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A história precisa ser re-escrita a cada geração, porque embora o passado não mude, o presente se modifica; cada geração formula novas perguntas ao passado.

Christopher Hill – O Mundo de ponta-cabeça

As reformas religiosas que sacudiram a Europa tiveram início no século XVI. Profundamente afetad@s pelo Renascimento, as pessoas começaram a indagar não só as instituições políticas, como também a Igreja Católica. Padres que mal sabiam rezar a missa, a venda de indulgências, o dízimo e outras inúmeras taxas cobradas pelos clérigos e o desrespeito ao celibato eram vistos como abusos cometidos por essa instituição que há muito incomodavam pobres, a nobreza e pensadores. Soberanos estavam insatisfeitos, pois o papa interferia na política interna de suas nações, sendo eles obrigados a obedecer, mesmo contra a sua vontade, as ordens papais; a burguesia, que estava em franca expansão no século XVI, também estava descontente, pois o clero católico condenava abertamente em sermões suas práticas, como os juros e o lucro. Os pensadores renascentistas, por sua vez, também se encontravam em oposição aos dogmas da Igreja Romana, e a invenção da imprensa auxiliou na divulgação das ideias renascentistas, além de possibilitar a maior publicação e distribuição de livros, panfletos e outros documentos.

Em 1517, o monge alemão Martinho Lutero afixou na porta da Igreja de Todos os Santos de Wittenberg suas 95 teses que criticavam diversas práticas católicas,

entre elas, a venda de indulgências e o culto às imagens. Lutero defendia que as pessoas seriam salvas por sua fé e pelos atos praticados em vida. Ele também traduziu a Bíblia para o alemão, pois acreditava que todos deveriam ter acesso direto à palavra de Deus e não somente através de sermões, além de abolir o celibato em sua religião. Ademais, essa crença também reflete a desconfiança na mediação entre Deus e @ fiel. Para Lutero, a ligação entre a palavra divina e seu/sua seguidor/a deveria ser direta, e não mediada pela Igreja.

Essa tradução permitiu a tod@s um conhecimento que durante muito tempo foi transmitido somente pela Igreja, pois @s que não sabiam ler escutavam a leitura da Bíblia em encontros – muitas vezes clandestinos – e, provavelmente, discutiam cada trecho deste livro sagrado com uma euforia nunca sentida na leitura dos sermões nas igrejas. Segundo Delumeau (1989: 57), ―Lutero queria demolir os três muros da romanidade, isto é, a superioridade do poder pontifício sobre o poder civil; o direito que se arroga o papa de só ele interpretar as Escrituras; a preeminência do papa sobre os concìlios.‖ No entanto, a reforma promovida pelo monge alemão não era revolucionária no que dizia respeito às mulheres. Lutero comparou os púlpitos que continham mulheres a chiqueiros (DAVIES, 1998: 16), mostrando que a reforma luterana não demoliria a precedência masculina em ministrar os sacramentos. O poder do Demônio, fortificado por manuais e por tratados de demonologia cristã, também era temido pelos protestantes. ―O protestantismo era uma resposta a uma convicção profunda do pecado humano, um sentimento de impotência frente ao mal. Para Lutero, todo o mundo da realidade visìvel e da carne pertencia ao Diabo, o Senhor deste Mundo.‖ (THOMAS, 1991: 382)

O movimento em direção à Reforma na Inglaterra começa em 1527, quando Henrique VIII anuncia o desejo de anular seu casamento, pelo fato de sua esposa Catarina de Aragão não lhe haver dado um herdeiro varão. Depois de anos de enfrentamento, em 1532, Henrique VIII finalmente toma a decisão de romper com o papa, após este recusar seu pedido de anulação. Em janeiro de 1533, o rei desposa Ana Bolena, sendo excomungado em julho do mesmo ano.

No entanto, o monarca inglês conta com o apoio do Parlamento, que aprova, em 1534, uma série de atos que fortalecem a decisão do rei. O Statute in Restraint of

Appeals (Estatuto de Restrição de Apelações) proíbe as apelações das cortes eclesiásticas ao Papa e impede que a Igreja decrete qualquer tipo de regulação sem prévio consentimento do rei. A Ecclesiastical Appointments Act (Lei de Designações Eclesiásticas) decreta que os clérigos eleitos para bispos devem ser nomeados pelo soberano; o Act of Supremacy (Lei da Supremacia) transforma Henrique VIII, e todos os seus descendentes, em chefe supremo da Igreja Anglicana. Já o Treasons Act (Lei de Traição) converte em alta traição, castigada com a morte, o não reconhecimento da autoridade do rei.

Não aceitando as decisões do Papa, o parlamento valida o matrimônio entre Henrique e Ana Bolena com o Act of Succession (Primeira Lei de Sucessão). A filha de Catarina, lady Maria, foi declarada ilegítima, e os descendentes de Ana Bolena passariam a entrar na linha de sucessão real. Tod@s @s adult@s foram obrigad@s a reconhecer as previsões desta lei; quem não o fizesse era condenado à prisão perpétua. A publicação de qualquer escrito alegando que o matrimônio de Henrique VIII com Ana era inválido resultava em uma acusação de alta traição, que poderia ser castigada com a pena de morte.

A oposição às políticas religiosas de Henrique VIII foi rapidamente suprimida; vários monges dissidentes foram torturados e executados. Em 1536, uma lei do Parlamento permite que o monarca inglês confisque as possessões dos mosteiros; ele então dissolve todas as comunidades monásticas, cujas propriedades foram entregues aos nobres em troca de apoio, e aumenta seu poder e suas posses.

As Reformas religiosas e a Contra Reforma; os progressos na medicina e na anatomia e a descoberta de novos continentes; a invenção da imprensa; as ideias do renascimento e do humanismo, que pressupunham uma ruptura cultural com a tradição medieval; o estudo da literatura antiga, da história e da filosofia moral que tinham por objetivo criar seres humanos de espírito livre e cultos, pessoas de requinte e pensamento crítico, cidadãos, mais do que apenas sacerdotes e monges: tudo isso levou a um

questionamento do mundo de forma revolucionária. Toda essa agitação cultural influenciou, obviamente, o surgimento de diversas seitas que criticavam não só a religião católica, como as principais religiões protestantes (luteranismo, anglicanismo, calvinismo, anabatismo). Vamos, nessa pesquisa, nos ater às seitas dissidentes que surgiram na Inglaterra.