era tratada como caso de polícia e demandava intervenção da lei de forma a institucionalizar crianças e adolescente que se encontram em alguma dessas situações.

Na constituição do SAM havia uma disciplina militar para os “transviados” e para os “desvalidos”. Aceitavam-se, ali, os castigos físicos, as palmatórias para os desobedientes e o isolamento em celas de castigo. Em contrapartida, não havia esforço pela educação, pelo lazer, tampouco pelo esporte. Sem controle social. Sem participação da sociedade, a corrupção entre os funcio-nários, com exceções de praxe, virou uma marca do SAM (MIRANDA, 2006, p. 96).

O percurso da legislação no Brasil não esteve em consonância com a Declaração dos Direitos Humanos e demais regulamentações específicas de defesa da vida, a uma vez que, em plena a década de 1960 ainda era possível verificar atitudes de violação do direito praticada pelo próprio Estado, principalmente, quando o Serviço de Assistência do Menor (SAM) tem encerradas as suas atividades, mas que nasce de suas cinzas a Fundação do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), órgão que irá direcionar a Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM), que contará com as Fundações Estaduais do Bem-Estar do Menor (FEBEM’s). Esse sistema, inaugurado em plena Ditadura Mili-tar, não apresenta uma resposta diferenciada no trato da infância; apenas reproduz a forma de violação e coerção praticada no antigo SAM.

No campo das legislações, mesmo com a reformulação do Código de Menores em 1979, quando o Estado cria a “Doutrina da Situação Irregular”, a infância era renegada ao anonimato que favorecia a prática de violência, abuso, tortura. Não houve um rompimen-to na reformulação, mas a persistência em tratar crianças e adolescentes pobres como ameaças à harmonia da sociedade.

Os anos 1980 representaram o marco histórico democrático brasileiro em diversas ques-tões. Por meio dos movimentos sociais, das lutas e da articulação da sociedade, os direi-tos finalmente ganham forma depois de quase vinte anos reprimidos. Assim, a Constitui-ção Federal de 1988 irá reconhecer as crianças e os adolescentes enquanto sujeitos de direitos, mas não somente reconhecer como também garantir em sua composição que esses sujeitos tenham prioridade absoluta na efetivação desses direitos. O caput do arti-go 227 diz:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e

ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimen-tação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao

respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

E é na década de 1990 que o Estatuto da Criança e do Adolescente vem regulamentar a proposição da Constituição Federal de 1988. Rompe definitivamente com a legislação anterior e provoca mudanças substanciais para a infância e adolescência. Ele trata de responsabilizar o Estado, a sociedade civil e a família para a proteção integral, estabele-cendo deveres a cada um desses setores da sociedade para que, articulados, possam garantir o acesso a direitos e à cidadania.

Assim, como enfatiza Faleiros (2009, p. 92), as crianças e os adolescentes “passam a ser vistos como cidadãos apenas como Estatuto da Criança e do Adolescente.”.

A quebra de paradigmas, operada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), não irá representar a mudança na forma de agir e pensar de uma sociedade. É preciso mudar muita coisa ainda. Deve-se levar em consideração que mudanças operadas por lei não representam materialidade nos comportamentos.

Na cultura e estratégias de poder predominantes, a questão da infância não se tem colocado na perspectiva de uma sociedade e de um Estado de direitos, mas na perspectiva do autoritarismo/clientelismo, combinando benefícios compreensão, concessões limitadas, pessoais e arbitrárias, com disciplinamento, manutenção da ordem, ao sabor das correlações de forças sociais ao nível da sociedade do governo (FALEIROS, 2009, p. 35).

O caminho da transformação está apenas germinando, uma vez que o contexto de direi-tos sociais no Brasil possui apenas 22 anos de trajetória. Pouco tempo, em virtude de séculos de escuro e opressão. Constata-se, como grande desafio, a efetivação do ECA, já em muito avançado, mas ainda com um longo caminho pela frente. Um caminho de lutas, de articulação, e que requer uma maior atuação do Estado e da sociedade. As políticas sociais que têm como premissa a participação popular devem considerar como prioridade absoluta a participação das crianças e dos adolescentes nas diretrizes de suas ações nos Municípios, Estados e União. O Estado deve garantir essa participação e a sociedade deve preparar esses cidadãos para ocupar o seu espaço. Como bem define Faleiros (2009, p. 36), deve haver a autonomia da criança pois “uma política voltada para a cidadania implica outra relação com o Estado, baseado no direito e na participação, combina a autonomia da criança, com a solidariedade civil e o dever do Estado em pro-porcionar e defender seus direitos como cidadã.”.

4 TODA CRIANÇA E ADOLESCENTE TÊM QUE TER PRIORIDADE