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Mulher negra no mercado de trabalho: inserção marcada por dupla discriminação

3. PENSANDO O PAPEL DO TRABALHO DA MULHER NEGRA NO BRASIL NA

3.4 Mulher negra no mercado de trabalho: inserção marcada por dupla discriminação

Pensar o papel do trabalho da mulher negra no Brasil é tarefa árdua e urgente. O processo de discriminação de raça e gênero, construído e reformulado ao longo de séculos e que vigora até os dias atuais, é algo que precisa ser reavaliado imediatamente, visando igualar o acesso às oportunidades, à educação, à saúde, ao trabalho e a uma vida mais humana e digna.123

A professora Maria Nilza da Silva evidencia a condição atual da mulher negra:

A situação da mulher negra no Brasil de hoje manifesta um prolongamento da sua realidade vivida no período de escravidão com poucas mudanças, pois ela continua em último lugar na escala social e é aquela que mais carrega as desvantagens do sistema injusto e racista do país. Inúmeras pesquisas realizadas nos últimos anos mostram que a mulher negra apresenta menor nível de escolaridade, trabalha mais, porém com rendimento menor, e as poucas que conseguem romper as barreiras do preconceito e da discriminação racial e ascender socialmente têm menos possibilidade de encontrar companheiros no mercado matrimonial.124

122 DIEESE. Os negros no mercado de trabalho metropolitano - anexo estatístico 2008. Disponível em

<http://www.dieese.org.br/ped/negroanexo2008.pdf>. Acesso em: 19 de novembro de 2008.

123 Alguns pesquisadores definem a condição da mulher negra na sociedade como de tríplice

discriminação, ou seja: por sexo, raça e classe social. Neste trabalho, por uma questão de delimitação do objeto pesquisado, optar-se-á por uma pesquisa da condição da mulher negra no mercado de trabalho como duplamente discriminada. No entanto, em algumas passagens falar-se-á da condição de exclusão e discriminação da mulher negra em razão da condição social, por entender- se ser esta uma conseqüência que atinge a maior parte da população negra feminina, subempregada e vivendo em piores condições se comparada aos demais grupos “raciais” economicamente ativos no Brasil. Compreenda-se por discriminação e preconceito social o fenômeno que afeta pessoas com baixo poder aquisitivo, vivendo abaixo da linha da pobreza ou até mesmo da miséria, situação na qual se encontra grande parte dos negros brasileiros.

124 SILVA, Maria Nilza da. Mulher negra. Disponível em

Assim, o processo de exclusão de raça e gênero vivido pelas mulheres as mantém no último degrau da escala de cargos e salários. O homem branco, a mulher branca e o homem negro ocupam, conseqüentemente, os melhores cargos e ganham os melhores salários e, uma vez empregados, têm maiores chances de ascensão dentro das empresas.

Vale ressaltar que a literatura pátria dedicada à mulher negra é escassa, e a maior parte das informações a respeito da sua condição encontra-se evidenciada em estudos estatísticos desenvolvidos por instituições públicas e privadas, que realizam análises das condições de vida da população brasileira. Para tanto, analisam quesitos como exclusão social, saúde, educação, trabalho, entre outros, e a condição diferenciada da mulher negra acaba ficando em evidência no momento da subdivisão de áreas de estudo por gênero e raça.125

Deste modo, a situação de desigualdade enfrentada pelas mulheres negras é comprovada por inúmeras pesquisas, tais como as realizadas, recentemente, pela Fundação Perseu Abramo (FPA), pelo IBGE, pelo IPEA e pelo DIEESE.

Segundo pesquisas realizadas pela Fundação Perseu Abramo, a maior concentração de mulheres negras no Brasil localiza-se nas regiões Nordeste e Sudeste, estando elas presentes em maior número na região Nordeste.126

125 No tocante à análise estatística dos tópicos abordados neste capítulo optar-se-á por utilizar com

mais ênfase os dados oferecidos pelo Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil, o qual foi escrito com base em dados obtidos pela Pesquisa Por Amostra de Domicílios (PEA) e no DIEESE. Tal opção fundamenta-se no fato de os dados estáticos divulgados pelos documentos anteriormente descritos serem mais recentes e por abrangerem a última década, período em que aconteceram alterações significativas na condição de trabalho da mulher, entre outros aspectos.

126 O Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil informa a distribuição aproximada de

brancos e negros nas regiões do país: “em 2006, a população branca, no Brasil, concentrava-se primordialmente no Sul e no Sudeste, que, juntas, eram regiões de residência de 73% deste contingente. Os pretos & pardos residiam com mais intensidade no Nordeste (39,3%) e no Sudeste (34,6%). A população preta & parda era majoritária em três das cinco regiões geográficas brasileiras: Norte (75,4%), Nordeste (70,4%) e Centro-Oeste (56,2%). No Sudeste e Sul, o peso relativo dos pretos & pardos era, respectivamente, de 40,2% e de 19,7%”. PAIXÃO, Marcelo, CARVARNO, Luiz M. Relatório anual das desigualdades raciais no Brasil. Disponível em <http://www.laeser.ie.ufrj.br/pdf/RDR%20Capítulo_8_pt.pdf>. Acesso em: 17 de novembro de 2008.

Nas regiões Norte e Nordeste as mulheres negras, além de estarem submetidas a todos os mecanismos discriminatórios, estão expostas à exploração sexual desde a mais tenra idade.

Como descreve Rosane da Silva Borges, no caso das regiões Norte e Nordeste há o problema do turismo sexual que vende a imagem de mulheres e meninas não brancas para a indústria do sexo, sendo também promovido o tráfico internacional de mulheres. “A manipulação da identidade cultural, ética e racial é elemento constitutivo do sexy marketing que sustenta o aliciamento e a exploração sexual dessas mulheres nessas regiões do país.”127

Destarte, verifica-se ainda que os sentimentos de inferioridade e de inaptidão para o exercício de vários papéis na sociedade são muito comuns entre meninas e mulheres negras, vítimas permanentes de desigualdades socioeconômicas. Elas são moralmente agredidas ao verem sua imagem diretamente vinculada a símbolos sexuais.

As demais regiões do país persistem em oferecer às negras somente o subemprego, tais como os serviços domésticos, pelos quais recebem baixos salários. Os direitos trabalhistas não são respeitados, mantendo as trabalhadoras negras em condição de desigualdade.

Como afirma Paul Singer, quando as mulheres negras conseguem ascensão acontece um aumento das dificuldades, já que aumenta a concorrência, restando para elas apenas os cargos menos ambicionados por outros grupos populacionais.

127 SANTOS, Gevanilda Gomes; SILVA, Maria Palmira da. Racismo no Brasil. percepções da

discriminação e do preconceito racial no século XXI. São Paulo: Fundação Perseu Abramo em co-

Conclui-se portanto que, apesar do número de vagas de trabalho para mulheres ter crescido consideravelmente na última década no mercado de trabalho brasileiro, isso não significou necessariamente novos padrões de inserção das mulheres negras.

Índices populacionais por regiões128

128 Disponível em

<http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/destaque/Tabelas_Retrato_das_Desigualdades.pdf>. Acesso em: 25 de setembro de 2008.