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43municipais de saúde, devido às suas divergências em relação às comu-

nidades indígenas. A população tikuna não dispõe de uma Federação, como a do Alto Rio Negro. Por isso, nessa região as parcerias foram estabelecidas com as duas organizações de agentes indígenas de saú- de ali existentes: a Organização de Saúde do Povo Tikuna do Alto Solimões (OSPTAS) e a Organização de Agentes de Saúde do Povo Tikuna (OASPT).

O Projeto recebe apoio da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), da Fundação Nacional de Saúde, da Diocese de São Gabriel da Cachoeira, do Instituto Socioambiental (ISA) e do Comitê Católico Contra a Fome e para o Desenvolvimento. A parce- ria com a Secretaria Municipal de Saúde de São Gabriel da Cachoeira e o envolvimento das demais instituições têm possibilitado a abertura de um diálogo sobre o processo de implementação dos Distritos Sani- tários Especiais Indígenas (DSEI).4

Tendo em vista a instalação desses Distritos, busca-se a formação político-pedagógica de lideranças indígenas que possam atuar no con- trole social em saúde. Com esse objetivo, realizou-se em 1999 o Curso para Lideranças Indígenas do Alto Rio Uaupés e Alto Rio Papuri. Além de garantir a formação de tais lideranças, o Projeto RASI procura dis- seminar informação entre as comunidades indígenas da região, desa- fiando as dificuldades colocadas pelas características naturais do Alto Rio Negro.5

A origem do Projeto

O governo brasileiro propôs, em 1985, o Projeto Calha Norte (PCN)6, como uma forma de impulsionar a presença do aparato go-

vernamental na região amazônica, com base na estratégia político- militar de ocupação e de defesa da fronteira. Surgiram conflitos entre os militares e as comunidades indígenas localizadas nas calhas do Rio Negro, que se sentiram ameaçadas.

Em 1987, as nações indígenas fundaram a Federação das Organi- zações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), consolidando sua resistên- cia à ocupação militar do noroeste da Amazônia e à exploração econô-

4. Existem 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas distribuídos no território nacional em áreas identificadas como de ocupação de populações indígenas. Na Região Norte são 18 distritos e o de maior extensão territorial é o do Alto Rio Negro, que envolve os municípios de São Gabriel da Cachoeira, Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro, compreendendo uma população de 31.407 indígenas, cerca de 657 aldeias. Além do DSEI do Alto Rio Negro, o Estado do Amazonas possui ainda o DSEI do Alto Rio Solimões, o do Vale do Javari, o de Manaus, o do Rio Purus, o de Parintins e o DSEI do Médio Rio Solimões e Afluentes. Depois de implementados, os DSEI ficarão sob a coordenação da Fundação Nacional de Saúde, que tem como meta contratar até o ano 2002 aproximadamente 5.471 profissionais de saúde e realizar investimentos em infra- estrutura. 5. Em alguns trechos a navegação é quase impossível, mesmo para os navegadores mais habilidosos, devido às cachoeiras que formam fortes correntezas, sendo necessário retirar a embarcação d’água e lançá-la novamente em >>>

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mica desenfreada. A pressão exercida pela presença dos militares e de grupos econômicos do Amazonas retraía as comunidades indígenas e provocava a perda de sua identidade. Segundo o presidente da FOIRN, Pedro Garcia, por estarem fragilizadas, devido principalmente à falta de unidade política, as populações indígenas “envolviam suas tradi- ções em um manto”, evitando se expor a qualquer enfrentamento di- reto com o poder econômico-militar que dominava a região.

Além de se inserir nesse contexto de resistência da comunidade indígena, o Projeto Rede Autônoma de Saúde Indígena também está relacionado ao debate nacional que surgiu na VIII Conferência Naci- onal de Saúde, de 1986. O evento representou uma das maiores mobi- lizações da sociedade brasileira em defesa da universalização e da igual- dade no sistema nacional de saúde. Na região do Alto Rio Negro, o discurso dos principais representantes da comunidade incorporou os fundamentos da nova política nacional de saúde que estava sendo construída naquela fase de transição democrática. Em 1986 também ocorreu a 1ª Conferência Nacional de Proteção à Saúde do Índio.

Segundo o índio tukano Wilton Guilherme, vice-presidente da Associação dos Agentes Indígenas de Saúde do Alto Rio Negro (AAISARN),7 a delegação que representava a região do Alto Rio Ne-

gro teve uma participação decisiva nessa conferência. Wilton Guilher- me atuou como delegado e conta que o grupo ajudou a definir as diretrizes para a saúde indígena, conseguindo reverter opiniões con- servadoras apresentadas pelos técnicos do Ministério da Saúde.

Na verdade, não havia uma definição clara sobre política de saúde indígena. Os povos indígenas realizaram pressão sobre os órgãos go- vernamentais, tendo em pauta reivindicações que abrangiam princi- palmente a contratação de agentes indígenas de saúde para atuar jun- to às comunidades.

Apesar de toda a mobilização nacional das nações indígenas em torno da questão da saúde, somente com a Lei 8080/90, denominada Lei Orgânica da Saúde, é que foi criada a Comissão Intersetorial de Saúde Indígena (CISI). Em 1991, houve a criação da Coordenadoria de Saúde Indígena, subordinada à Fundação Nacional de Saúde, e do Distrito Sanitário Yanomami, para atender aos índios da Amazônia >>>

outro trecho do rio, para dar continuidade à viagem.

6. Concebido pela Conselho de Segurança Nacional, o Projeto tinha como objetivo, segundo os estrategistas militares, realizar a integração da Amazônia ao contexto nacional, por intermédio da ação governamental efetiva na região ao norte das calhas dos rios Amazonas e Solimões. O Projeto foi aprovado em 19/12/ 1985 por meio de ato presidencial, sem qualquer consulta à sociedade civil e ao Legislativo, sob a justificativa de que se tratava de um projeto sigiloso de defesa dos interesses nacionais. 7. Depoimento apresentado durante a primeira sessão do Curso de Formação de Lideranças Indígenas do Alto Uaupés e Alto Papuri. A presença do agente indígena de saúde Wilton Guilherme nesse Curso demonstra a aglutinação proporcionada por esse tipo de iniciativa, possibilitando a socialização de informações adquiridas por lideranças indígenas dotadas de invejável experiência.

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