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Neste nível, a perspectiva vai além do interesse individual, dando lugar à ênfase da conformidade ou lealdade relativamente às normas (formais e/ou informais). As expectativas da família, dos grupos, da nação de pertença do sujeito, são valorizadas em si mesmas, independentemente das consequências. A atitude vai além da conformidade à ordem social, sendo também de lealdade, suporte e justificação da mesma:

- Terceiro estádio: orientação em função das relações interpessoais ou a moralidade do tipo “bom rapaz”. A preocupação essencial é a obtenção da aprovação dos outros. Há muita conformidade a estereótipos do que a maioria considera “natural”;

- Quarto estádio: moralidade da autoridade e da manutenção da ordem social. O raciocínio reflecte a ênfase na lei e ordem, sendo a estabilidade um valor importante. O comportamento certo

39. Adoptamos aqui a terminologia utilizada por Coimbra (1990), nomeadamente no que diz respeito à designação dos estádios.

consiste em fazer aquilo que deve, mostrar respeito pela autoridade, mantendo a ordem social, uma vez que esta tem uma moralidade subjacente.

Nível pós-convencional

Neste nível, o raciocínio é baseado em princípios de justiça abstractos que transcendem as normas sociais, existindo o esforço para definir valores e princípios morais com validade e aplicação para além da autoridade dos grupos ou pessoas que os definem:

- Quinto estádio: moralidade do contracto social, dos direitos individuais e da lei democraticamente aceite. A justiça é definida em termos de valores partilhados por toda a sociedade, sendo reconhecido que as leis podem e devem ser mudadas se forem injustas. O raciocínio moral reflecte a preocupação pelos direitos individuais e igualdade. Há consciência do relativismo dos valores e opiniões pessoais e, consequentemente, a enfatização das regras processuais para se atingirem consensos. Este estádio corresponde ao reconhecimento da moralidade subjacente à governação democrática;

- Sexto estádio40: orientação dos princípios éticos universais.

O raciocínio moral é feito com base em princípios escolhidos pelo próprio de acordo com os mais altos valores de justiça e direitos humanos, apelando à compreensibilidade lógica, universalidade e consistência. Os princípios são abstractos e éticos (ou seja, não são regras morais concretas como os dez mandamentos), universais, de reciprocidade e igualdade dos direitos humanos, e de respeito pela dignidade dos seres humanos.

Inicialmente, a validação empírica da teoria de Kohlberg, foi feita com base na entrevista de julgamento moral, desenvolvida pelo próprio autor, como método para avaliar os estádios morais dos sujeitos, e recorrendo a estu- dos longitudinais (que nalguns casos se estenderam por cerca de 20 anos) realizados em diversos países, designadamente nos EUA, Israel e Turquia (Kohlberg, 1985). Mais tarde foram desenvolvidas medidas de auto-relato, designadamente o Defining Issues Test (Rest, 1976) (conhecido por DIT, ten-

40. A existência deste estádio, tem sido alvo de polémica, reconhecendo o próprio Kohlberg (Kohlberg, Levine e Hewer, 1983) que a construção e “definição teórica do sexto estádio teve origem nos escritos de uma pequena amostra de elite” (1983: 60), que não tem sido validada empiricamente. “Enquanto considerações, quer filosóficas, quer psicológicas, levam-nos a insistir na hipótese e na procura de um sexto estádio moral, os nossos dados logitudinais não nos fornecem o material necessário para (a) confirmar a nossa hipótese ou (b) construir uma descrição de pontuação detalhada que permita uma identificação fidedigna do sexto estádio” (1983: 60).

do já sido revisto e os seus dilemas actualizados, usando-se actualmente o DIT2) e o Moral Judgment Test (ou MJT, desenvolvido entre 1975 e 1977) (Lind, 2000), que devido às vantagens relativas entre um questionário e entrevistas, máxime o tempo e investimento requeridos para a formação de uma amostra representativa, se impuseram como as mais utilizadas na investigação sobre julgamento moral; note-se que o DIT é mais utilizado que o MJT (Elm e Weber, 1994).

Entre críticas mais ou menos radicais à teoria de Kohlberg et al. (1983), merece destaque a que defende que as variações no raciocínio moral do adulto são uma função da posição política do respondente, e não do seu nível desenvolvimental (Emler, Renwick e Malone, 1983; Emler e Stace, 1999; Fisher e Sweeney, 1998). Com efeito, a literatura sobre julgamento moral têm mostrado uma ligação entre o nível de raciocínio moral e a orientação política, no sentido em que os respondentes que se posicio- nam politicamente à esquerda obtêm consistentemente resultados mais altos no raciocínio moral (Emler, Renwick e Malone, 1983; Emler e Stace, 1999; Fisher e Sweeney, 1998), o que tem levado alguns autores a ques- tionarem o verdadeiro significado dos níveis de desenvolvimento moral. Nomeadamente, Emler e colegas (1983) e Fisher e Sweeney (1998), pe- diram a estudantes que completassem uma medida de raciocínio moral (DIT), uma primeira vez a partir da sua perspectiva, e uma segunda vez a partir da perspectiva não correspondente à sua em termos políticos (por exemplo, os indivíduos politicamente conservadores deveriam responder a segunda vez como se fossem de esquerda). Ambos os estudos concluí- ram que, quer os alunos moderados, quer os conservadores, aumentaram significativamente os seus resultados quando responderam segundo a perspectiva de alguém de esquerda. Com uma metodologia diferente, Emler e Stace (1999) chegam sensivelmente às mesmas conclusões. Os autores compararam as inferências feitas pelos participantes sobre alvos que, em resposta a dilemas morais, usaram argumentos corresponden- tes a diferentes estádios morais, tendo descoberto que as percepções dos atributos políticos variaram consistentemente com o nível de raciocínio moral (no sentido esperado), mas não as percepções de atributos morais ou cognitivos. Mais uma vez, os autores afirmam que os resultados põem em causa a defesa de que o raciocínio moral (como definido por Kohlberg) represente níveis diferenciados de desenvolvimento sócio-cognitivo. No entanto, refira-se também a existência de investigação que revela a con- sistência do raciocínio moral enquanto indicador do desenvolvimento (Kohlberg, Levine e Hewer, 1983; Rest, 1986).

lizar o MJT em detrimento do DIT, essencialmente por duas ordens de razões. Em primeiro lugar, o MJT tem como objectivo avaliar a competência moral, definida por Kohlberg como a capacidade para fazer julgamentos e tomar decisões que são morais (i.e., com base em princípios internos) e de actuar de acordo com esses princípios (Lind, 2000). Ao contrário de clas- sificar os indivíduos num determinado estádio de desenvolvimento moral (como sucede no DIT), o MJT dá origem a um resultado contínuo estandar- dizado, que varia entre 1 (resultado mais baixo) e 100 (resultado mais alto), resultado que expressa essencialmente a coerência dos sujeitos a valori- zarem de igual forma quer argumentos contra quer a favor da posição que defendem (que são equiparáveis no que diz respeito à sua complexidade moral), o que invalida em grande medida as críticas descritas acima (lem- bramos que os estudos referidos utilizaram o DIT). Em segundo lugar, o MJT é consideravelmente mais pequeno (ainda assim, a escala por si só é a mais longa e mais exigente de todo o questionário) do que o DIT2, o que foi importante, na medida em que o questionário era já bastante extenso. De acordo com a nossa pesquisa, são escassos os estudos que procu- raram aplicar o nível de desenvolvimento moral ao estudo da relação entre maioria e minorias ou de constructos relacionados; efectivamente, encontrámos apenas três. Ijzendoorn (1989) estudou a relação entre jul- gamento moral, autoritarismo e etnocentrismo, encontrando correlações significativas entre ambas as variáveis e o julgamento moral (no sentido esperado, ou seja, quanto menor o raciocínio moral, mais etnocêntricos e autoritários). De forma bastante mais próxima do nosso trabalho, Glover (1994) estudou o raciocínio moral enquanto preditor do preconceito relati- vamente a minorias raciais, não tendo, no entanto, encontrado resultados significativos consistentes. Por último, Vozzola e colegas (2000) estudaram as relações entre o raciocínio moral e o apoio a políticas de discriminação positiva, nomeadamente a contratação de professores de minorias raciais. Os resultados indicaram que questões morais afectaram a contratação e não a raça do candidato, concluindo os autores que este tipo de políticas é mais influenciado pelo raciocínio moral e por concepções de justiça diver- gentes do que por qualquer viés racial.

A inclusão de uma medida de competência do julgamento moral no estudo da maioria e relação com a diferença, permitir-nos-á aprofundar o pouco conhecimento que dispomos actualmente sobre a relação deste construc- to com o apoio a diferentes direitos das minorias culturais.

Neste segundo capítulo que agora terminamos, revimos literatura sobre tolerância, discriminação e preconceito da maioria, relativamente a mi-

norias culturais, e alguns factores cuja prova empírica mostrou serem relevantes para a sua compreensão, bem como outros cuja pertinência teórica nos leva a crer poderem vir também a ser. De seguida, veremos essencialmente literatura nacional sobre as duas minorias culturais que serão objecto de uma atenção particular na parte prática deste trabalho: os ciganos e os imigrantes de Leste.