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Não existe curadoria sem contexto: apontamentos sobre curadorias e seus contextos locais

III. CURADORIAS NESTAS LATITUDES E SUAS POTÊNCIAS POLÍTICAS

3.3 Eixos recorrentes

3.3.5 Não existe curadoria sem contexto: apontamentos sobre curadorias e seus contextos locais

No primeiro capítulo ofereci um pequeníssimo panorama dos contextos que balizam estes projetos e agentes entrevistados. Era necessário relacionar suas ações às características dos seus contextos, porque, como dissemos no início deste capítulo, as estratégias que são potencialmente dissensuais num ambiente, em outro são totalmente consensuais. Mas este eixo da relação com o contexto global e local aparece porque a maioria dos projetos são janelas para fluxos de informações entre o local e o global. Suas apostas políticas contemplam, em uns, a relação entre os artistas nacionais com os internacionais (sempre em diferentes escalas), em outros é a relação entre a discussão especificamente artística e a discussão social que transcende o ambiente gremial, em outros ainda a aposta é criar relações dentro da própria ambiência criada entre as obras, os artistas e os realizadores.

Porém, para a maioria dos entrevistados é complexo definir claramente o contexto a que dedicam seu trabalho, pois esferas diferentes se conectam e se relacionam à medida que aparecem reflexões sobre o quê e o como fazer. Considerei importante trazer esta relação, pois muitos destes profissionais utilizam a ferramenta do zoom para se manterem alertas às necessidades concretas do seu entorno imediato, sem desconsiderar questões globais que possam fortalecer, enriquecer e problematizar o contexto local. Nesta utilização do zoom está, ao meu ver, a maior ação política.

Essa capacidade de ir ao local sem perder de vista o geral e vice-versa é talvez um dos desafios do mundo de hoje. As recomendações passam por não ficar tanto no global e as preocupações de circuito geral das artes, estar alerta a quais problemáticas importar desse global, manter-se atento aos fluxos das modas e imposições mercadológicas das regiões centrais, e ao mesmo tempo, não desperdiçar as tensões que a interconexão pode oferecer. Mariana Arteaga diz em sua entrevista:

100 não se pode fazer curadoria sem contexto. O contexto local é fundamental, é com quem quero dialogar. Mas isso não significa que meu processo de reflexão curatorial seja local [...] minha reflexão é global, porque assim como há realidades muito específicas no mundo, também há processos nos quais todos estamos interconetados. E, nesse sentido, o papel do curador é interessante porque é consciente de um momento histórico e artístico e o que faz é relacioná-lo a um contexto (ARTEAGA, 2013, tradução nossa).

É com o local que estamos diretamente relacionados e a ele devemos um compromisso fundamental. Alguns dos profissionais sentem isto como obrigação e se questionam sobre por que lidar com um global quando o local ainda engatinha em aspectos para eles fundamentais. Alguns não conseguem pensar muito além do seu território, do seu estado, da sua disciplina, pois a veem ainda precária e, portanto, se consideram sem ferramentas para se confrontar com um discurso globalizado determinado.

Matias Santiago conta sua preocupação com respeito a um projeto internacional na cidade onde ele trabalha e expõe muito bem esta questão:

O contexto global não iria acrescentar em nada ao desenvolvimento da produção artística no contexto local. Pelo contrário. A gente sabe disso, ninguém é idiota, a gente sabe que esse trânsito propicia um desenvolvimento de ambas as partes, dá visibilidade etc, só que, naquele contexto, 2007, e na situação que a produção em dança vivia, […] era como jogar livros para um monte de gente que não sabia ler. A maneira como estava sendo desenhado, era uma coisa que não ia alcançar a maioria dos artistas e era um investimento financeiro muito grande, para um resultado muito específico, para um determinado nicho (SANTIAGO, 2013).

Como o próprio Santiago declara, vários profissionais acreditam que nessa conexão com o global, esses aspectos “precários” podem se nutrir e crescer, porém ele adverte que é muito fácil assumir discursos estrangeiros como globais quando são locais de certos contextos e não do todo. A suposta “universalidade” das ideias é uma problemática que tenta homogeneizar o saber e implica em que os formatos e interesses podem igualar-se e, portanto, serem legítimos e convenientes em qualquer contexto. Hoje sabemos que isto é um olhar equivocado e é a isso que alguns profissionais respondem quando reivindicam a situação do contexto local como condição fundacional para pensar qualquer curadoria. Pois, caso se perca de vista esse ambiente local, os projetos gastam tempo, recursos e energias reproduzindo preocupações descontextualizadas, onde perdem sua adequação e sua pertinência.

Paradoxalmente, existem discursos que se vendem globalmente mas que me parecem locais e que um curador, quando quer dialogar com seu contexto, deve

101 fazer o exercício [de identificar esta relação] que muitas vezes exige honestidade. Finalmente, se se está fazendo curadoria e criando projetos, é porque se quer provocar, mobilizar o teu contexto, segundo eu (risos) (ARTEAGA, 2013, tradução nossa)

No último ponto tratarei brevemente da questão da avaliação das ações e os diagnósticos dos contextos, que são talvez as demandas menos atendidas na estrutura cultural na região latinoamericana. E, neste sentido, seria próprio combinar a honestidade que Arteaga sugere com estudos e ferramentas que colaborem para o reconhecimento das necessidades do grêmio e da sociedade de forma menos desestruturada.

Finalmente, para considerar esta relação com o contexto, acredito que as seguintes perguntas podem colaborar para questionar como lidar com estes contextos: a que contexto as preocupações curatoriais estão atendendo? Até que ponto a interconexão é nas duas direções? São perguntas interessantes se queremos evitar uma infiltração consentida de necessidades criadas pelo mercado, pelas tendências, pela moda, pelos países centrais. Quais são nossas colocações a este respeito?

Entendendo que as curadorias se veem, de alguma forma, influenciadas por pensamentos, paradigmas, modas, referências que circulam no ambiente artístico-cultural, que poderíamos chamar como tendências e que nem sempre reconhecemos de onde vieram e a que paradigmas respondem, questiono: Precisam-se destas tendências globais para desenvolver o contexto local? O que será preciso para equilibrar-se entre os contextos locais e globais?