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O neoliberalismo da década de 1990 e o enfraquecimento do planejamento estatal no

CAPÍTULO 2 – ESTADO E INFRA-ESTRUTURAS DE TRANSPORTES NO BRASIL: A

2.3. O neoliberalismo da década de 1990 e o enfraquecimento do planejamento estatal no

A política neoliberal24 baseada na mínima intervenção do Estado na economia (Estado-mínimo), deixando esta sob sua auto-regulação, visam a máxima redução

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A política neoliberal – que substitui o Estado keynesiano e desenvolvimentista – caracteriza-se pela estratégia de intensificação da hegemonia do grande capital e dos países desenvolvidos, por um lado, e fragilização do Terceiro Mundo, por outro. Seus defensores possuem um discurso “liberalizante", pautado na teoria econômica neoclássica, para difundir a não-intervenção econômica governamental, isto é, ideologicamente dizem que a dinâmica das economias nacionais é mais eficiente sem o planejamento e as diretrizes regidas pelo Estado. As políticas neoliberais pautadas no Estado-mínimo caracterizam o capitalismo periférico na contemporaneidade. Estas são entraves ao desenvolvimento e visam o enfraquecimento do Estado enquanto agente planejador e que estabelece estratégias de crescimento macroeconômico que geram repercussões positivas na sociedade e na classe trabalhadora. Ademais, economistas adeptos do laissez-faire e do livre mercado, como Milton Friedman e Friedrich Hayek, responsabilizam o protecionismo excessivo e a regulamentação das atividades econômicas como fatores que impedem o aumento da produção e do comércio. Em contraposição, Chang (2004) e

dos encargos e gastos públicos, ou seja, um Estado não-interventor e não-planejador. Investimentos sociais em habitação, saúde, educação e saneamento básico se enfraquecem, ao passo que a busca por mercados externos para assegurar o superávit da balança comercial e a hegemonia da tecnocracia são cada vez mais visíveis. Tal modelo se instala na política econômica brasileira com o governo de Fernando Collor, em 1990, e se acentua durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, mantendo-se, em boa parte, também no atual governo Lula. Tal modelo valoriza demasiadamente o setor financeiro, visto que possui em seu bojo uma marcante dependência e submissão quanto aos organismos financeiros internacionais, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial (SILVEIRA, 2007). Assim, difunde-se a concepção hegemônica de restauração liberal-conservadora, em detrimento do Estado keynesiano, planejador e desenvolvimentista (FIORI, 2001).

Vale destacar que, segundo afirma Mamigonian (2001), há a difusão de um Estado neoliberal para os países periféricos e de um Estado keynesiano para os centrais, visto que o Estado não se enfraquece, muito pelo contrário, ele está reativado com novos papéis e em aliança ao grande capital industrial e financeiro. Contudo, algumas medidas se caracterizam por combinar ações e estratégias neoliberais e keynesianas internamente, como no caso dos Estados Unidos.

O denominado “Consenso de Washington” foi responsável pela elaboração das duas principais diretrizes que caracterizam a política neoliberal. A primeira é de ordem macroeconômica. Ela se baseia em um acordo firmado entre as agências econômicas e financeiras internacionais para difundir a idéia de que os países periféricos devem atribuir relevância ao equilíbrio e austeridade fiscal, realização de reformas administrativas, previdenciárias e fiscais, além de uma significativa redução do gasto público. O mesmo estabelece que tais países devem estabelecer políticas monetárias rígidas, pois a prioridade deve ser a estabilização.

A segunda diretriz visa apresentar propostas e reformas microeconômicas, casos da desoneração fiscal do capital (incremento da acumulação privada). Dessa maneira, o acordo anteriormente citado indica que o caminho para as pequenas empresas situadas nos países periféricos conseguirem sobreviver diante da concorrência nacional e global é através

Mamigonian (2007), afirmam que tais estratégias foram fundamentais para o desenvolvimento de diversos países europeus, dos Estados Unidos, do Japão etc., ao mesmo tempo em que vários países periféricos, caso do Brasil, expandiram suas infra-estruturas viária e energética e se industrializaram com base no modelo keynesiano- protecionista.

do aumento da competitividade, o que passaria por desoneração fiscal, flexibilização do mercado de trabalho, diminuição da carga social com os trabalhadores e redução dos salários.

Assim, de acordo com Chang (2004), Filgueira (2005) e Mamigonian (2007), os instrumentos e mecanismos que caracterizam e definem a política neoliberal são: • Redução das tarifas de importação, gerando o arrefecimento da reserva de mercado e a

desindustrialização nacional. A suspensão dos benefícios e da reserva de mercado para as indústrias nacionais, com destaque ao setor de bens de consumo duráveis, prejudica, sobretudo, as pequenas e médias empresas brasileiras;

• Abertura dos mercados aos investimentos externos diretos e aos grandes grupos estrangeiros, estimulando, por conseguinte, a aquisição de empresas nacionais, as fusões, a oligopolização de vários setores etc.;

• Equilíbrio e austeridade fiscal e redução dos gastos públicos e sociais com base no fim dos subsídios e subvenções estatais. Tem-se o propósito de reversão das receitas para o pagamento dos juros das dívidas interna e externa;

• Unificação da taxa de câmbio com o fim de eliminar sistemas de taxas múltiplas e, assim, impedir o fomento da produção e das exportações;

• Privatizações e concessões de empresas públicas estratégicas e com recursos ociosos ao capital privado nacional e, principalmente estrangeiro, sob o fundamento do Estado como mal administrador, excessivamente burocrático e que não assegura a modernização e os investimentos. Difunde-se também o pensamento de que as rendas melhorariam (em curto prazo) mediante a transferência das empresas supercapitalizadas25;

• Garantia do direito de propriedade e dificuldade de desapropriações com os fins da reforma agrária (manutenção da estrutura fundiária concentrada) e construção de obras públicas;

• Elevação dos juros com o intuito de impedir o fomento da produção e do consumo, utilizando como discurso que tal medida é fundamental para controlar o crescimento da inflação26.

• Desregulamentação das relações trabalhistas como meio de estimular o lucro das empresas privadas sob o julgo da intensificação da exploração do trabalhador;

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A concessão de serviços e empresas públicas nem sempre condiz com uma política neoliberal, pois aqueles que se encontram antiociosos devem realmente ser concedidos sob o modelo de um Estado forte, entretanto, a transferência de empresas supercapitalizadas não condiz com uma estratégia de fomento ao desenvolvimento nacional.

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Segundo Rangel (2005), a inflação é inversamente proporcional à industrialização e à dinâmica econômica. Além disso, revela que a inflação não é o problema em si, mas é o sintoma da queda do crescimento econômico.

• Descentralização do planejamento e da administração estatal, ou seja, delegação destas responsabilidades aos estados-membros e municípios, sendo intensificada, no Brasil, a partir da Constituição Federal de 1988;

• Valorização das Organizações Não-Governamentais (ONGs) e de suas ações filantrópicas, comunitárias e de organização local (Economia Solidária), atenuando problemas e arrefecendo a dependência e a participação do poder público nas áreas infra- estruturalmente rarefeitas. Difunde-se a utilização dos termos “terceiro setor” e “sociedade civil organizada”.

• Fragilização do sistema de “capital associado” e da sua regulação institucional, por um lado, e inserção independente de grandes grupos estrangeiros no Brasil, por outro;

• Desproteção legal e jurídica dos trabalhadores em relação à assistência social (desinstitucionalização da proteção social), sendo que estes não possuem condições financeiras de pagarem um serviço privado (convênio médico, por exemplo);

• Combate à inflação visando, principalmente, amenizar os movimentos sindicais e manifestações em prol do aumento dos salários;

• Estímulo aos empréstimos externos, sobretudo do Fundo Monetário Internacional (FMI), como forma de intensificar a dependência dos países periféricos;

• Ajustes estruturais, como as reformas Administrativa, Tributária e Previdenciária;

• Criação de agências reguladoras setoriais (Agência Nacional de Transportes Aquáticos (ANTAQ), por exemplo) posteriormente à realização das concessões. Ao mesmo tempo em que se tornam impotentes diante dos contratos estabelecidos, o financiamento privado destas agências é um fator que assegura os interesses do capital nacional e, principalmente, internacional;

• Mercantilização dos serviços sociais (saúde, educação etc.) em decorrência da escassez de investimentos públicos no setor (corte de gastos do Estado), entre outros.

Como conseqüência, pode-se citar o aumento do desemprego, fragilidade de determinados segmentos do setor industrial e das infra-estruturas de transportes e energia, declínio do investimento público, processo de monopolização/oligopolização, efeito multiplicador externo, crescimento da pobreza, desigualdade, marginalidade, periferização, favelização, violência, fragilização dos serviços de educação, saúde e habitação etc., elucidando uma despreocupação por parte do Estado em executar funções imprescindíveis ao desenvolvimento socioeconômico e à dinâmica territorial (FIORI, 2001).

Durante a década de 1990, tem início um processo de equivocadas concessões de bens públicos à iniciativa privada e privatizações, com destaque à concessão da Vale do Rio Doce. Todo esse processo “liberalizante” e de “entrega de patrimônio” tem início com a formação do Conselho Nacional de Desestatização (CND) e o surgimento do Programa Nacional de Desestatização (PND), instituído pela Lei nº 8.031, de 1990, durante o governo de Fernando Collor (SILVEIRA, 2007).

A criação da Lei nº 8.630, em 25 de fevereiro de 1993, dispõe sobre o regime jurídico de exploração dos portos organizados e das instalações portuárias a fim de movimentação de cargas no Brasil: a denominada Lei dos Portos. Assim, a participação privada, sob o regime de concessão, em operações portuárias e de movimentação de cargas em geral, foi regulamentada por lei.

Diante desse contexto, podem ser citadas as empresas Comercial Quintella Comércio e Exportação S.A. e EPN – Empresa Paulista de Navegação Ltda27. (grupo Torque S.A.), pois, nos anos de 1993 e 2001, respectivamente, iniciam suas atividades na Hidrovia Tietê-Paraná através da movimentação de produtos de baixo valor agregado (grãos e farelos) no porto de Pederneiras-SP.

Vale destacar que o modelo geral de concessão dos serviços públicos adotados pelo governo de Fernando Henrique Cardoso expressa a fragilidade do Estado (Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995), ou seja, é contrário à proposta rangeliana (Projeto de Lei nº 2.569, de 1989), em que o Estado é o poder concedente e o credor hipotecário. Esse modelo se caracteriza por um Estado forte com capacidade de estabelecer limites tarifários e metas a serem cumpridas pela empresa privada concessionária, sob o risco de tomar seus bens colocados em hipoteca (RANGEL, 2005).

Soma-se ainda que a Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001, cria várias agências reguladoras do setor de transportes, quais sejam: Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte (CONIT), Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) e o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT). Contudo, as concessões já tinham sido realizadas e, portanto, tais instituições se tornam pouco eficientes na cobrança de metas e estabelecimento de limites tarifários. Conseqüentemente, em muitos casos o serviço público não condiz com o interesse coletivo, como, por exemplo, os preços elevados dos pedágios cobrados nas rodovias estaduais e federais brasileiras (SILVEIRA, 2007).

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A EPN – Empresa Paulista de Navegação Ltda. mudou sua razão social para DNP – Indústria de Navegação Ltda. em 2007.

Cabe aqui realizar uma crítica às agências citadas anteriormente e, em especial, à Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), pois funcionam de acordo com os interesses do capital privado e instituições financeiras, não cumprindo suas funções de órgãos reguladores setoriais. Assim, não possuem poder em relação às empresas concessionárias e ficam a mercê de contratos estabelecidos mediante interesses privados e sob condições de monopólio e oligopólio.

O atual contexto brasileiro é caracterizado pela reestruturação e desestruturação. A primeira se refere à estrutura produtiva, implicando na modernização e aquisição de novas tecnologias ligadas ao setor industrial e agroindustrial. Por outro lado, a desestruturação se consubstancia nas dinâmicas de desassalariamento e precarização da força de trabalho, aumento do desemprego, subemprego e informalidade, assim como no enfraquecimento e extinção dos segmentos econômicos que não conseguiram mobilizar recursos para inovações, com o fim de assegurar maior competitividade no mercado regional, nacional e global (POCHMANN, 2004).

Ademais, se observa que poucas empresas e indústrias nacionais conseguem se fortalecer, sendo que a grande maioria desaparece, enfraquece ou decreta falência, ao mesmo tempo em que as aquisições e fusões se destacam, consolidando o domínio do grande capital externo na economia nacional.

2.4. A dinâmica do transporte hidroviário interior no Brasil nos últimos cinqüenta anos: