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Conforme explicitado na seção anterior, Steger (1987) utiliza a noção de mundos possíveis de Leibniz como um dos aspectos caracterizadores da linguagem literária. A concepção metafísica de Leibniz de mundos possíveis foi redirecionada na corrente de pensamento contemporâneo, de modo que eles são encarados como construtos das atividades criativas humanas e não como mundos que esperam ser descobertos num espaço remoto e transcendental (DOLEŽEL, 1998). A concepção contemporânea de mundos possíveis como construtos humanos faz dela uma ferramenta para a teorização empírica (DOLEŽEL, 1998). Doležel (1998, p. ix) constata que, ―o universo de mundos possíveis está constantemente se expandindo e se diversificando graças à incessante atividade construtora de mundos por meio

das mentes e mãos humanas.‖ 25 O mesmo autor também reconhece que, ―a ficção literária é

provavelmente o laboratório experimental mais ativo do empreendimento construtor de mundos.‖ 26

Por ‗mundo‘, entendemos ―a totalidade de entidades materiais e mentais que pode ser designada por meios linguísticos ou outros meios semióticos‖ 27 (DOLEŽEL, 1998, p. 282).

Por ‗mundo real‘, entendemos ―um mundo possível realizado que é percebido pelos sentidos humanos e fornece o palco para a atuação humana‖ 28 (DOLEŽEL, 1998, p. 279). Por ‗mundo

possível‘, entendemos ―um mundo que é pensável‖ 29 (DOLEŽEL, 1998, p. 281), ―[...] a

representação de um estado de coisas alternativo ao estado de coisas atuais‖ (VOLLI, 2012, p. 109). Em outras palavras, não se trata de uma simples representação de elementos do mundo real, visto que certos aspectos de um mundo possível literário, principalmente aqueles caracterizados pela fantasia, mostram-se incompatíveis e inconciliáveis com as experiências que temos do mundo real, físico, como referência.

Ao atribuir à ficção literária o estatuto de empreendimento humano mais produtivo na criação de mundos possíveis, Doležel passa a se referir a esses mundos como ficcionais. ―Os mundos ficcionais da literatura são um tipo especial de mundo possível; eles são artefatos estéticos construídos, preservados e transmitidos por meio de textos ficcionais‖ 30 (DOLEŽEL, 1998, p. 16). Assim, um mundo ficcional é ―um mundo possível construído por um texto ficcional ou outro meio performativo semiótico‖ 31 (DOLEŽEL, 1998, p. 280). O mesmo autor entende que,

Os mundos possíveis da ficção são artefatos produzidos por atividades estéticas – poesia e composição musical, mitologia e narrativa, pintura e escultura, teatro e dança, cinema e televisão e assim por diante. Uma vez que são construídos por sistemas semióticos – língua, cores, formas, tonalidades, atuação e assim por diante – justificamos a sua caracterização como objetos semióticos32 (DOLEŽEL, 1998, p. 14-15).

25 No original: The universe of possible worlds is constantly expanding and diversifying thanks to the incessant

world-constructing activity of human minds and hands.

26 No original: Literary fiction is probably the most active experimental laboratory of the world-constructing

enterprise.

27 No original: The totality of material and mental entities that can be designated by linguistic or other semiotic

means.

28 No original: A realized possible world that is perceived by human senses and provides the stage for human

acting.

29 No original: A world that is thinkable.

30 No original: Fictional worlds of literature [...] are a special kind of possible world; they are aesthetic artifacts

constructed, preserved, and circulating [sic] in the medium of fictional texts.

31 No original: A possible world constructed by a fictional text or other performative semiotic medium.

32 No original: Possible worlds of fiction are artifacts produced by aesthetic activities – poetry and music

Assim, como objetos semióticos, mundos ficcionais fazem parte do acervo cultural das sociedades e integram a memória coletiva de um povo.

Doležel (1998) entende que a ficcionalidade é primeiramente um fenômeno semântico, localizado no eixo ‗representação (signo) – mundo‘; aspectos formais e pragmáticos são importantes, mas têm um papel auxiliar. Doležel (1998) realiza uma discussão sobre o lugar da ficcionalidade em algumas teorias, caminhando em direção aos enfoques que aceitam a legitimidade de representações ficcionais. Tal discussão, resumimos a seguir.

Bertrand Russel entendia que, quando se considera o mundo real como único domínio de referência, entidades ficcionais não existem, termos ficcionais são considerados vazios (empty terms), uma vez que lhes falta referência. Russel admite, contudo, que apesar da falta de referência, termos como unicorn e sea-serpent possuem significação. Mesmo assim, ele não explica de onde vem o conhecimento de conceitos ficcionais. Gottlob Frege, de forma similar a Russel, entende que termos ficcionais são constituídos puramente de significação (pure sense), já que não denotam uma entidade no mundo. Porém, visto que Frege considera que a significação é o modo de apresentação (mode of presentation) do referente, torna-se problemático falar da significação de termos que não têm referentes, a não ser que a significação seja definida independentemente do referente. Tal entendimento encontra lugar na teoria de Ferdinand de Saussure, que compreende que a língua não se refere passivamente às entidades do mundo, mas exerce uma função semiótica. Em outras palavras, o significado não é definido na relação externa entre língua e mundo, mas sim na relação interna entre um significante e um significado. A relação de referência se dá no interior do próprio signo (self-

reference). Nesse sentido, a estrutura semântica da língua é concebida independentemente da

estrutura do mundo, já que o significado é determinado pela estrutura formal do significante e não por um referente externo. Doležel (1998), então, questiona qual seria o lugar do conceito de ficcionalidade em uma semântica sem referência, apontando que Saussure e seus adeptos não ponderaram essa questão.

Diferente dos enfoques filosóficos e linguísticos apresentados acima, Doležel destaca que a doutrina da mimese foi constituída como uma teoria de representações ficcionais. A ideia principal dessa teoria é que: ―[...] entidades ficcionais são derivadas da realidade, elas

so on. Since they are constructed by semiotic systems – language, colors, shapes, tones, acting, and so on – we are justified in calling them semiotic objects.

são imitações ou representações de entidades que realmente existem‖ 33 (DOLEŽEL, 1998, p.

6). A função mimética fornece uma semântica ficcional referencial. Ao combinar um particular ficcional (constituinte elementar de um mundo ficcional) com um particular existente, a função mimética confere referentes aos termos ficcionais, de modo que o domínio de referência dos textos ficcionais é o mundo real. Contudo, visto que não há como encontrar particulares existentes para a grande maioria de particulares ficcionais, esse postulado não se sustenta. Por exemplo, não há como atestar historicamente a existência de um indivíduo real chamado Harry Potter que morou com seus tios em Londres. Da mesma forma que não há registros históricos da existência de Hamlet ou de tantos outros indivíduos ficcionais que se queira citar. Segundo Doležel, o fracasso teórico da mimese está justamente em aderir-se a um modelo baseado em apenas um mundo como referência. O autor explica que ―não há escapatória para o que podemos chamar de lei de Leibniz-Russel: o mundo real não pode ser a morada de particulares ficcionais‖ 34 (DOLEŽEL, 1998, p. 9). Segundo Doležel (1998), o defeito fatal das abordagens semânticas da ficcionalidade baseadas em um mundo é que elas não conseguem explicar os particulares ficcionais. Por isso, ele propõe uma semântica ficcional com base em múltiplos mundos.

Conforme Doležel (1998), em sua caracterização de mundos ficcionais, ressaltamos os seguintes aspectos: são conjuntos de possíveis estados não-reais, ilimitados e altamente variados; são acessados por meios semióticos; podem ser semanticamente heterogêneos; são construtos da atividade textual humana. Detalhamos, em sequência, cada um deles.

Enquanto Harry Potter não é um homem passível de ser encontrado no mundo real, trata-se de uma pessoa possível individualizada que habita um mundo ficcional. Da mesma forma, o termo Dementor (dementador) não é vazio, nem auto-referencial; ele se refere a uma criatura específica de um mundo ficcional. Nesse sentido, o conceito de referência ficcional ganha legitimidade na semântica ficcional de Doležel. Nessa perspectiva, a Londres ficcional de Rowling não é idêntica à Londres geográfica, da mesma forma que o Nicolas Flamel ficcional de Rowling não é idêntico ao Nicolas Flamel histórico. Em outras palavras, o Nicolas Flamel ficcional não possui o mesmo estatuto ontológico que o Nicolas Flamel histórico. Para que a cidade Londres possa fazer parte de um mundo em que é possível atravessar barreiras e chegar a uma escola de magia (Hogwarts), é preciso que ambas possuam

33 No original: [...] fictional entities are derived from reality, they are imitations or representations of actually

existing entities.

34 No original: There is no escape from what we might call the Leibniz-Russel law: the actual world cannot be

o mesmo estatuto ontológico, ou seja, o de possíveis não-reais. A Londres de Rowling é tão ficcional quanto Hogwarts, de modo que ambas integram um mesmo mundo ficcional.

Mundos ficcionais não precisam se conformar com as estruturas e as leis do mundo real, de modo que eles são ilimitadamente variáveis. Já que não se tratam de imitações do mundo, ―mundos ficcionais não são restringidos por requisitos de verossimilhança, validação da verdade, plausibilidade; eles são formados por mudanças históricas em aspectos estéticos, como objetivos artísticos, [...] estilos de época e individual‖ 35 (DOLEŽEL, 1998, p. 19). Por

exemplo, o ato de desaparatar/aparatar (Disapparate/Apparate) não é verossímil em relação ao mundo real, mas em um dado mundo ficcional ele pode ser totalmente plausível, como o é em Harry Potter. Em outras palavras, um mundo ficcional opera a partir de suas próprias leis. Nas palavras de Jeha (1993, p. 117), ―as literaturas que enfatizam a fantasia [...] não se deixam tolher por supostas correspondências com o mundo experimentado.‖

O acesso a mundos ficcionais é viabilizado por meios semióticos. É por meio da semiose, da atividade sígnica, que se pode ultrapassar a fronteira entre o real e o possível ficcional. É por meio do processamento da informação contida em textos que o leitor tem acesso aos mundos ficcionais. O autor constrói um mundo que, posteriormente, é reconstruído pelo leitor por meio da leitura. Identificamos aqui que o processo onomasiológico caracteriza a construção de mundos ficcionais pelo autor, enquanto o processo semasiológico caracteriza a reconstrução dos mundos pelo leitor. ―Ao reconstruir o mundo ficcional como uma imagem mental, o leitor pode ponderá-lo e fazê-lo parte de sua própria experiência, da mesma forma como experiencialmente apropria-se do mundo real‖ 36 (DOLEŽEL, 1998, p. 21). Mundos

ficcionais expandem os horizontes experienciais do leitor, fornecendo ―alternativas imaginárias‖ (imaginary alternatives; DOLEŽEL, 1998, p. 22) que enriquecem o seu modo de existência. Ao serem apropriados, seja por divertimento ou aquisição de conhecimento, os mundos ficcionais integram a realidade do leitor (DOLEŽEL, 1998).

Por meio da produção textual, um autor cria um conjunto de possíveis estados não- reais, estados alternativos não atualizados no mundo real, que anteriormente não existiam. É a atividade textual que instaura um mundo ficcional literário. Entendemos que antes do texto um mundo ficcional não existe, mas erige-se pouco a pouco na cadeia sintagmática de um texto ficcional literário. Dessa forma, ponderamos que o texto literário ficcional tem um

35 No original: Fictional worlds are not constrained by requirements of verissimilitude, truthfulness, or

plausibility; they are shaped by historically changing aesthetic factors, such as artistic aims, [...] period and individual styles.

36 No original: Having reconstructed the fictional world as a mental image, the reader can ponder it and make it

estatuto ambivalente, trata-se de um objeto real, corporificado no mundo real, mas que se refere a estados diferentes do mundo real. ―A atividade criativa textual, como toda atividade humana, ocorre no mundo real; contudo, ela constrói reinos ficcionais cujas propriedades, estruturas e modos de existência são, em princípio, independentes das propriedades, estruturas e modos existenciais da realidade‖ 37 (DOLEŽEL, 1998, p. 23). A semântica de mundos

possíveis confere uma visão de literatura como criação perene, em que os possíveis tornam-se existentes ficcionais concretizados em objetos semióticos (DOLEŽEL, 1998), como os textos. É como objetos semióticos que unicorns e fairies, house-elves, Horcruxes e Dementors, Harry Potter e Voldemort adquirem existência no mundo real.

A proposta da semântica ficcional apresentada por Doležel não preconiza uma ruptura das conexões passíveis de serem estabelecidas entre ficção e realidade, pelo contrário, sua proposta está assentada em uma troca bidirecional entre essas duas instâncias. Em suas palavras, ―[...] em uma direção, ao construir mundos ficcionais, a imaginação poética trabalha com ‗material‘ retirado da realidade; na direção oposta, construtos ficcionais influenciam profundamente nossa imaginação e entendimento da realidade‖ 38 (DOLEŽEL, 1998, p. x).

De forma similar, Ryan (2014), que compartilha do mesmo modelo teórico de Doležel, afirma que há uma pluralidade de mundos, de modo que o mundo em que vivemos é chamado de real e é o único mundo com existência autônoma. Os outros são mundos possíveis não- reais, criações da imaginação.

Textos não ficcionais se referem ao mundo real, enquanto ficcionais criam mundos possíveis não reais. Nesse modelo, a distinção entre ficção e não ficção é uma questão de referência: a não ficção faz alegações verídicas sobre o mundo real, enquanto a ficção faz alegações verídicas sobre um mundo possível alternado (RYAN, 2014, p. 6).

Uma vez que Ryan (2014) afirma fazer parte do mesmo paradigma teórico de Doležel (1998), entendemos que mesmo os textos ficcionais que fazem alegações verídicas sobre um mundo possível, fazem uso de elementos e categorias semânticas do mundo real. Como Doležel explica, há uma bidirecionalidade na relação entre real e ficção, de modo que um texto ficcional dificilmente será totalmente ou puramente ficcional. Segundo Doležel (1998),

37 No original: Textual poiesis, like all human activity, occurs in the actual world; however, it constructs

fictional realms whose properties, structures, and modes of existence are, in principle, independent of the properties, structures and existencial modes of actuality.

38 No original: In one direction, in constructing fictional words, the poetic imagination works with “material”

drawn from actuality; in the opposite direction, fictional constructs deeply influence our imaginig and understanding of reality.

ao criar um mundo ficcional literário, um autor parte do mundo real de várias formas: adota os seus elementos, categorias e modelos macroestruturais (ordem geral); pega emprestado fatos brutos, realemas culturais39, ou características discursivas; ancora a história ficcional em um

evento histórico; combina lugares reais para criar um lugar ficcional e assim por diante. O que percebemos é que os textos literários que manifestam um discurso ficcional podem ser semanticamente constituídos a partir de um sincretismo entre o mundo real e um mundo ficcional, fazendo uso de categorias semânticas tanto do real quanto da ficção, de modo a acomodar domínios diversos, como a junção de dois mundos, sendo, portanto, semanticamente heterogêneos (DOLEŽEL, 1998). Assim, a semântica ficcional de Doležel e a caracterização dos textos que se concretizam a partir da referência ao mundo real ou a mundos possíveis da ficção de Ryan, permite-nos propor em semântica profunda o seguinte modelo:

FIGURA 1 – Representação da estrutura semântica fundamental do discurso literário ficcional Discurso literário ficcional

Mundo real Mundo ficcional

Discursos não-ficcionais Discursos ficcionais puros

Não-ficcional Não-real

Fonte: Elaboração do autor a partir de Doležel (1998) e Ryan (2014).

A oposição entre os diferentes discursos acima se dá em relação ao mundo a que fazem referência. Isso não significa que os discursos não-ficcionais, por exemplo, não façam uso de elementos ficcionais. Clas (2004), ao questionar concepções tradicionais em Terminologia, faz referência ao termo Kobalt, que além de designar o elemento químico

cobalto, também designa um duende com espírito malandro (criatura frequentemente

encontrada em textos literários ficcionais), ou seja, mesmo os discursos não-ficcionais que

39 Realemas culturais são itens da realidade, como pessoas, fenômenos naturais, vozes, gestos, que apesar de

estarem no mundo exterior, em termos de referência em um enunciado verbal, constituem itens do repertório cultural, o repertório da realia (EVEN-ZOHAR, 1990).

reclamam um direito de verdade sobre o mundo real podem fazer uso de elementos provenientes da ficção.

A partir desse modelo, entendemos que o discurso literário ficcional oscila no eixo semântico entre mundo real e mundo ficcional. Dessa maneira, a ficção de cunho realista é tão ficcional quanto a de fantasia. O que as difere é que a ficção literária realista, apesar de também construir um mundo ficcional ainda que semelhante ao mundo real, aproxima-se mais do mundo real na sua estruturação semântica, e a ficção de fantasia, por sua vez, aproxima-se mais de um mundo ficcional. Os sememas40 que constituem as unidades lexicais da ficção

realista são derivados do mundo real, enquanto os sememas das unidades lexicais da ficção literária de fantasia são, em grande medida, derivados de um mundo possível ficcional. Ambas, contudo, caracterizam-se como ficção. Assim, os eventos narrados nos textos literários de fantasia dizem respeito a priori a um mundo ficcional. Pelo fazer interpretativo do enunciatário, a ficção frequentemente revela que tem muito a dizer sobre a vida no mundo real. O significado que é atribuído à ficção a partir do mundo real é um significado indireto, simbólico, porque inicialmente os seus significados constroem-se tendo como referência um mundo ficcional. Assim, mundo real e mundo ficcional constituem, sincreticamente, a base de referência semântica para a lexemização41 de traços semântico-conceptuais em unidades lexicais ficcionais, que integram os discursos literários ficcionais, como Horcrux, em Harry Potter.

Ao tratar da semiose da fantasia literária, do ―[...] processo de produção e circulação do sentido (a semiose) [...]‖ (VOLLI, 2012, p. 36), Jeha (1993, p. 79) afirma que contrariamente à noção de mimese da Antiguidade, ―[...] dada sua configuração relacional, ao signo pouco importa se o objeto que o determina (ou que ele determina) se refere a algo existente na natureza ou não‖ (JEHA, 1993, p. 79). Como exemplo, o mesmo autor faz referência ao ‗unicórnio‘ e ao ‗centauro‘, criaturas mitológicas. ―Seres totalmente dependentes da cognição, criados a partir de elementos totalmente independentes dela, que existem no ambiente físico‖ (JEHA, 1993, p. 83). Em outras palavras, ‗centauro‘ é uma

40 ―Os semas nucleares definem os traços invariáveis em um lexema, aqueles traços que justificam a

especificidade de seu significado, de seu valor, que permanece constante independentemente do contexto de aparição. Os semas contextuais, por sua vez, são aqueles que dependem do contexto no qual o lexema é inserido e servem para declinar o significado invariável segundo as particulares acepções que aquele lexema pode, de vez em quando, assumir. O significado de um lexema depende sempre da combinação de ao menos um sema nuclear com pelo menos um sema contextual. É esta combinação, variável evidentemente a cada inserção do lexema em um texto dado, que toma o nome de semema. [...] O semema, como se vê, reúne em si feixes de semas que, combinando-se, justificam as significações específicas de cada ocorrência‖ (VOLLI, 2012, p. 70-71).

41 ―[...] configuração do conceito em grandeza-signo, no próprio ato de instaurar a significação‖ (BARBOSA,

criatura comumente descrita como a junção corporal entre homem e cavalo, entidades que independem da cognição para existirem, que são percebidas separadamente no mundo fenomenológico, mas, quando por ação da imaginação, fundem-se em um ‗centauro‘, tornam- se dependentes da cognição. Em outras palavras, a criatura centauro não é percebida em referência ao mundo biofísico e natural como percebemos um cachorro, mas sim em referência ao universo cultural humano ou a um mundo ficcional específico do qual faz parte. Isso porque um cachorro e um centauro não tem o mesmo estatuto ontológico. Enquanto o primeiro é uma entidade real, o segundo é um possível não-real, um particular ficcional de um mundo possível ficcional.

O unicórnio, por exemplo, comumente definido como um cavalo com um chifre que desponta da parte superior do crânio, é a junção de um traço biológico (o chifre) que os equinos no mundo natural não possuem. Em um mundo ficcional, contudo, tal junção, ao mesmo tempo em que leva à criação de um conceito, cria também uma grandeza-signo para denominá-lo, ‗unicórnio‘. Isso mostra que, o mundo real fornece elementos que, quando inseridos em um mundo ficcional, sofrem mudanças que levam à formação de um conceito e de uma denominação específicos àquele mundo ou ao universo de discurso em que são usados, independentemente de correspondência referencial a uma entidade concreta.42

O material que o mundo real fornece tem que sofrer uma transformação para ser admitido no mundo ficcional: ele deve ser convertido em possíveis não-