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Multimodalidade, intermodalidade e operadores logísticos

CAPÍTULO 3 – A HIDROVIA TIETÊ-PARANÁ

3.5. Multimodalidade, intermodalidade e operadores logísticos

No final da década de 1970 e início dos anos de 1980 surgiram vários operadores logísticos de transportes, principalmente nos Estados Unidos, Japão e Europa Ocidental, em decorrência da terceirização dos serviços de escoamento de cargas. Tal fato é explicado pela lógica da economia flexível e pelos rearranjos feitos pelo capital para reduzir os custos e aumentar a competitividade no mercado (DEMARIA, 2004).

Nesse mesmo período, os países europeus gradativamente substituíram as disposições legais nacionais por uma regulamentação supranacional européia, mais flexível, suprimindo as barreiras alfandegárias que limitavam a atuação dos operadores. Essa adaptação incentivou a concorrência e aumentou a qualidade e eficiência do setor de transportes nos países que compõem a União Européia (DEMARIA, 2004).

A disseminação da produção flexível (just in time e kan ban), as inovações tecnológicas e a utilização da informática e telecomunicações em larga escala foram seguidas pela reestruturação do setor de transportes. Atualmente, é fundamental o gerenciamento otimizado de estoques, evitando-se ao máximo a perda de mercadorias e os atrasos nas

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entregas. Soma-se ainda, o aprimoramento das funções de distribuição e armazenamento de cargas no espaço, assegurando a máxima qualidade do serviço prestado (CHESNAIS, 1996).

Ao longo dos anos de 1980 e 1990, a prestação de serviços e a logística de transportes ganham relevância face à intensa concorrência entre o capital privado em âmbito global. A terceirização é um mecanismo de redução de custos e aumento dos lucros, sendo que muitas empresas não mais realizam esse tipo de atividade, delegando tal responsabilidade às transportadoras rodoviárias, ferroviárias e hidroviárias. Cabe destacar ainda que a prestação de serviço de transporte é permeada por tecnologias ligadas à informação e rastreamento, como, por exemplo, o Sistema de Posicionamento Global (GPS).

No Brasil, o primeiro operador logístico surge na década de 1980: a Brasil

Dock´s-Pirelli e, em 1988, foi criada a Associação Brasileira de Logística (ASLOG). A partir

de então, várias prestadoras de serviços de transportes internacionais e nacionais entram em operação no país. Novas tecnologias foram introduzidas com o objetivo de aprimorar o serviço prestado, com ênfase à segurança e redução do tempo de transporte (DEMARIA, 2004).

Segundo Keedi (2001), os operadores logísticos são todos os agentes que realizam operações logísticas, seja o Operador de Transporte Multimodal (OTM) ou as várias pessoas jurídicas responsáveis pelo transporte das mercadorias.

Para que os operadores logísticos ou o Operador de Transporte Multimodal (OTM) possam realmente causar efeitos positivos no sistema de distribuição de cargas, deve- se considerar a qualidade do serviço prestado. As transportadoras devem oferecer um serviço eficiente e compatível com as demandas impostas pela empresa contratante, sendo assim, é essencial a qualidade do capital constante e dos meios de transporte, bem como a utilização de tecnologias ligadas à informação.

Não é suficiente que os operadores logísticos apenas transportem as mercadorias de um espaço a outro, articulando diferentes regiões e países, mas é imprescindível que a prestadora do serviço assegure com precisão os horários de embarque, desembarque e entrega dos produtos aos centros de demanda. Isto é, o capitalista industrial delega parte do processo de reprodução do capital a terceiros e espera eficiência nos serviços prestados por outros capitalistas para garantir seu lucro e a acumulação de capitais (MARX, 2005).

No que tange à Hidrovia Tietê-Paraná, destacam-se as empresas Torque (através da DNP – Indústria de Navegação Ltda.) e Comercial Quintella Comércio e Exportação S.A. na prestação de serviço de transporte fluvial de commodities. Atuam no

transporte de cargas via sistema Tietê-Paraná desde a década de 1990, quando houve a união dos dois tramos, através do canal de Pereira Barreto-SP, permitindo a navegação ininterrupta a 2.400 quilômetros de extensão.

A Torque presta serviço de transporte de cargas para a Caramuru Alimentos, transportando soja, farelo de soja, sorgo e milho desde São Simão-GO até o porto intermodal de Pederneiras-SP, responsabilizando-se pelas mercadorias ao longo do trajeto. O transbordo da carga e sua condução até os armazéns e vagões também são de responsabilidade da Torque, todavia, o armazenamento é de incumbência da Caramuru.

A Torque atua em outros portos intermodais, possuindo terminais para movimentação de produtos de baixo valor agregado em São Simão-GO (rio Paranaíba) e Anhembi-SP (rio Tietê). Neste último, a empresa realiza o transporte fluvial de soja, farelo de soja, sorgo, açúcar e milho, o transbordo e a condução das mercadorias por esteiras até os caminhões com destino ao porto de Santos-SP.

O transporte multimodal, por sua vez, é realizado em território nacional, apesar de estar aquém das possibilidades oferecidas pelo meio físico (rios extensos e com grande potencial para navegação que permitem a utilização conjunta dos modais terrestre e fluvial). O transporte multimodal é aquele em que a mercadoria é escoada por mais de um modal sob a responsabilidade de uma mesma pessoa jurídica, desde sua origem até seu destino final. Desse modo:

A multimodalidade caracteriza-se quando a mercadoria é transportada por mais de um modal de transporte sob a responsabilidade de um único transportador ou operador de transporte multimodal, que tem a obrigação da entrega da mercadoria em determinado ponto e cujos trajetos são cobertos por um documento de transporte único, ou seja, por um contrato único. Isto requer o desenvolvimento gerencial de uma política de venda e transporte porta a porta, o que torna a logística de transporte um exercício permanente, para que se possa aproveitar as melhores oportunidades (MENDONÇA; KEEDI, 1997).

Vale destacar que o Operador de Transporte Multimodal (OTM) pode ou não realizar o transporte, ou seja, pode transferir essa função a outro prestador de serviço, entretanto, é de sua responsabilidade qualquer eventual problema com o transporte das cargas. Assume a obrigação de responder pelo contrato firmado, pelos prejuízos ocorridos eventualmente nas mercadorias, pelo atraso em sua entrega ao estabelecimento, e outros.

Na multimodalidade, o pagamento do frete é realizado apenas uma vez e, em geral, essa forma têm vantagens frente à intermodalidade, pois, na maior parte das vezes, eleva-se o custo diante da divisão de responsabilidades entre os transportadores, bem como há

um número maior de disputas judiciais entre os prestadores de serviços para uma mesma empresa.

Há a preocupação neste trabalho em esclarecer a diferenciação entre multimodalidade e intermodalidade. Apesar de ambas serem operações realizadas pela utilização de mais de um modal de transporte, existe diferenciação conceitual e legal entre elas, alterando, assim, os termos e a resolução contratuais.

A intermodalidade se caracteriza pela emissão individual de documento de transporte para cada modal, bem como pela divisão de responsabilidades entre os transportadores. Por exemplo, se em uma operação de escoamento de cargas são utilizados como meios de transportes uma embarcação e um trem há a emissão de dois documentos de transporte independentes. Cada transportador se responsabiliza pelas mercadorias ao longo do trajeto de sua incumbência, desde o ponto inicial até o final. Contudo, na multimodalidade, a responsabilidade pela carga escoada pertence a apenas uma pessoa jurídica, independentemente do número de modais utilizados. (KEEDI, 2001).

Em relação ao sistema hidroviário Tietê-Paraná e ao transporte bi ou trimodal realizado no Estado de São Paulo, tem-se uma grande predominância da intermodalidade, com a emissão de dois ou três documentos de transportes sob responsabilidades diferentes. No caso específico do porto intermodal de Pederneiras-SP (entroncamento trimodal), há a divisão de responsabilidades entre os transportadores fluviais e o ferroviário, casos das empresas Torque (DNP – Indústria de Navegação Ltda.) e MRS Logística, respectivamente, que prestam serviços de transporte para a Caramuru Alimentos, e a Comercial Quintella e a MRS Logística que realizam o transporte hidroviário e ferroviário, respectivamente, para a Louis Dreyfus.

A Lei n° 9.611/98, promulgada em 19 de fevereiro de 1998, e regulamentada pelo Decreto n° 3.411, de 12 de abril de 2000, dispõe sobre o transporte multimodal de cargas. Já o Decreto n° 5.276, de 19 de novembro de 2004, alterou os artigos 2° e 3° do Decreto n° 3.411 e ainda definiu outras providências. Soma-se ainda, a Resolução da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) n° 794, de 22 de novembro de 2004, que dispõe sobre a habilitação do Operador de Transporte Multimodal (OTM), de que trata a Lei n° 9.611/98 (MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES, 2007).

Segundo Montenegro (2002), as principais vantagens da utilização do transporte multimodal no Brasil, sob responsabilidade do Operador de Transporte Multimodal (OTM) são:

• Melhor utilização da capacidade disponível da matriz de transportes; • Combinações de modais de transporte;

• Melhor utilização das tecnologias de informação;

• Maior segurança e responsabilidade no escoamento e entrega das mercadorias.

Apesar das definições e diferenciações legais entre multimodalidade e intermodalidade, considera-se, neste trabalho, a relevância da integração entre diferentes modais de transporte (terrestre, aquático e aéreo) visando a racionalização do sistema de transportes no território. O mais importante é que a utilização conjunta dos modais – mesmo com a burocracia existente – contribui para intensificar a produção, a distribuição, as interações espaciais e a formação de redes e fluxos materiais no espaço, sendo, portanto, uma alternativa condizente para o desenvolvimento nacional.