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4.3 A Competência dos Entes Federativos em Matéria Ambiental

4.3.2 O município diante da Poluição

O fato de o art. 24 da CF/88 não prever a competência dos municípios no plano da competência concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal não lhe retira a competência para legislar sobre a matéria. Ocorre que, a competência natural dos municípios é a de legislar sobre assunto de interesse local (art. 3 0 ,1, da CF) e, nesses assuntos, o meio ambiente estará sempre incluído, haja visto o problema da poluição causada pela má disposição final dos resíduos sólidos urbanos em muitos municípios brasileiros e, particularmente, aqueles da Associação dos Municípios da Região da Grande Florianópolis (GRANFPOLIS),16 como um dos exemplos a serem citados.

Claro está, pois, que a competência legislativa concorrente da União com os Estados e Distrito Federal inclui, implicitamente, os Municípios, como importante Unidade da Federação, autônoma e integrante da organização político- administrativa da República Federativa do Brasil (conforme art. 18 da CF/88), no que se refere às matérias notadamente urbanísticas, ambientais, sanitárias, matérias estas de seu inequívoco interesse local (art. 2 4 , 1, VI, VII, VIII,XII da CF)17.

Incontestável, também, que os municípios poderão legislar suplementarmente sobre o meio ambiente, desde que se sujeitem às regras do art. 24, §§ Io, 2o e 3o e que a suplementação das leis federais e estaduais tenha relação com o interesse local.

O interesse local poderá ser encontrado na necessidade de se dar

16 Sobre a realidade da disposição final de resíduos sólidos urbanos nestes municípios, ver Cap. III, supra. 17 CUSTÓDIO, Helita Barreira. O Município e a Preservação do Meio Ambiente, p.53.

normas específicas para a poluição do solo por resíduos sólidos, por exemplo, em razão de fatores relacionados com a localização geográfica do município (caso de Florianópolis, cujas limitações advém de sua condição insular) .

Conclui-se, portanto, que os municípios em geral, e os catarinenses, especificamente, não podem esperar, somente, que a atribuição de preservar e garantir o meio ambiente ecologicamente equilibrado seja dos órgãos federais e estaduais, como IBAMA - órgão federal e FATMA (Fundação de Amparo à Tecnologia e ao Meio Ambiente)- órgão estadual, respectivamente. Não, compete a cada município a implantação de medidas de ordem administrativa, bem como a normatização suplementar e ordinária (interesse local) de instrumentos legais que, com eficiência, garantam uma política ambiental adequada à realidade local, sem se esquecer, de fato, que a questão da limpeza pública envolve aspectos da questão ambiental e de saúde pública, o que faz exsurgir a competência federal e estadual para a edição de normas legais de caráter geral (União Federal) e mesmo específicos (Estado), que apontem para a solução global e integrada do problema.

Se. por um lado, a União não está obrigada a executar as tarefas de limpeza pública e coleta, transporte e disposição final de resíduos sólidos, por outro, não pode alhear-se da função de traçar normas amplas e adaptáveis à realidade nacional.

Neste sentido que o art. 12 da Lei Federal 2.312, de 3.9.54, que dispõe sobre normas gerais de defesa e proteção da saúde, estabelece que “a coleta, o transporte e a destino final do lixo deverão processar-se em condições que não tragam inconvenientes à saúde e ao bem-estar público, nos termos da regulamentação a ser baixada” .

O Decreto 49.974-A, de 21.1.61, ao regulamentar a referida Lei, integrando ambos o Código Nacional da Saúde, não passou da repetição do art. 12, em seu art. 40. Como norma geral, dispôs que as indústrias instaladas ou a serem instaladas deveriam submeter, nos devidos prazos, seus planos de lançamento de resíduos líquidos, gasosos e sólidos à autoridade sanitária competente “visando a evitar os inconvenientes ou prejuízos da poluição e da contaminação das águas receptoras, de áreas territoriais e da atmosfera” .

Ainda, no tocante à legislação federal brasileira sobre resíduos sólidos, podem ser citados os seguintes instrumentos, criados nos últimos anos, sendo que esta listagem é exemplificativa e não exaustiva:

• Portaria 053 do Ministério do Interior 01.08.79: disposição de resíduos sólidos e de natureza tóxica;

• Portaria Interministerial 019 de 29.01.81 dos Ministérios do Interior, Minas e Energia e Indústria e Comércio: produção, comercialização e uso de CBs; • Instrução Normativa SEMA/STC/CRS n° 001 combinada com a

Portaria supra;

• Portaria 329 de 02.09.85 do Ministério da Agricultura: distribuição, uso e comercialização de produtos organoclorados na agricultura; • Resolução 05 de 20.11.85 do CONAMA: necessidade de elaboração

de EIA/RIMA para aterros sanitários, processamento e destino final de resíduos tóxicos;

• Resolução 06 do CONAMA de 15.06.88: necessidade dos Estados elaborarem inventário de resíduos sólidos industriais.

Pela Portaria 053, de 01.03.79, o Ministério do Interior estabeleceu algumas normas gerais para a observância em todo o território nacional18:

1. “os projetos para tratamento e disposição de resíduos sólidos ficam sujeitos à aprovação do órgão estadual de controle da poluição”; A portaria não esclarece mas é de se entender que a fiscalização e aprovação dos projetos incide não somente sobre particulares, mas também sobre as prefeituras municipais e regiões metropolitanas.

2. “inexistindo entidade estadual para efetuar o exame dos projetos referidos ou a sua fiscalização, o órgão federal poderá agir diretamente” .

O que se verifica, da análise dos dispositivos legais sobre a matéria, é que o aparato legal, no plano federal, nada mais é do que uma coleção de medidas

18 Esta Portaria contém disposição que proíbe o lançamento e/ou incineração de resíduos sólidos a céu aberto. Sobre o assunto ver p. 65.

casuísticas, sem conexão entre si, que não podem ser consideradas como fazendo parte de uma “política para o setor”, estando aí, indubitavelmente, uma das causas da péssima prestação dos serviços de limpeza pública municipais.

Outro ponto importante que merece ser salientado diz respeito ao fato de que a Constituição Federal de 1988 não previu a possibilidade de a União ou os Estados intervirem nos municípios que deixarem de agir adequadamente do ponto de vista sanitário na coleta, tratamento e disposição dos resíduos sólidos, sendo esta matéria plausível de ser cogitada no futuro, pois a negligência de um município pode acarretar graves prejuízos ecológicos.

Como o tratamento e a disposição adequados são 10 a 40 vezes mais dispendiosos que os métodos inaceitáveis para a saúde do meio ambiente, não é de se esperar o aprimoramento desses métodos, por parte dos municípios, enquanto não se suprir a carência institucional dos órgãos ambientais que implementam os instrumentos legais de proteção ambiental.

Neste sentido, entende-se que os serviços de limpeza pública, a despeito de serem da competência municipal, conforme art. 30, V da CF/88, devem ser objeto de preocupação também dos demais entes federativos, na medida em que envolvem não só a preservação do meio ambiente como da saúde humana.

A mera alegação de autonomia dos municípios, sem uma fiscalização por parte do Estado, acaba por permitir que os municípios que não disponham de forma adequada seus resíduos sólidos, causando sérios focos de poluição ambiental, permaneçam infringindo a legislação sanitária e ambiental.

Caberia, no caso, um processo político por meio do qual o CONSEMA (Conselho Estadual do Meio Ambiente), órgão integrante do SISNAMA (Sistema Nacional de Meio Ambiente) tivesse condições para decidir se este ou aquele município não está aparelhado, nem está se aparelhando, ou, aparelhado, está se omitindo na aplicação da lei. Nestes casos, o órgão estadual passaria, supletivamente, a aplicar a lei.

Isto que se está propondo é uma maneira de agir concreta e, especificamente, integrativa entre a União, entre os Estados e os Municípios.

A mesma relação deve-se dar entre Estado e União, podendo os órgãos federais atuarem supletivamente aos Estados sempre que estes agirem de forma omissa.

O Estado de Santa Catarina é um exemplo de Estado maravilhoso, equilibrado, civilizado e que, entretanto, está, em matéria ambiental, em um estado de absoluto colapso, pois o órgão ambiental age de modo totalmente ineficiente.

Outra consideração que merece ser feita, reside no fato de que o tratamento e a disposição final de resíduos sólidos requer, muitas vezes, experiências técnicas mais avançadas e o investimento de largas somas de dinheiro, daí a razão para que a União e os Estados, além de estabelecerem normas, intervenham, auxiliando financeiramente.

Essa política de amparo financeiro da União e dos Estados para a resolução dos problemas dos resíduos sólidos é encontrada nos EUA ( The Solid Wast Disposal A cí o f 1965, sec. 208, com a emenda The Resource Recovery A ct o f 1970) e, no Japão (art. 4o, § 3o da Lei 137 de 1970 que dispõe: “o governo nacional fará planos de desenvolvimento técnico para tratamento dos resíduos e esforçar-se- á para dar a necessária assistência técnica e financeira às municipalidades e aos governos provinciais para o adequado cumprimento de seus deveres”).

A adoção de uma política como esta iria de encontro às necessidades dos municípios brasileiros, em função não só da parca previsão de recursos orçamentários que são reservados, atualmente, para o setor, como também da falta de prioridade política e continuidade administrativa concedida à limpeza pública por parte dos governos locais.

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