• Nenhum resultado encontrado

2 PERCEPÇÕES ACERCA DA EDUCAÇÃO À LUZ REPUBLICANA DE

2.3 NÃO BASTA SER PAI

É verdade que a problemática arendtiana dirige-se essencialmente à educação formal. No entanto, há uma referência em sua obra no que tange à responsabilidade dos pais, e ela a embasa no amor. Amor que não pode ser terceirizado, como prendemos fazer aqui um aparte, sempre à luz da provocação de Arendt, com base em Martins Filho (2012), em seu estudo em torno do que intitulou

A criança terceirizada.

Educação, respeito, afeto, amor familiar devem ser aprendidos com os pais, indica Martins Filho.171 A história antiga, ainda que por meio de relatos míticos, faz referência a crianças abandonadas: Édipo, no relato grego; Moisés, abandonado numa cesta de vime; Rômulo e Remo, os lendários fundadores de Roma, que mamaram na loba, são bons exemplos, lembra. Quase inacreditável: na história da humanidade existem dezenas de casos de personagem célebres que foram rejeitados pelos pais.172 Por isso, ―a ideia de que a criança sempre foi protegida tem de ser revista‖.173

Exemplificando, Martins Filho apresenta indagações. Ver uma grande gorila cuidando de sua cria e amamentando-a é uma cena muito terna e bonita, diz. Teriam sido assim as relações de nossos antepassados com seus filhos? O homem saía para caçar e a mulher ficava na caverna defendendo os filhos? Como teria sido o comportamento dos homens das cavernas? Por que, em todas as espécies, percebemos esse cuidado, que raramente se modifica? Seriam as necessidades

171

MARTINS FILHO, José. A criança terceirizada: os descaminhos das relações familiares no mundo contemporâneo, 2012, p. 13.

172

Ibidem, p. 18.

173

congênitas, genéticas, de preservação da espécie?174 Natural ou não, é de causar estarrecimento o abandono de um ser indefeso.

A criança abandonada é, sem dúvida, um grande problema no Brasil e no mundo. Martins Filho estuda essa realidade. Mas para a reflexão que nos propomos, voltemo-nos ao que ele denomina criança terceirizada do dia a dia, criança que vive abandonada em gaiolas de ouro175, cujos pais ou cuidadores não maltratam, apenas não têm tempo ou percepção para dar a ela atenção, carinho e cuidados.176

É isto que pretendo, revela: que as pessoas se deem conta da necessidade e da importância da valorização do crescimento e do desenvolvimento infantil e do tempo que passa célere e que não volta mais.177 É claro que há exceções, louváveis, aliás, mas a regra é realmente diminuir ao máximo o trabalho e o cuidado com as crianças, particularmente nas últimas décadas.178 Um mundo que corre, em que tudo é para ontem, em que as responsabilidades se multiplicam, tem pouco tempo para cuidar. Mas alguém terá de cuidar; eis, muitas vezes, o empecilho ao professor para cumprir o que lhe cabe: tendo de dar conta de responsabilidades mil, que não aquelas para as quais está designado, perde-se exatamente no cumprimento da sua função essencial de ensinar179.

Por que será que as pessoas acham vergonhoso ser feliz em suas famílias e cuidar bem de seus rebentos? - inquire Martins Filho. E, mais, por que continuam querendo ser mães? Para depois não conseguirem assumir suas funções? O que realmente está acontecendo? Não dá para conciliar vida profissional e estudo com as tarefas de mãe de família? É claro que isto vale para o pai também... Diz ter visto casais jovens que não têm a mínima ideia do quanto a vida muda depois do nascimento de um filho ou que acreditam que vão poder continuar levando a vida nas ―baladas‖, nas noitadas, achando que os avós é que devem assumir o cuidado

174

MARTINS FILHO, José. A criança terceirizada: os descaminhos das relações familiares no mundo contemporâneo, 2012, p. 21.

175

Referindo-se aos bens materiais, próprios a um consumo desenfreado, Zagury (2001) argumenta: ―Pensando dar tudo, na verdade os pais não estão dando nada de realmente importante‖ (p. 83). Em seguida: ―Não estou sugerindo ou defendendo a ideia de privar as crianças de coisas que elas podem ter. Estou sugerindo que nós, pais, deixemos algum espaço, alguma coisa pela qual nossos filhos se empenhem, que não os sufoquemos com o nosso amor‖ (p. 88).

176 Op. cit., p. 37. 177 Ibidem, p. 47. 178 Ibidem, p. 49. 179

das crianças, relata. Parece que, quanto mais jovens esses casais, mais evidente é esse problema.180

―Não devemos fechar os olhos para as aberrações que estão acontecendo para essas mães culturais que a mídia ajuda a fabricar‖, afirma. Recorrendo a Rodrigues, caracteriza-as como mulheres que nunca sonharam em criar e educar crianças, que não têm o menor interesse em conviver com elas, parindo-as, adotando-as, para obter o título de mães. Depois se desesperam, não sabem o que fazer com os bebês, não suportam conviver com crianças, fogem de casa como o diabo da cruz. Acham um saco parir, amamentar, cozinhar, cuidar, ler histórias, trocar fraldas, acompanhar as fases, o crescimento.181 Não significa, assegura, um retrocesso, voltar a culpar a mulher e querer que ela volte para a exclusividade das funções maternas.

Uma criança não é um brinquedinho bonitinho que alguém resolve ter para alegrar a vida, informa. É um ser humano, com todas as qualidades, os defeitos e as exigências que seguramente aparecerão mais dia menos dia.182 ―Esta é a geração mais abandonada de todos os tempos‖183, alerta. ―As avós também são terceirizadas

ou não encontram tempo para ‗curtir‘ os netos. Fico assustado quando vejo uma avó que não é apaixonada pelos netos ou aquela que diz a famosa frase: ‗quem pariu os seus que os embale‘‖184

, uma espécie de terceirização generalizada, como se pode ver.

Uma das coisas que mais impressionam é a falta de tempo, informa ele. ―Parece que ninguém mais tem tempo para viver e sentir a existência. Vive-se de tal correria que tudo passa celeremente, sem espaço para avaliações e conclusões‖.185

Sofrem aqueles que demandam tempo, atenção e cuidado.

A terceirização é uma forma diferente e ―modernosa‖ de cuidar dos filhos, conceitua Martins Filho: passa-se para terceiros a realização de determinadas tarefas e, em alguns casos, de todas.186 Mesmo que não estejam na rua, algumas crianças estão realmente abandonadas.187 E brada, incisivo:

180

MARTINS FILHO, José. A criança terceirizada: os descaminhos das relações familiares no mundo contemporâneo, 2012, p. 50.

181

Rodrigues apud Martins Filho, 2012, p. 56.

182

Op. cit., p. 56.

183

Biddulph apud Martins Filho, 2012, p. 60.

184 Op. cit., p. 62. 185 Idem. 186 Ibidem, p. 63. 187 Ibidem, p. 67.

Chegamos aos limites, aos pontos fundamentais da educação. Educação é a permissão para o que se pode e o que não se pode fazer. Quem determina isso? Com base em que conceitos culturais, psicológicos, familiares? As crianças ―mimadas‖ quase sempre são aquelas que vivem com muitas pessoas a sua volta – babá, mamãe, titia, vovó, vovô, papais –, mas nenhuma delas define um parâmetro educacional. Umas temem perder para os outros a simpatia da criança. E o que no começo é uma alegria, com muita risada e festa, com o tempo transforma-se em choro, rebeldia, gritaria, insônia, falta de apetite etc., resultado da falta de critérios que determinem o que pode e o que não pode.188

É muito importante mostrar a importância da rotina, com horários para acordar, dormir, comer, tomar banho, brincar, ir para a escola ou para a creche, fazer os deveres escolares e os parâmetros mais importantes, indica Martins Filho.189 Rotina que muitas vezes é criticada como sendo a pior das coisas possíveis. Mas há aprendizado sem rotina? Sem que se dê tempo àquilo que o exige? Pergunta de estudante no início da aula: ―Professor, o que é que faremos hoje?‖ Expectativa de uma espécie de show, quando na verdade o processo prestes a acontecer é o de uma aula. Se será boa, prazerosa, tanto melhor, mas o que não poderá deixar de ser é o que deve ser: uma aula.

As discussões de como lidar com as crianças não param por aí: o leitor tem se dado conta o que é a vida das crianças de classe média, para as quais os pais não têm tempo, indaga Martins Filho. E emenda: são verdadeiras miniexecutivas: vão à escola, à aula de inglês, à aula de tênis, ao judô, ao futebol, ao professor particular etc. Não têm tempo para o que elas mais gostam de fazer, que é brincar, fantasiar, correr, saltar, pular livres, sem muitas diretrizes ou muitos deveres a cumprir. Seguramente, entende, essas crianças vivem em verdadeiras gaiolas de ouro, com dinheiro suficiente para ter suas vontades realizadas. Mas não têm tempo para encontrar e absorver ideias, pensamentos e ensinamentos de seus pais, ficando sem receber uma das coisas mais importantes nessa idade, que é a presença e o carinho dos pais.190

Muitos agem como se não percebessem que ter filhos exige uma revisão dos conceitos existenciais. Às vezes, os filhos chegam, mas os pais não querem se

188

MARTINS FILHO, José. A criança terceirizada: os descaminhos das relações familiares no mundo contemporâneo, 2012, p. 79.

189

Ibidem, p. 80.

190

responsabilizar por eles, segue Martins Filho.191 E diz também estar percebendo na mudança das últimas décadas um aspecto ideológico: com o desenvolvimento dos movimentos feministas e com a mulher adequadamente lutando para conquistar um lugar melhor na sociedade, algo aconteceu. É como se houvesse uma estigmatização da família tradicional, que a esquerda chamava de burguesa (mãe em casa, cuidando dos filhos, e pai provedor). Talvez por isso a mulher moderna tenha se afastado das tarefas que lhe sugerem a volta a um passado desabonador. A mulher aprendeu de sua mãe que o certo era trabalhar fora, ser independente, não se preocupar em aprender a cuidar de filhos, da casa, dos alimentos. Como seria de se esperar, o homem também não assumiu esse papel, embora não possa protestar, sob pena de ser considerado machista. Ninguém ficou preocupado com essa parte fundamental da existência que é a arte de cuidar da família, dos filhos, das pessoas, dos seres humanos que vivem juntos em uma mesma casa.192 ―Sobra‖ para quem cuidar? Para a escola, para o professor.

As mulheres passaram a considerar as tarefas antes tidas como femininas como uma atividade de menor valor. E as crianças? Alguém pensou nelas? Como vivem as crianças no cotidiano doméstico? E as avós, não ensinaram nada a filhas e filhos, inquire na mesma direção.193 E cita: ―O professor Raymundo de Lima, psicanalista, é autor de uma frase que me sensibilizou muito: ‗a sociedade capitalista corroeu, por um lado, a autoridade do pai e, por outro lado, sequestrou a mãe para o trabalho, impedindo-a de dar o necessário colo ao filho.‘‖194

Ser mãe ou pai hoje é uma tarefa igual à do passado, acrescida dos problemas que a modernidade trouxe, pensa Martins Filho. É uma responsabilidade muito grande, que deve ser assumida com perfeito e profundo conhecimento de suas implicações. Crianças choram à noite, nem sempre dormem bem. Precisam de cuidados especiais, de limpeza, banho, alimentação, carícias, precisam ser educadas e acompanhadas até a idade adulta. A tarefa de pais e mães não cessa nunca, filosofa.195

191

MARTINS FILHO, José. A criança terceirizada: os descaminhos das relações familiares no mundo contemporâneo, 2012, p. 87. 192 Ibidem, p. 93. 193 Ibidem, p. 94. 194 Ibidem, p. 95. 195 Ibidem, p. 98.

Questionador, Martins Filho faz pensar: as pessoas falam do aquecimento global, da degradação do meio ambiente e da necessidade e todos nós nos preocuparmos para encontrar saídas. Concordo. É verdade, precisamos nos conscientizar e ver o que ainda podemos fazer para salvar nosso planeta e não legar uma vida problemática a nossos descendentes. Da mesma maneira, pergunto se não está na hora de despertarmos para o problema da criação das crianças. Temos de despertar para essa situação, pois parece que as pessoas não se dão conta da importância do afeto, do amor na vida dos filhos. Que será dessas crianças mal- amadas? (...) Serão capazes de amar no futuro?196 De nossa parte: terceirizados, os jovens conseguirão perceber a importância daquilo que a escola tem a oferecer- lhes? Quanto os professores precisam fazer de enfrentamento diário com alunos, como se fosse sua função convencê-los à adesão ao processo?

2.4 ―PROFESSORES, NÃO SE PREOCUPEM EM NOS DIVERTIR‖

Ao reportar-se à ideia de nos voltarmos à essência da educação, Arendt sem dúvida lança luz a questões fulcrais do nosso tempo. Uma delas é a ideia de que a educação tradicional deveria ser revista, por ser ―bancária‖, monótona, não atrativa e outras adjetivações pejorativas. Com base em Hannah Arendt, propõe-se uma reflexão em torno dessas concepções, visando pensar em que medida processos que se considerariam revolucionários em educação seriam possíveis, e questionando a ideia tão em voga de que todo processo precisa ser prazeroso para auferir adesão.

Em Navegando contra a corrente?, Dauster (2001) ressalva que a concepção ―bancária‖, tal qual desenhada por Paulo Freire, tem o valor de preencher a função de padrão cultural e modelo que são regras socialmente construídas; ao mesmo tempo, organizam o comportamento social e representam ordenações aí existentes, muito embora não sejam determinações imutáveis, fixas ou irrestritas (p. 77). Prossegue ela:

196

MARTINS FILHO, José. A criança terceirizada: os descaminhos das relações familiares no mundo contemporâneo, 2012, p. 101.

Tratando-se de um quadro de referências e disposições mais ou menos permanentes e valendo-me de Bourdieu (1983)197 e de seu conceito de habitus, supondo que, sendo dominante, a concepção ―bancária‖ de educação implica um capital de técnicas e crenças que perpassam as relações sociais concretas no campo pedagógico. Elas geram estratégias e ações que ultrapassam o indivíduo, e que, portanto, significam construções coletivas (idem).

Aquilo que se chama de bancário, sem desmerecer a crítica freireana, também é um professor lecionando, fazendo seu trabalho. O que será preferível: que ele o faça, embora muitas vezes de um modo criticável e que pode ser revisto ou que, por medo de ser tachado por esse adjetivo, não se dê educação alguma?

Bonamino e Brandão (2001) não dispensam por parte da escola a ―viabilização de um núcleo de saberes formadores, que permita ao aluno aceder a um suporte epistêmico universal‖ (p. 99). Chamam a atenção para a necessária preservação, pela escola, das condições de interlocução criativa com os elementos essencial da cultura universal, entendendo cultura com base em Forquin (1993, p. 168), enquanto mundo humanamente construído, mundo das instituições e dos signos, no qual, desde a origem, se banha todo o indivíduo humano tão somente por ser humano, e que constitui como que a sua segunda matriz. Bonamino e Brandão (2001) falam em ―enfrentar o desafio de incorporar extensivamente o conhecimento acumulado pela herança universal‖ (p. 100).

Carneiro (1998) acrescenta que cresce o sentimento de rejeição ao alastramento do que se poderia chamar de ―vácuo ético‖, numa ordem social impregnada pelo culto da liberdade mas notoriamente menos solícita ao exercício da responsabilidade (p. 05). Concepção que ecoa a partir de Arendt, de que não se pode negligenciar o próprio papel, ainda que com a assim chamada pós- modernidade valores adquiram novos significados e exijam novas traduções e haja a possibilidade de re-equacionamento do pensamento educativo, posto que ―no defluir histórico das sociedades nada está garantido, o futuro está aberto, temos diante de nós caminhos insuspeitados que somos chamados a percorrer‖ (Azevedo, 1998, p. 19). Pintassilgo (1998), por sua vez, agrega que em nosso tempo

197

[...] fala-se muito em direitos, mas nem sempre nos deveres. Há o direito do consumidor, do aluno, cada qual lembra frequentemente seus direitos... Cada direito tem, sem dúvida, a responsabilidade que lhe corresponde. (...) A recepção a esta iniciativa não é nada pacífica. Há uma crítica sobre a necessidade de exprimir responsabilidades que são comuns a todos os humanos que consiste em suspeitar que as responsabilidades e os deveres porão limites às liberdades individuais.198

A autora afirma a responsabilidade como valor englobante de todo comportamento ético. E refere-se a tudo o que é vulnerável, afirmando ser esta uma convicção partilhada por Levinas e Hans Jonas, de que só um ser vulnerável e frágil pode afetar-nos e compelir-nos à responsabilidade.199 Este é um dos motivos de Arendt para ―negar a cidadania‖ à criança, um ser frágil e em desenvolvimento, que ―pede‖ por alguém que lhe seja responsável e que o ajude a crescer.

Uma das questões prementes no debate relativo à crise educacional em nosso tempo refere-se à emergência de uma ampla tendência hedonista talvez jamais vista. Nas palavras de Robert (2007):

O que predomina é o lugar tomado pela dispersão, a fragmentação, o reino do aqui e do agora, o relativismo generalizado; (...) entramos na era pós- moderna, o que não podia deixar de abalar a escola: contestação dos saberes escolares pelos saberes ―quentes‖, ideia de que todas as experiências se valem, denúncia do imperialismo do verdadeiro, contestação da autoridade professoral ou do adulto em geral, indivíduo caracterizado por suas clivagens ou dissociações internas (...). A crise aplicada à escola sem ser própria apenas da escola, instituição específica da modernidade, e os ―não-valores‖ da pós-modernidade (p. 220).

A questão é que nem tudo é prazeroso, e muitas das responsabilidades que se apresentam no decorrer da vida não garantem prazer, podendo, inclusive, serem desagradáveis. Sob o sugestivo título Encurtando a adolescência, Zagury (1999) tece algumas reflexões que gostaríamos de aproximar às de Arendt, ainda que sob a insigne da dicotomia prazer-responsabilidade.200

Hoje, os pais da geração do diálogo e do não autoritarismo, escreve Zagury, precisam ter argumentos para convencer os filhos de que uma tal atitude não é válida, que pode acarretar problemas e, portanto, não deve ser permitida.201 Há uma supervalorização dos aspectos psicológicos da relação, em detrimento de uma visão

198

PINTASILGO, Maria de Lourdes. Uma ética global num mundo de problemas globais, 1998, p. 83.

199

PINTASILGO, Maria de Lourdes. Uma ética global num mundo de problemas globais, 1998, p. 86.

200

Para essa primeira abordagem da autora, considere-se Zagury (1999); para o que vem logo em seguida, Zagury (2001) e, por fim, Zagury (1997).

201

sociológica. Desta forma, crianças e jovens sentem-se ―senhores‖ em seus lares - e transpõem este modelo para a vida, observa.202 Referindo-se aos pais, aborda:

É muito mais fácil e confortável deixar tudo a ―Deus dará‖. Mas essa é, decerto, uma atitude imediatista e infantil, que nos nivela à idade e à maturidade das crianças. Não podemos abrir mão das nossas responsabilidades, mesmo que seja mais agradável – e fácil – fazer tudo que nossos filhos desejam.203

Cada concessão, em se tratando de educação, elabora, costuma transformar-se rapidamente em direito adquirido; portanto, reverter uma situação é sempre mais complicado.204 Quanto mais hostil for o meio - quanto pior estiverem as coisas na sociedade, mais os pais devem compreender e introjetar a importância do seu papel, raciocina.205 Nada justifica uma atitude derrotista de alguns pais que, sob o pretexto de que tanta coisa vai mal, acham que não devem educar os filhos, completa.206

―Na vida‖ - lembra - ―não se pode fazer apenas o que se quer e o que se gosta; é preciso fazer o que é necessário e importante‖.207

É bom que os filhos saibam que, em princípio, determinadas coisas não são passíveis de acordos, entende.208 E exemplifica, tomando a questão de poder dirigir ou não, quando não é permitido:

Pode-se discutir se tais leis são justas ou não, pode-se analisar até mesmo os propósitos que guiaram o legislador a adotar e aprovar tais ou quais medidas. Podemos mesmo chegar a discutir se o legislativo é ou não justo e equilibrado. O que tem que ficar bem claro, no entanto, para os nossos filhos, é que sob nossa orientação, enquanto uma lei estiver em vigor, seja ou não justa, ela será cumprida por todos os membros da família. Votar ele pode sim – se quiser. Dirigir, não. E ponto final. Porque, por enquanto, é assim que a lei é. Justa ou injusta vamos cumpri-la e, se desejarmos, agir em outras instâncias até derrubá-la ou modificá-la. Porque somos cidadãos coerentes e atuantes, não marginais.209

202

Ibidem, p. 29.

203

ZAGURY, Tania. Encurtando a adolescência, 1999, p. 30.

204 Ibidem, p. 32. 205 Ibidem, p. 45. 206 Ibidem, p. 46. 207 Ibidem, p. 66. 208 Ibidem, p. 68. 209 Ibidem, p. 148-9.

Zagury aconselha não ter tanta ―pena‖ dos filhos quando eles estão apenas desenvolvendo atividades adequadas e necessárias.210 Os filhos, diz, em especial os jovens, lutam com garras e dentes para fazer o que querem - apenas o que

querem. É a duras penas que os pais conseguem fazê-los compreender que, além

do prazer, existe também o dever, que a todo direito corresponde uma obrigação.211 Quanto tempo da aula também é perdido e quão grande é o desgaste do professor em solicitar atenção, concentração, que os alunos guardem seus celulares ou se ocupem com questões outras que não a aula? Por que, às vezes, muitos não o fazem? Para serem bem aceitos pela turma, para não passarem por ranzinzas, antiquados ou coisa do gênero. Assim como também muitos pais não assumem o que lhes cabe, temendo ―perder o amor‖ do filho.

Em Educar sem culpa (2001), limitada à relação familiar, Zagury escreve ser

Documentos relacionados