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Os bens de consumo humano possuem diferentes significados, em sua maioria relacionados a um sistema de valores, compreendidos em uma dinâmica social de necessidades. Esse sistema de valores é identificado por Gervasi (apud

BAUDRILLARD, 1995, p. 69) como interdependentes, ao mencionar que “as

escolhas não se fazem à sorte, mas são socialmente controladas, refletindo o meio cultural em cujo seio se efetuam”.

As novas formas de comércio do século XX, reforçadas pelo “fetichismo da mercadoria”38 enunciado por Karl Marx no século XIX, influenciavam a

mentalidade de que as mercadorias modificavam a personalidade dos indivíduos, ocasionando um processo de mistificação dos detalhes e, ao mesmo tempo, um enaltecimento das aparências pessoais. A imagem de cada indivíduo é a sua própria marca, provocando uma necessidade do mesmo em sobressair- se diante de seu meio, o que contribui para a espetacularização de sua personalidade.

A legítima representação do eu enquanto prioridade para as relações socioeconômicas, provocou uma concepção social de “coleção de personalidades”, cujos códigos pessoais eram observados como símbolos psicológicos. Na visão de Sennett (1999), estabeleceu-se uma espetacularização do “eu”, em seus atributos subjetivos particulares, caracterizados por uma interioridade psicológica típica do mundo ocidental.

Paula Sibilia (2008) corrobora a ideia de espetacularização do eu ao analisar as experiências subjetivas humanas e apresentá-las em três perspectivas diferentes: singular, representando a trajetória do sujeito único e irrepetível; universal, composta pelas características comuns ao gênero humano; e particular ou específica, localizada entre os níveis singular e universal da experiência subjetiva. Esta última visa detectar aqueles elementos comuns a alguns sujeitos, mas não inerentes a todos os seres humanos.

38 Na crítica de Karl Marx, em O Capital, o fetichismo da mercadoria é fenômeno social e psicológico onde as mercadorias aparentam ter uma vontade independente de seus produtores.

A análise de Sibilia contempla aspectos da contemporaneidade que são claramente culturais, frutos de certas pressões e forças históricas nas quais intervêm vetores políticos, econômicos e sociais. A busca pelo ser singular é inerente ao homem contemporâneo, mesmo experimentando constantes ações que o levam a padrões de vida e de consumo. Desse modo, compreende-se que tais aspectos impulsionam o surgimento de certas formas de “ser e estar no mundo”, ocasionando configurações de personalidade dentro de um contexto simbólico-expressivo.

Por outro lado, de acordo com Jean Baudrillard (1995), as diferenças de personalidades, características da contemporaneidade, “deixam de opor os indivíduos uns aos outros” ao ocasionar a criação de modelos, que “se produzem e reproduzem com sutileza”:

De tal maneira que diferenciar-se consiste precisamente em adotar determinado modelo, em qualificar-se pela referência a um modelo abstrato, em renunciar assim a toda a diferença real e a toda singularidade, a qual só pode ocorrer na relação concreta e conflitual com os outros e com o mundo. Tal é o milagre e o trágico da diferenciação. (BAUDRILLARD, 1995, pp. 88-89)

Nesse cenário, considerando que os diferentes conjuntos sociais da atualidade são compostos por indivíduos em suas “existenciais particularidades”, é possível relacionar esses modelos de vida em sociedade à subjetividade humana, o que para Félix Guattari e Suely Rolnik (1999) oscila entre dois extremos: o da “alienação e opressão” ou o da “expressão e criação”. No primeiro extremo, “o indivíduo se submete à subjetividade tal como a recebe”. Já na relação de expressão e criação, “o indivíduo se reapropria dos componentes da subjetividade, produzindo um processo de singularização” (1999, p. 33).

Portanto, mesmo se adequando a um modelo social, é na subjetividade de sua sociedade “espetacular”, desejosa por visibilidade e mídia, que o homem prolifera o seu “eu”, enaltecendo a sua personalidade, sem diferenciar claramente os âmbitos públicos e privados da sua existência. Sendo assim, o consumo de produtos e serviços mais aproximados de sua personalidade, ou até mesmo customizados, contribue de maneira substanciosa para a espetacularização do indivíduo e de sua identidade.

Figura 27. Arco de flores (Casar é um barato)39

Para Cele Otnes e Elizabeth Pleck (2003), o casamento contemporâneo ocidental se faz idealizado ao promover a união dos princípios da cultura de consumo com a ideia do amor romântico. Há uma transformação mágica dos indivíduos, criando memórias de um evento sagrado e singular. Além disso, os autores defendem que, ao legitimar o consumo luxuoso do evento de casamento por meio de uma “ética da perfeição”, os noivos buscam a apreciação e o reconhecimento dos familiares e demais convidados, reafirmando o seu papel na sociedade.

Mikhail M. Bakhtin (2010) define a festa como base e fundamento essencial da civilização humana. Na sua concepção, a celebração de casamento é compreendida como um evento essencial para a realização de um sonho, dentro do universo utópico, lúdico e do desejo de construção de uma vida em comum.

É a festa que, libertando de todo utilitarismo, de toda finalidade prática, fornece o meio de entrar temporariamente num universo utópico. É preciso não reduzir a festa a um conteúdo determinado e limitado (por exemplo a celebração de um

39 INSTAGRAM. Casar é um barato. In: Casar é um barato. Disponível em: <https://www.instagram.com/p/BGRh1KYjWDv/>. Acesso em: 27 JUL 2017.

acontecimento histórico), pois na realidade ela transgride automaticamente esses limites. (BAKHTIN, 2010, p. 241)

E é com esse carácter de fantasia, ilusão, status e pertencimento que as festas permitem que os seres humanos atinjam o mais alto grau de sociabilidade. Assim como para Bakhtin as festas exprimem uma concepção de mundo, emanam do espírito e dos ideais, para Carvalho e Pereira (2013) o consumo de festas de casamento também pode ser configurado como conspícuo, ao passo que pode proclamar status ou comunicar uma posição social. Segundo as autoras, o casamento é um ritual de ação social roteirizada que marca socialmente uma transição, e o consumo de objetos se torna fundamental na representação de comportamentos simbólico-expressivos característicos do ritual.

A oferta de produtos para a celebração do casamento provoca um consumo indiscriminado de artefatos, ritualísticos ou não, acompanhados de inovações constantes e, até mesmo, trabalhados de forma customizada, ou seja, no intuito de personalizar esses artefatos de acordo com as preferências dos clientes. Nessas circunstâncias, é possível afirmar, portanto, que o consumo do ritual do casamento tende a ser configurado como conspícuo, objetivando comunicar status e a posição social dos noivos.

Figura 28. Altar personalizado (Casamento Celta)40

40 INSTAGRAM. Casamento celta. In: Club Med Trancoso. Disponível em:

Ao estudar a sociologia do consumo, Thorstein Veblen (2000) apresentou o consumo conspícuo como um consumo ostentatório de mercadoria, com o propósito de adquirir ou manter algum prestígio. Veblen estudou esse fenômeno em relação à ociosidade característica da elite aristocrática, subjugada posteriormente pelos novos ricos da era industrial. Na contemporaneidade, as modificações no comportamento do consumo conspícuo foram acompanhadas de mudanças sociais estruturais, garantindo uma exposição pública do poder econômico de consumidores que pretendem alcançar ou manter uma determinada posição social.

Nesse sentido, o consumo conspícuo adquire uma validação da personalidade de um indivíduo perante a sua sociedade, uma vez que seus atos de compra e consumo, gradualmente, tornaram-se mecanismos identitários, obscurecendo o uso ou valor prático das mercadorias em si. Logo, compreende- se que essa validação de identidade vislumbra o valor de autenticidade vinculado às ações de consumo.

O desejo de conspicuidade proporcionado através do ritual de passagem mais importante reconhecido pela sociedade contemporânea, justifica o investimento alto na celebração do casamento. No Brasil, a comercialização de novidades em produtos e serviços para a produção desse evento é constante e é notório um desejo de consumo cada vez mais personalizado.

Figura 29. O espetáculo da noiva (Inesquecível Casamento)41

41 COUTINHO, Andreia. Casamento moderno (e duplo!): Lanussy & Juracy + Myllene & Dyego. 22 OUT 2016. In:

O mais recente estudo42 da Associação Brasileira de Eventos Sociais

(ABRAFESTA) apontou um crescimento no mercado de festas e cerimônias nos últimos anos no Brasil, atingindo uma média de gastos de R$ 16,8 bilhões em 2014, sendo a produção de casamentos responsável pelo investimento médio de um milhão de reais por ano no país. A Região Sudeste foi responsável por metade dos gastos com festas e cerimônias, com R$ 8,6 bilhões, seguido pelo Nordeste (R$ 3 bilhões), Sul (R$ 2,9 bilhões), Centro-Oeste (R$ 1,3 bilhão) e Norte (R$ 1 bilhão).

O mercado de eventos sociais no Brasil é altamente maduro e registra uma demanda crescente em todas as regiões do país. As empresas prestadoras de serviços estão cada vez mais atentas às necessidades do mercado e em busca de novas tendências e produtos. (Ricardo Dias, presidente da ABRAFESTA)

O mercado de casamentos no Brasil é, portanto, alimentado constantemente por novas opções de produtos e serviços, aperfeiçoando a oferta de maneira a proporcionar um consumo de materiais diversificados e cada vez mais personalizados. A crescente demanda por novidades de consumo incentiva os profissionais do setor à criação de objetos customizados, porém sem desconsiderar o caráter simbólico do ritual.

As experiências de consumo são valorizadas nos rituais ao realçar a interação dos consumidores com os significados simbólicos dos elementos produzidos para essas práticas sociais. E o consumo simbólico-expressivo, considerado vital para o homem contemporâneo, é vislumbrado nos elementos ritualísticos como uma transferência de significados de valores identitários dos anfitriões para o seu grupo de convívio.

Nessa perspectiva, entendendo que o consumo reproduz significados aos objetos relativos a um ritual, considera-se que as relações de troca se efetivam no consumo do evento de casamento de forma a buscar autenticidade e significação dentro do contexto cultural no qual o casal está inserindo. E a

moderno-lanussy-juracy-myllene-dyego/?doing_wp_cron=1501133704.3970839977264404296875>. Acesso em: 27 JUL 2017.

42 ABEOC Brasil. Pesquisa da Associação Brasileira de Eventos Sociais mostra que o mercado de festas e cerimônias

atingiu R$ 16,8 bi no ano passado. 20 MAI 2015. Disponível em: <http://www.abeoc.org.br/2015/05/pesquisa-da-

associacao-brasileira-de-eventos-sociais-abrafesta-mostra-que-o-mercado-de-festas-e-cerimonias-atingiu-r-168-bi-no- ano-passado/>. Acesso 24 JUL 2017.

conspicuidade desejada na produção desse roteiro, característica do consumidor contemporâneo, personaliza o evento dentro de seu grupo social.

Figura 30. Padrinhos super-heróis (sosinoivei)43

43 INSTAGRAM. Sosinoivei. In: Sosinoivei. Disponível em: <https://www.instagram.com/p/BJOlTQmg0C3/>. Acesso em: 27 JUL 2017.

7. CELEBRAÇÃO À MODA DA CASA: A SINGULARIDADE E A

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