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(AH! SE TODAS AS PRONÚNCIAS

TIVESSEM O SOM DA MÚSICA!)

P

ronúncia é um assunto difícil de tratar por escrito, mas tento fazer o meu me- lhor. Fico também com um pouco de receio, porque, após ter publicado meu pri- meiro livro – com centenas de pronúncias demonstradas utilizando-me da orto- grafia portuguesa –, fui duramente criticado por muitos, uma vez que existem os sistemas internacionais de fonética.

Pessoalmente, não acho esses sistemas fáceis de assimilar e a minha experiência me mostra que os alunos sentem a mesma dificuldade. Há uma grande vantagem prática em usar a ortografia do português em sala de aula: funciona muito bem.

E os alunos costumam aprender. Aliás, não é essa a idéia?

¢“Fretago”?

Na realidade, esta história possivelmente não irá acrescentar muito ao seu apren- dizado de inglês, mas pode servir de consolo quando estiver se sentindo meio de- sanimado em seu progresso, especialmente com seu listening comprehension – quem sabe?

O que relatarei a seguir aconteceu comigo durante a primeira vez que fui para os Estados Unidos com a missão de lecionar inglês para um grupo grande de es- tudantes brasileiros. O destino era Daytona Beach, na Florida, e logo cedo che- gamos, juntos, ao aeroporto de Miami para pegar um ônibus para a viagem, que duraria mais ou menos cinco horas.

Após duas horas, paramos para tomar um breakfast no McDonald’s. Entramos e ficamos na fila. Pensei comigo “é a primeira vez que vou falar inglês com um ameri- cano na terra de Tio Sam. Vamos ver se sinto alguma diferença”. Chegou a minha vez de fazer o pedido e fui atendido por uma mocinha de uns 16 ou 17 aninhos, lou- ra, simpática que ficou aguardando eu falar. Pedi sem problemas, paguei também.

Foi aí que aconteceu o imprevisto. Ela disse para mim: “Fretago?” Ao que eu respondi: “Pardon?” Ao que ela repetiu: “Fretago?” “I’m sorry. Could you speak

slowly?”, pedi.

Com um certo ar de irritação, a mocinha falou de novo: “Fre – ta – goh?” A essas alturas eu já me sentia o mais completo idiota. Imagine, caro leitor. Eu, in- glês, súdito da Sua Majestade, professor da língua, incumbido de ajudar um monte de estudantes, muitos dos quais estavam ali, presenciando meu primeiro diálogo com um nativo em sua terra – E NÃO ESTAVA ME CONSEGUINDO COMUNICAR! Constrangedor, no mínimo.

Por fim, resolvi dar um basta em tudo aquilo de uma maneira bastante sutil, sutilíssima, dizendo... nada. Ela olhou para mim como se eu tivesse chegado na- quele instante vindo de Marte, pensando, provavelmente, “esses chicanos!”. Re- cebi meu breakfast em silêncio e procurei um lugar para comê-lo, mas sem ficar muito distante do check out. Comentei o ocorrido com uma colega, também pro- fessora do grupo, e pedi que ela prestasse atenção na moça para ver se entendia o que era o raio do fretago.

Dito e feito. O próximo cliente na fila também foi inquirido: “fretago?”, e a mi- nha colega repetiu: “For here or to go?” E finalmente a ficha caiu. A loirinha estava querendo saber se eu queria meu breakfast para comer ali ou para viagem. A minha única defesa seria que na Inglaterra teria dito: “Dja wanna eat now or take away?”.

Take away é a expressão que se usa por lá para designar comida pra viagem.

Nessa minha primeira viagem aos Estados Unidos, só houve mais um inci- dente similar. Foi quando fomos comer pizza num lugar em que havia um salad

bar. Deixando de lado o meu preconceito de que pizza e salada não se comem

nem no mesmo dia, menos ainda durante a mesma refeição, quis saber do gar- çom o que se passava a respeito da salada, se estava inclusa no preço, ou seja, se era de graça. Perguntei algo assim: What’s the deal with the salad? Ele respondeu para mim: It’s a dial nine nine.

Hmmm!, pensei. “Disque nove-nove”; sem dúvida influenciado pelo sistema de discagem da minha terra, quando se diz, para emergências (polícia, bombeiro ou ambulância), “dial (com a pronúncia /daial/) nine-nine-nine”.

Fiquei deveras encafifado, e levei alguns minutos para entender que o que o gentil garçom estava me informando era o preço extra para a salada:

– A dollar ninety-nine.

¢Fur coats (casacos de pele)

Vi que, não faz muito tempo, a Gisele Bündchen vestiu casacos de visom da mar- ca Blackglama para uma campanha publicitária. Já que é a Gisele que está os pro- movendo, só podem ser bons... (Fica gostoso até escrever o nome dela!) Vou fi- car na fila pra comprar o meu o quanto antes, that’s for sure (com toda certeza). Já está me imaginou de casaco de visom? Vou ficar uma graça, ’cê vai ver! Mas não era isso que eu queria falar. Peço desculpas àqueles que queriam saber mais a respeito do prof. Michael vestindo pele, mas não será desta vez. Agüente firme aí. Quem sabe um dia?

É que achei interessante o nome da marca, com a palavra “glama”. Aliás, “glama”, como palavra, “g-l-a-m-a”, não existe. O que existe, isto sim, é a pro- núncia: /gla-ma/. E sabe qual é a palavra que tem sua pronúncia assim? É gla-

mour – às vezes glamor.

Em inglês, a pronúncia de glamour não corresponde à dos brasileiros. Diz-se assim mesmo, /gla-ma/. A pronúncia de glamour, à brasileira, segue a pronúnica original francesa... Epa! Hold on a minute! Será que estou escrevendo besteiras, aqui? Quem sou eu para dizer que o brasileiro só quer usar a pronúncia inglesa? Mania minha de só enfocar inglês, esquecendo que a língua francesa também fez (e tem feito) diversas contribuições à lingüística globalizada.

A palavra francesa glamour é uma das palavras “inglesas” que, aqui no Brasil, nós – os gringos –, quando colocando a nossa pronúncia, muitas vezes acabamos surpreendendo muita gente, por causa do modo como se diz na Inglaterra ou nos Estados Unidos.

Veja mais este caso. Você gosta de peixe? Se apreciar salmão, saiba que em inglês é salmon. s-a-l-m-o-n. Parecido, né? Só que a pronúncia é /sá-mân/. Viu? Nada de /sal-mon/. Repare bem que o “l” é totalmente mudo.

Outra palavra que às vezes confunde é a nossa linha aérea, a Varig. Os grin- gos tendem a dizer /và-wrìg/, bem fechadinho, em vez de nosso /vá-wri-gue/; e o turista brasileiro pode até encontrar dificuldades ao procurar o check in da Varig. Até o nome do nosso país (o Brasil) às vezes é mal interpretado, com os ame- ricanos e britânicos dizendo /brâ-zîl/, com a boca e lábios bem fechados, e tendo dificuldade até de entender o nosso /brá-zíííu/.

Outra linda surpresa é “coral”, não a cobra, mas aquele agrupamento de gente cantando. Tem a grafia de c-h-o-i-r, choir, mas a pronúncia acaba saindo /kwai-a/.

Isso sem falar de “ilha”, que é island, mas cuja pronúncia é /ai-lând/, com “s” mudo; culture (/kâl-tcha); debt (/dêt/); gnome (/nôm) – espero não decepcionar aqueles que acreditam neles – e gnu (/nu/ ou /nî-u/).

O quê? Não sabe o que é um gnu? É uma espécie de antílope africano, tam- bém conhecido como wildebeest.

¢Pronúncia do “R” em inglês

De vez em quando eu pego um pouco pesado. Preciso aprender a ser mais toleran- te... Tentarei ser mais light, como o brasileiro gosta de dizer – ou mais leve, como costumo usar (não sei por que a palavra light virou moda, quando “leve”, a meu ver, é bem aceitável. Mas quem sou eu para criticar o uso de estrangeirismos?).

Bem, quanto à pronúncia da letra “R” no início da palavra em inglês, é uma grande dificuldade para o brasileiro, pois soa como a letra “H” em inglês e pode muitas vezes confundir o ouvinte, especialmente se for um estrangeiro que não está familiarizado com o português.

Em meu livro Como Não Aprender Inglês, dou a dica de imaginar que há um “W” antes do “R” para evitar a pronúncia errada. Lembre que a dica exige que você leia a palavra como se fosse mesmo português:

Palavra Tendência do brasileiro Dica

Robert /Hobert/ /Wró-bert/

Red /Hed/ /Wred/

Rich /Hich/ /Writch/

Request /Hequest/ /Wre-quest/

Agora, para consolidar, vamos ver algumas frases:

Frase Não é assim! É assim!

Rita’s heater /Hitas rita/ /Wri-tas hi-ta/ (o aquecedor de Rita)

Robin Hood /Hobin wrud/ /Wró-bin-rud/

Robert Redford /Hobert Hedford/ /Wró-bert-wréd-fâd/

Richard’s heel /Hitchads reel/ /Writ-châds reel/ (o calcanhar de Richard)

Frase Não é assim! É assim! Rachel’s a red

head Heitchalza hed red /Wrei-tcholz a wréd réd/ (Raquel éruiva) Rudy’s rude /Hudiz-hud/ /Wru-diz wrud/ (Rudy é um grosso) Roy’s red rose /Hois hed hose/ /Wroiz-wréd-wroz/ (A rosa vermelha

de Roy)

Rock’n’Roll /Hok e Hôl/ /Wró-kan-wrôl/

I hope you are really ready to read right (eu espero que você esteja realmente

pronto para ler corretamente). Treine bastante essa frase para tirar nota dez.

¢Tick tock (tic-tac)

Interessante pensarmos nas diferenças entre a representação fonética do barulho de um relógio em inglês e em português. Essa representação ou imitação, como você provavelmente já sabe, chama-se onomatopéia – termo gramatical que sig- nifica: “Palavra cuja pronúncia imita o som natural da coisa significada.” Ahn? Para dizer a verdade, “coisa significada” não “significa” muita coisa para mim. Há vezes em que o meu Aurélio não me ajuda tanto. Eu diria: “A formação ou o uso de palavras que imitam os sons associados com os objetos ou ações a que se referem.” Não só diria como acabei de dizer, de fato.

Mas, como eu dizia, parece-me que a representação do som – estou me refe- rindo ao barulho do relógio – é diferente entre nossas línguas. Será que relógios no Brasil e no estrangeiro fazem sons tão distintos assim? /ták/ contra /tôk/. Sei lá! Mas uma coisa que sei com certeza é que há muitos tocks nos Estados Unidos. Muito mais que na Inglaterra. Veja por que cheguei a esta conclusão esquisita.

Dias atrás, minha TV estava ligada no canal CNN quando ouvi uma comen- tarista dizer, ou pelo menos entendi assim, “The clock is ticking on this round of

tocks”. Como na hora eu não estava antenado (acho que estava escrevendo algo,

pois com certeza eu estava bem distraído), entendi assim. Aí, comecei a prestar atenção, e era um noticiário a respeito do conflito entre Israel e Palestina (por que será que isso não é mais uma surpresa?).

Ficou óbvio para mim em seguida, quando prestei mais atenção, que o que a repórter havia dito era talks, e não tocks. Mas, distraído como estava, confundi a pronúncia americana com a britânica. Sim, minha gente, isto pode acontecer co- migo também, como já disse, especialmente quando não estou prestando atenção.

Dizer the clock is ticking on this round of talks não significa que o relógio está fazendo “tic-tac” nesta rodada de falas. É mais para “o tempo está se passando (ou esgotando) referente a esta rodada de negociações”.

Sempre temos de tomar muito cuidado com a pronúncia, levando em consi- deração as diferenças entre as duas vertentes principais. Não, você não, querido aluno. Falo de nós, professores, principalmente se nós formos nativos da língua.

Só para terminar, deixe-me contar uma piada que lembrei. Ou será que rela- tei o ocorrido só para poder contar a piada? Este tipo de coisa acho que o Freud explicaria, não explicaria?

É um diálogo entre um oficial nazista e um prisioneiro inglês num campo de

POWs – Prisoners of War (prisioneiros de guerra). (Tome nota que em inglês é prisoner, sem um “i” bem no meio. Quantas vezes já vi esta palavra grafada erra-

do? Muitas, pode crer.)

Bem, será difícil contar essa piada se eu não tratar anteriormente da pronún- cia de talk, a qual o inglês britânico tende mais para /tork/.

Você deve se lembrar que alguns alemães têm uma certa dificuldade com a pronúncia das letras “w” e “v” em inglês – há uma tendência em se inverter o som das duas letras –, e talk pode sair com a pronúncia dos americanos: /tok/.

An English prisoner of war in the POW camp thought he was a clock and kept shaking his head from side to side and repeating “tick-tock, tick-tock”. The Ger- man commander was getting annoyed and told the prisoner, who was slightly mad of course, to stop it immediately. The prisoner complied, but only by half, and whi- le shaking his head from side to side, would say “tick ----, tick ----”. The comman- der, becoming even more exasperated and upset, told the prisoner that he must stop. If he didn’t, he said, “Ve haf vays to make you tock”.

Esta piada se vale da ameaça freqüente: “Nós temos meios para fazer você fa- lar.” Vixe! Acabei de perceber que a piada não é exatamente politicamente corre- ta, mas, como não gosto de desperdiçar nada do que escrevo, vou “deixar rolar” e assumir o risco de ser processado. Também, não seria de tudo ruim, pois a publi- cidade ajudaria na vendagem dos meus livros, tenho certeza!

Quê? Está esperando uma tradução? Está bem, mas fique desde já avisado que é difícil traduzir piadas. Vamos ver o que acontece com esta.

Havia um prisioneiro de guerra inglês que estava no campo de prisioneiros de guerra e que pensava que era um relógio. Ele ficava balançando a cabeça de um lado para o outro, repetindo tick-tock, tick-tock. O comandante alemão estava começando a ficar aborrecido e avisou ao prisioneiro – que, claro, era um pouco

louco – para que parasse com aquilo imediatamente. O prisioneiro obedeceu, mas apenas pela metade. E, enquanto balançava a cabeça, falava tick ----, tick

----. O comandante, ficando mais e mais louco da vida, disse ao prisioneiro que

ele precisava parar. Senão, “Ve haf vays to make you tock”. (Nós temos meios para fazer você falar [talk]).

P.S.: Avisei que a piada não ficaria bem quando traduzida, mas você insistiu, seu

teimoso.

¢Cello

Para encerrar o capítulo “Pronúncia”, algo bastante apropriado: música. Termi- no o capítulo com uma pergunta singela que recebi de um leitor: “Gostaria que você me respondesse como se pronuncia esta palavra: cello (o que significa?).”

Se você que está lendo este livro não sabe, um cello é um instrumento musi- cal, de quatro cordas, com formato curvado, da mesma família do violino. Em português, é o violoncelo. A pronúncia em inglês é /tché-lô/.

Atitude