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6.2 Análise da microestrutura textual

6.2.1 Notas de rodapé

De acordo com Genette (2009, p. 281) ―uma nota é um enunciado de tamanho variável (basta uma palavra) relativo a um segmento mais ou menos determinado de um texto, e disposto seja em frente seja como referência a esse segmento.‖ O mesmo autor destaca que, do ponto de vista formal, as notas têm um caráter parcial e local. Dentre os diferentes tipos de notas ressaltamos as notas autorais assuntivas que costumam ser mais frequentes e às vezes assinadas com as iniciais do autor (GENETTE, 2009, p. 284).

Dentre os 10 textos constituintes do corpus, apenas 3 possuem notas de rodapé. Tratam-se dos volumes complementares à série Harry Potter (cf. Capítulo 5). Uma vez que as notas de rodapé não foram etiquetadas, para a identificação delas, geramos linhas de concordâncias das ocorrências numéricas do corpus ordenadas pela sequência crescente dos arquivos do corpus. Pudemos facilmente localizar as notas e o local do texto a que fazem referência. Assim, tivemos condições de realizar o cotejo das notas assim distribuídas: 26 notas em FB, 2 notas em QA e 27 notas em TB, totalizando 58 notas.

De modo geral, as notas nas três obras ocorrem ao pé das páginas à que fazem referência em ordem numérica sequencial crescente. Em FB as notas vão de 1 a 10, e na seção intitulada An A-Z of Fantastic Beats elas são reiniciadas e vão de 1 a 16. Em QA as duas notas

são indicadas pelo algarismo ‗1‘. Isso se deve ao fato de que cada uma das notas pertence a um capítulo diferente. Em TB as notas são apresentadas apenas nas seções dos comentários do professor Albus Dumbledore em ordem numérica sequencial crescente. São cinco seções de comentários nas quais as notas são assim distribuídas: 1 a 3; 1 a 4; 1 a 5; 1 a 6; 1 a 9.

As notas observadas revelam que em FB e QA elas se caracterizam de forma semelhante. São notas autorais de J. K. Rowling atribuídas aos autores ficcionais das obras, Newt Scamander e Kennilworthy Whisp, respectivamente. O destinatário das notas é, em princípio, o leitor do texto, contudo, elas podem ser endereçadas ―[...] apenas a alguns leitores: aqueles a quem possa interessar determinada consideração complementar ou digressiva, cujo caráter acessório justifica exatamente a colocação em nota‖ (GENETTE, 2009, p. 285). No caso das notas de FB e QA, no plano ficcional, elas são endereçadas aos leitores ficcionais, aos bruxos, uma vez que ambos os volumes são provenientes da biblioteca de Hogwarts, a qual é frequentada por bruxos e bruxas. Ao passo que as obras são comercializadas na comunidade trouxa (não-bruxa), os leitores trouxas (nós) assumem a posição de destinatários secundários.

A nota seguinte em QA, por exemplo, apresenta uma explicação em relação à equivalência do valor de one hundred and fifty Galleons (um tipo de moeda utilizada na comunidade bruxa) em relação ao valor correspondente nos dias atuais, informação que, em princípio, seria de importância maior para o melhor entendimento do leitor bruxo.

1. Equivalent to over a million Galleons today. Whether Chief Bragge intended to pay or not is a moot point.

A nota seguinte explica o momento histórico e a razão pela qual os bruxos passaram a ter o direito de carregarem suas varinhas a todo momento.

1. The right to carry a wand at all times was established by the International Confederation of Wizards in 1692, when Muggle persecution was at its height and the wizards were planning their retreat into hiding.

Uma nota em FB que atesta o fato de o leitor trouxa ser secundário é a seguinte:

6 In the absence of magic, Chizpurfles have been known to attack electrical objects from within (for a fuller understanding of what electricity is, see Home

Life and Social Habits of British Muggles, Wilhelm Wigworthy, Little Red Books,

1987). Chizpurfle infestations explain the puzzling failure of many relatively new Muggle electrical artifacts.

Nessa nota, o autor indica uma referência para melhor entendimento sobre o que é ‗eletricidade‘. O conceito de eletricidade para os não-bruxos é facilmente compreendido. Para os bruxos, contudo, parece haver certa dificuldade. Em outras palavras, essa nota, no plano ficcional, está sendo endereçada ao leitor bruxo. Para o leitor trouxa, no plano real, esse tipo de nota funciona como elemento de humor. Além disso, a nota em questão apresenta informações relativas a uma criatura mágica, o Chizpurfle, que identificamos como uma designação terminológica em Magizoology.

A nota seguinte, também acrescenta um elemento de humor ao texto ao explicitar a concepção trouxa de fairy.

7 Muggles have a great weakness for fairies, which feature in a variety of tales written for their children. These ―fairy tales‖ involve winged beings with distinct personalities and the ability to converse as humans (though often in a nauseatingly sentimental fashion). Fairies, as envisaged by the Muggle, inhabit tiny dwellings fashioned out of flower petals, hollowed-out toadstools, and similar. They are often depicted as carrying wands. Of all magical beasts the fairy might be said to have received the best Muggle press.

Como as notas anteriores de FB, a nota seguinte também tem traços de humor:

8 For a fascinating examination of this fortunate tendency of Muggles, the reader might like to consult The Philosophy of the Mundane: Why the Muggles Prefer

Not to Know, Professor Mordicus Egg (Dust & Mildewe, 1963).

Ao mesmo tempo em que há indicações de detalhes do mundo ficcional, há um elemento de sátira em relação ao comportamento humano não-bruxo na nota anterior. Os trouxas preferem ignorar aquilo que os assustam ou não entendem, como a magia.

Em TB, após a introdução da autora, consta a seguinte nota sobre as notas de rodapé: A Note on the Footnotes

Professor Dumbledore appears to have been writing for a wizarding audience, so I have occasionally inserted an explanation of a term or fact that might need clarification for Muggle readers. JKR

Consideramos essa nota como uma indicação do cenário comunicativo em que a obra se insere. Uma vez que Dumbledore estaria escrevendo para o público bruxo, há a necessidade de que a autora esclareça certos termos e fatos para o público não-bruxo. Em outras palavras, assume-se que o leitor não-bruxo não tem familiaridade com a terminologia que constitui o universo de discurso bruxo, surgindo a necessidade de explicações. Tais

explicações, em grande medida, são feitas em enunciados definitórios, apresentados a seguir, que particularizam e circunscrevem termos como Squib, warlock, wizard, Necromancy, Inferi dentro do domínio semântico-conceptual ativado no universo de discurso de Harry Potter:

2 [A Squib is a person born to magical parents, but who has no magical powers. Such an occurrence is rare. Muggle-born witches and wizards are much more common. JKR]

2 [The term ―warlock‖ is a very old one. Although it is sometimes used as interchangeable with ―wizard‖, it originally denoted one learned in duelling and all martial magic. It was also given as a title to wizards who had performed feats of bravery, rather as Muggles were sometimes knighted for acts of valour. By calling the young wizard in this story a warlock, Beedle indicates that he has already been recognised as especially skilful at offensive magic. These days wizards use ―warlock‖ in one of two ways: to describe a wizard of unusually fierce appearance, or as a title denoting particular skill or achievement. Thus, Dumbledore himself was Chief Warlock of the Wizengamot. JKR]

1 [Necromancy is the Dark Art of raising the dead. It is a branch of magic that has never worked, as this story makes clear. JKR]

4 [Inferi are corpses reanimated by Dark Magic. JKR]

Tratam-se de notas autorais assinadas com as iniciais da autora, supostamente inseridas posteriormente aos textos do Professor Dumbledore. As notas para Squib,

Necromancy e Inferi possuem elementos de definições formais simples, de acordo com

Pearson (1998). As três notas são iniciadas com o termo, que é então definido em um gênero próximo (person, Dark Art e corpses, respectivamente) e uma característica específica (born

to magical parents, but who has no magical powers; of raising the dead; reanimated by Dark Magic). As características específicas são introduzidas com o uso de particípio, preposição e

particípio, respectivamente.

A partir da análise realizada, podemos afirmar que as notas de rodapé nas três obras constituem um elemento do peritexto literário que fornece explicações pertinentes às especificidades do mundo ficcional ao qual as obras fazem referência. Enquanto discurso manifestado, as notas são marcas caracterizadoras da ficcionalidade das obras, ao chamarem atenção para termos específicos do mundo ficcional. As notas nos permitem afirmar o valor terminológico assumido por certas unidades lexicais ficcionais ao serem explicitamente definidas. Se elas são assim definidas é porque há algo de especial sobre elas, caso contrário esse fazer teria sido desnecessário.