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5 3 – MULHERES XAKRIABÁ E TRABALHOS FIXOS ASSALARIADOS

5 – MULHERES E ENVOLVIMENTO COM OUTROS

5 3 – MULHERES XAKRIABÁ E TRABALHOS FIXOS ASSALARIADOS

A existência de trabalhos assalariados fixos entre os Xakriabá é bastante recente e está relacionada à implantação da escolarização, na segunda metade da década de 1990, e das Unidades Básicas de Saúde, a partir de 2000. No sistema escolar, os trabalhadores referem-se aos professores, auxiliares de serviços gerais e auxiliares de secretaria. E no sistema de saúde, há os agentes indígenas de saúde, os agentes sanitários e os técnicos em higiene dental55. No sistema escolar, a

presença feminina é majoritária. De acordo com os números do ano de 2007, entre os professores, havia 105 mulheres e 50 homens; entre os auxiliares administrativos, havia 8 mulheres e 4 homens e entre os 58 auxiliares de serviços gerais, havia 55 mulheres e apenas 3 homens. No sistema de saúde, de acordo com os dados deste mesmo ano, havia, entre os agentes indígenas de saúde, técnicos de higiene dental e agentes sanitários, 36 mulheres e 13 homens56.

Um elemento comum a todos esses trabalhadores diz respeito ao processo de seleção, que tem como mecanismo principal a indicação da comunidade, que ocorre tanto pela indicação da liderança da aldeia (cuja palavra “reafirma”, teoricamente, a vontade da comunidade), como por meio de votação em assembléias comunitárias. Cada comunidade cria critérios próprios para selecionar os trabalhadores.

Um critério importante é a forma como o candidato se relaciona com a comunidade. Pessoas bem relacionadas possuem maiores chances de receber votos durante as assembléias e, certamente, a opinião das lideranças em relação aos candidatos influencia também. Geralmente, membros de famílias melhor

55 A prefeitura municipal de São João das Missões também emprega alguns trabalhadores, apesar de

não ser possível precisar o número de indígenas.

56 De acordo com os registros da Prefeitura Municipal de São João das Missões, que contrata os

trabalhadores, não foi possível separar quantos trabalhadores faziam parte de cada categoria profissional, uma vez que todos eram registrados como agentes indígenas de saúde.

relacionadas politicamente conseguem o aval da comunidade. Claro que esse tipo de seleção não exclui a existência de conflitos57.

O candidato deve ser uma pessoa acessível e disposta a trabalhar em favor da comunidade: os trabalhadores assalariados fixos são considerados privilegiados em relação ao restante da população, não só porque recebem salário, bem precioso entre os Xakriabá, como também porque tem acesso a um universo bastante particular. Na verdade, esse aspecto é mais evidente entre os professores e agentes indígenas de saúde, que comumente participam de cursos de formação. Em conseqüência disso, os trabalhadores devem estar dispostos a atender a comunidade de diferentes modos, mesmo nos momentos de folga, e em atribuições que extrapolam a atividade de trabalho desenvolvida. Um dos exemplos mais evidentes, diz respeito às pressões que os trabalhadores sofrem para que participem de associações comunitárias e projetos sociais.

Na escolha dos trabalhadores, as lideranças também avaliam a necessidade do salário por parte da família: na escolha de um trabalhador, avalia-se não apenas as atribuições individuais do candidato, mas também outros aspectos, tais como a condição financeira, bem como a existência de outras formas de renda da família. Normalmente, são escolhidos integrantes de famílias que não possuem salário ou qualquer tipo de remuneração. Pode-se dizer que tão importantes quanto os critérios para a escolha dos trabalhadores são as exigências e as pressões quanto ao desempenho de um trabalho e ao atendimento das expectativas da população. Esse aspecto se torna mais evidente em relação aos agentes indígenas de saúde e aos professores, tidos como mediadores entre os interesses das comunidades e a possibilidade de atendimento desses interesses, pelos órgãos estatais, por exemplo. No entanto, não se pode desconsiderar o impacto do trabalho na vida das auxiliares de serviços gerais e auxiliares de administrativos.

Embora os trabalhadores assalariados abranjam uma parcela muito pequena da população Xakriabá, é interessante analisar a sua importância no cenário da

57 Conforme analisa Evaristo dos Santos (2006), ao analisar as práticas de gestão das

escolas Xakriabá, o processo de seleção dos candidatos está perpassado, na maioria das vezes, por conflitos internos anteriores. Por isso, a escolha de um ou outro candidato pode significar a supremacia de um grupo familiar sobre o rival e reacender antigas rixas.

Terra Indígena por diversos fatores. O estabelecimento de trabalhos assalariados fixos tem possibilitado uma maior circulação de dinheiro na Terra Indígena, o que aumenta o poder de compra. A existência dos salários tem possibilitado aos trabalhadores, dentre outras coisas, construir ou reformar casas, adquirir motocicletas, móveis e eletrodomésticos, principalmente televisões e aparelhos de som, e ter acesso a bens de consumo, por exemplo, roupas da moda e celulares. Há também o estabelecimento de empregos secundários decorrentes destes, dentre os quais, os pedreiros, serventes, empregadas domésticas e babás.

Ao contrário da realidade da maior parte dos povos indígenas do Brasil, entre os Xakriabá, a maioria das pessoas que possui trabalho fixo assalariado é mulher. Ao mesmo tempo, esses dados se aproximam daqueles trabalhados em pesquisas recentes sobre as desigualdades de gênero no sistema educacional brasileiro, que apontam para a predominância feminina tanto entre estudantes, como entre docentes. Neste segmento do texto, o principal objetivo é problematizar a maior ocupação feminina nessa modalidade de trabalho, bem como o impacto desse fenômeno na vida das mulheres.

Estudos recentes (Andrade & Vasconcelos, 2004; Almeida,1996; Demartini & Antunes, 1993; Rosemberg & Amado, 1992; Ferreira, 2004 e Vianna, 2000) enfatizam como a constituição do trabalho docente está vinculada à constituição da identidade de gênero. Nesses estudos é possível observar como a docência geralmente está associada ao doméstico, à maternidade, a uma suposta vocação feminina e amor à profissão. Nesse caso, a profissão docente só pode ser compreendida como resultado de uma construção social e histórica, cujas especificidades ocasionaram transformações que possibilitaram, gradativamente, o maior ingresso das mulheres no universo escolar, seja como alunas ou como docentes.

No caso dos Xakriabá, é importante compreender a maior ocupação das mulheres nos trabalhos fixos assalariados, e não só na profissão docente, e como este fenômeno está relacionado à maior ocupação delas no sistema escolar. A maior ocupação das mulheres Xakriabá nos trabalhos fixos assalariados está ligada a diversos fatores, dentre os quais, os significados associados à escolarização e as diferenças na progressão escolar de meninos e meninas, além dos baixos salários

dos professores e agentes de saúde, que não são estimuladores aos olhos de muitos homens. Sair da Terra Indígena para trabalhar não é fácil para elas, especialmente para as que têm filhos, por isso, os trabalhos assalariados fixos dentro da terra indígena são uma importante alternativa de trabalho e constituem um dos elementos mais importantes em favor da escolarização. Além disso, não se pode perder de vista que esses trabalhos podem ser conjugados com as obrigações familiares e domésticas. Claro que o estabelecimento e a ocupação feminina nos trabalhos fixos assalariados acarretam certas implicações para a vida das mulheres, implicações essas que possuem tanto aspectos positivos como aspectos negativos, conforme tentarei mostrar nos próximos segmentos do texto.