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O Acaso e a Obra-Prima

O Acaso desempenha papel importante tanto na produção do filme como dentro do filme de forma a construir uma Obra-Prima.

Uma peça de teatro chamada Everybody Comes to Rick’s, que não consegue ser encenada, acaba chamando a atenção e é comprada e adaptada para roteiro de cinema. Diversos roteiristas trabalham no texto enfocando diferentes aspectos. Um elenco nunca antes reunido de astros e coadjuvantes têm atuações magistrais numa impressionante sinergia. O contexto da época permite uma identificação com personagens e seus dramas pessoais. O filme representa o zeitgeist (espírito da época), pois o roteiro chega a Warner Brothers no calor do

Ataque a Pearl Harbor, as filmagens iniciam-se no momento em que acontece o atentado da resistência checa em Praga e o filme estreia nos Estados Unidos no momento em que transcorre a Conferência de Casablanca.

O Acaso aparece também no filme como se pode ver no início quando é determinado que os suspeitos de sempre fossem presos, mas um homem tenta fugir e morre baleado. No cassino do Rick’s Café Américain um apostador anônimo consegue ganhar 20.000 francos também ao Acaso para surpresa de Emil, o Croupier. A grande virada do filme ocorre no momento em que Rick Blaine decide tomar os destinos nas próprias mãos e influenciar os acontecimentos ao escolher o número 22 na roleta. A partir dali os personagens começam a tomar suas decisões e não ficam

mais ao sabor do Acaso, sendo que isso fica bem representado pelo duelo dos hinos.

Naquele ano de 1942, Casablanca era apenas uma dentre as 50 produções da Warner Brothers. Nas sucessivas tentativas de se produzir um sucesso de público e para que este tenha êxito, às vezes é necessário contar com a sorte como com o Acaso. A produção do filme teve um último e feliz Acaso, quando Ingrid Bergman cortou o cabelo curto para interpretar Maria em Por Quem os Sinos Dobram (1943) impedindo que a música As Time Goes By fosse substituída por interesses comerciais de Max Steiner de colocar uma canção de sua autoria. A interação da letra da música com o filme provoca um impacto tão grande que torna indissociável na lembrança do público e isso está Muito Além de Casablanca.

As diversas adaptações de Casablanca

Houve várias adaptações do filme para o rádio nos Estados Unidos, como propaganda antinazista, durante o esforço de guerra em meio a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). As duas mais conhecidas são: a versão de trinta minutos no Teatro Screen Guild, em 26 de abril de 1943, com Humphrey Bogart, Ingrid Bergman e Paul Henreid; e a versão de uma hora no Teatro Lux Radio, em 24 de janeiro de 1944, com Alan Ladd (1913–1964) como Rick Blaine, Hedy Lamarr (1913-2000) como Ilsa Lund e John Loder (1898–1988) como Victor Laszlo. Houve duas outras versões de trinta minutos para o rádio em 3 de setembro de 1943 e em 19 de dezembro de 1944, sendo que nesta última versão Dooley Wilson participou fazendo o papel de Sam.

Julius Epstein tentou transformar o filme num musical da Broadway em 1951 e em 1967, mas não obteve êxito em concretizar a produção. A peça de teatro Everybody Comes to Rick's chegou a ser encenada em curtas temporadas, mas sem sucesso: em Newport, Rhode Island, EUA (em agosto de 1946) e em Londres, Inglaterra (em abril de 1991).

As adaptações de Casablanca para a televisão ocorreram em 1955/1956 (10 horas de episódios) e em 1983 (5 horas de episódios), mas não conseguiram resgatar a magia original do filme. Ainda durante a década de 1980, a polêmica da colorização dos filmes preto&branco atingiu Casablanca, mas a versão colorizada acabou rejeitada pelos mais puristas.

No cinema, a influência de Casablanca começou cedo com a paródia dos irmãos Marx (Uma Noite em Casablanca, em 1946). Provavelmente a maior homenagem aconteceu com Woody Allen no filme Sonhos de Um Sedutor (Play It Again, Sam), em 1972, onde ele contracena com um mentor imaginário interpretado pelo ator Jerry Lacy (caracterizado como Humphrey Bogart na cena final de Casablanca). Além é claro da homenagem dos desenhos animados com Carrotblanca (1995), com o coelho Pernalonga no papel de Rick Blaine.

Em 2006, o filme O Segredo de Berlim (The Good German) utilizou as técnicas de filmagem da década de 1940 e foi rodado em preto&branco. O cartaz do filme e a cena final evocam Casablanca.

Na literatura, o conto “You Must Remember This” de Robert Coover (do livro A Night at the Movies or, You Must Remember This) utiliza várias falas ditas no filme e inclui uma cena explícita de sexo entre Rick Blaine e Ilsa Lund. O livro de ficção-científica The Children's Hour da série The Man-Kzin Wars, criada e editada por Larry Niven, tem o enredo baseado em vários elementos de Casablanca.

O romance As Time Goes By de Michael Walsh foi publicado nos Estados Unidos, em 1998, com autorização da Warner Brothers, sendo traduzido e publicado naquele mesmo ano no Brasil. O enredo esclarece vários pontos obscuros do filme como o passado de Rick Blaine e como ele conheceu Ilsa Lund em Paris. Além disso, começa do ponto em que o filme parou e, assim, dá a sensação de continuidade com o avião pousando em Lisboa. Posteriormente Victor

Laszlo, Ilsa Lund, Rick Blaine e Renault encontrando-se em Praga (na ficção) para o atentado da resistência checa (na realidade) que vitimou o comandante nazista Reinhard Heydrich em 1942.

Conclusão

O filme Casablanca possui um gênero híbrido que é muito diferente dos outros filmes de sua época. Isso foi amplamente analisado por Umberto Eco em seu clássico texto de semiótica. O filme retrata um mundo em crise de identidade e passando por mudanças. Casablanca nos transporta para um lugar exótico e distante do mundo ocidental durante a Segunda Guerra Mundial, exatamente para poder colocar os elementos necessários para analisar a realidade. A ambiguidade dos personagens, o conflito de sentimentos e a necessidade de assumir uma posição estão presentes no filme. Rick Blaine aparenta ser isolacionista (como os Estados Unidos), mas ele se torna intervencionista devido às circunstâncias da guerra. O capitão Renault atua como colaboracionista (apoio ao governo de Vichy), mas acaba revelando-se aliado da

França Livre. Ilsa Lund parece solteira para proteger o marido (a ideia é dele), mas no final do filme acaba tomando a consciência de que é a Senhora Laszlo.

Há um jogo de cena entre o oculto e o visível que permite acompanhar a transformação das personagens. O próprio Rick’s Café Américain é o retrato deste jogo onde há o visível para a maioria das pessoas (o bar e a música) e o oculto para poucas pessoas (o carteado e a roleta). O encontro de Rick Blaine com Ugarte se dá exatamente na porta entre o oculto e o visível. Há vários eventos que não se materializam aos olhos do espectador e isso acentua o jogo entre o oculto e o visível. Não se vê a morte dos dois couriers alemães, assim como a morte de Ugarte ou mesmo a reunião da resistência. Vê-se a cena do beijo do casal novamente enamorado, pouco antes do fim do filme, e

depois eles conversando sobre o que fazer e que decisão tomar, mas há um longo lapso de tempo entre as duas cenas. Isso foi preenchido pelo farol com sua circulante luz.

As duas cartas de trânsito em poder de Ugarte são entregues a Rick Blaine para que as guarde. Ele as esconde dentro do piano, no meio do bar, e ao alcance de qualquer pessoa que abrisse o piano. Posteriormente, todo o Rick’s Café Américain é revirado (não se vê no filme), em busca das cartas de trânsito, mas elas não são encontradas. Isso evoca o conto A Carta Roubada (The Purloined Letter) de Edgar Allan Poe (1809-1849) no qual uma carta está colocada no lugar mais evidente aos olhos de todos, mas não é reconhecida durante a realização das buscas por ela.

As cartas de trânsito não existiam na realidade, apenas na ficção, mas serviram para mostrar a dialética na tomada de decisão. A

abordagem racional (tese) utilizada Victor Laszlo é com patriotismo, apoio aos movimentos de resistência ou pela venda a dinheiro, mas não é aceita por Rick Blaine. A abordagem emocional (antítese) utilizada por Ilsa Lund ameaçando matá-lo ou amá-lo acaba gerando uma tomada de decisão baseada numa abordagem racional/emocional (síntese) por parte de Rick Blaine que percebe que ambos (Victor Laszlo e Ilsa Lund) estavam dispostos ao sacrifício para o outro escapar e, assim, ele sacrifica sua paixão para mantê-los juntos.

Casablanca nos lembra de que o mundo está em movimento, como o globo que gira no início do filme, que não se pode ficar estático e que muitas vezes medidas dinâmicas e mesmo sacrifícios são necessários em busca de se retomar um novo equilíbrio. Os problemas de três pessoas parecem pequenos diante dos grandes problemas do mundo. Não

somos responsáveis por nossos sentimentos, mas sim por nossas ações.

Bibliografia

HARMETZ, Aljean (1993) Round Up the Usual Suspects: The Making of Casablanca – Bogart, Bergman and World War II. Nova Iorque, Hyperion.

KOCH, Howard (1995) Casablanca: Script and Legend/The 50th Anniversary Edition. EUA, Overlook TP.

LEBO, Harlan (1992) Casablanca: Behind the Scenes. EUA, Fireside.

MORA, Renzo (2015) Casablanca – A Criação de uma Obra-Prima Involuntária do Cinema. Editora Estronho, São José dos Pinhais.

OSBORNE, Richard (2002) The Casablanca Companion: The Movie Classic and Its Place in History. EUA, Riebel-Roque.

ROBERTSON, James C. (1993) The Casablanca Man: The Cinema of Michael Curtiz. Londres/Nova Iorque, Routledge. ROSENZWIEG, Sidney (1982) Casablanca and Other Major Films of Michael Curtiz. EUA, UMI Research Press.

Artigo: “Casablanca: Cult Movies and Intertextual Collage” de Umberto Eco. SubStance, vol. 14, nº 2, Issue 47: In Search of Eco’s Roses. (1985), pp-3-12.

Websites:

www.vincasa.com

http://www.filmsite.org/casa.html

http://www.imdb.com/title/tt0034583/ful lcredits#cast

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