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SUMÁRIO

Obs.: As mulheres participantes do Programa Mulheres Mil puderam citar mais de uma opção.

3.1.2 Nível de escolaridade e acesso ao trabalho: obstáculos a serem vencidos

O baixo nível de escolaridade ainda apresenta-se como um obstáculo para que as mulheres possam fazer pleno uso das novas tecnologias em seu cotidiano. Na presente amostra 6,32% das mulheres não são alfabetizadas, considerando que a grande maioria (59,19%) possuem nível fundamental incompleto, enquanto 20,11% das mulheres possuem ensino médio incompleto. Muitas delas pararam de estudar ainda jovens, por causa da maternidade ou do casamento, outras citaram a dificuldade de ―negociação‖ com seus companheiros em relação à possibilidade de voltarem a estudar. Estes aspectos convergem com pesquisa realizada pelo SOS Corpo/Instituto Feminista para Democracia e Data Popular que sinaliza a carência de creches como a principal dificuldade das mulheres com filhos pequenos que precisam ou desejam trabalhar como indica a figura 84:

Embora esta amostra apresente heterogeneidade em relação às participantes do Programa Mulheres Mil com a presença de mulheres dedicadas ao lar, a trabalhos informais entre outros, não foi destacada pelas mulheres a construção de ―identidade profissionais‖, pelo contrário, o arrependimento de não ter avançado no itinerário formal de estudos, concomitante a dificuldade de estar preparadas (e dispor de rede de apoio) para estar inserida no mercado de trabalho faz com que a maioria das mulheres não classifiquem suas atividades laborativas não remuneradas como trabalho. Semelhante ocorre com atividades laborativas informais nas lavouras, serviços gerais, trabalhos manuais, fabricação de bolos e doces caseiros. As mulheres não apresentam discursos de valorização da construção de identidades relacionadas ao trabalho assim como ocorre com as servidoras- professoras e TAEs.

Segundo Santos (2011, p. 08) ―[...] a identidade profissional será sempre forjada num jogo de interações sociais onde o contexto organizacional, as características biográficas do indivíduo e os seus percursos formativos desempenham um papel fundamental‖. A falta de escolaridade dificulta inclusive as atividades informais remuneradas como indica a explanação, a seguir:

―Eu gostaria de aprender a ler para saber das coisas, assim posso trabalhar. Quando eu trabalhava nas casas não podia ler os rótulos dos produtos‖- Mulheres Mil – Itabaiana, 51 anos, casada, 8 filhos.

Figura 84- Demanda por creches é a principal dificuldade das mulheres com filhos pequenos.

Fonte: Baseado na Pesquisa Trabalho remunerado e trabalho doméstico: uma tensão permanente. SOS Corpo/Instituto Feminista para Democracia; Data Popular, 2012, p.41. Disponível em: http://agenciapatriciagalvao.org.br/pesquisa/. Acesso em: 03 jan.2015.

A maioria das mulheres desta amostra afirma não ―trabalhar‖ mesmo realizando várias tarefas no cuidado do lar e com a família, visto que é considerado gerador de renda (direta) e para elas são horas sem recompensa monetária. Nota-se que a visão de valorização do trabalho28 formal e fora do lar como oportunidade de desenvolvimento e autonomia, uma vez que por meio da geração de renda podem ser quebrados laços limitantes de dependência financeira, principalmente em relação ao cônjuge.

Segundo Lipovetsky (2005, p. 160) ―[...] o individualismo penetrou mais a fundo na rotina diária. Na atualidade, a busca de autonomia, de afirmação e de realização pessoal já não se realiza à margem das regras sociais e econômicas, mas na integração profissionalizante.

As principais críticas dos cônjuges (maridos) referem-se à oposição de que ―suas mulheres‖ construam novas sociabilidades, conheçam pessoas interessantes, estudem, ou ―abandonem‖ as tarefas domésticas e os filhos, tornem-se ―autosuficientes‖. Algumas mulheres citam que os mesmos não reconhecem o trabalho no lar como importante, assim delas 33,33% indicaram ―não trabalhar‖ desconsiderando as inúmeras atividades realizadas em casa.

Neste âmbito, 64,94% citaram realizar algum tipo de trabalho remunerado, sendo que a maioria (57,12%) afirmou possuir renda inferior a um salário mínimo. Neste tocante 69,54% das mulheres entrevistadas afirmaram auxiliar nas despesas do lar.

Devido à defasagem escolar, algumas conseguem retornar a escola em séries iniciais ou em turmas do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica, na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA).

O nível de escolaridade relaciona-se de forma direta também com as oportunidades de trabalho e acesso a outros espaços considerados de ―ação pública‖ (oposta as ações privadas do lar). Um maior nível de escolaridade pode ampliar a percepção sobre as problemáticas socioambientais e a busca por soluções, bem como possibilitar o acesso a leis protetivas e direitos.

O acesso ao trabalho formal baseia-se na inserção de sujeitos em instituições constituídas por diretrizes, missão e valores em prol de objetivos organizacionais nas quais são estimados saberes técnicos específicos de acordo com as atribuições a serem desempenhadas.

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Trabalho/emprego- O termo trabalho aduz as práticas de origem remota nas quais o homem através de técnicas passou a transformar o seu entorno motivado por algum propósito. Já o emprego nasce das relações de subordinação duradoura e venda da força de trabalho mediante pagamento.

A ruptura da trajetória formal de ensino limita a construção destes saberes técnicos ligados às competências profissionais dificultando os processos de autonomia e empoderamento das mulheres, considerando que segundo Lopez-Claros; Zahidi (2005, p.07) o processo de empoderamento possui pelo menos cinco dimensões que foram apresentadas no documento Empowerment: measuring the global gender gap - Empoderamento das Mulheres: avaliação das disparidades globais de gênero, a saber: participação econômica, oportunidade econômica, empoderamento político, avanço educacional, saúde e bem-estar.

Em relação à participação e oportunidade econômica o documento sugere não só a inserção das mulheres o mercado trabalho e geração de renda, mas a melhoria das condições de trabalho, valorização da meritocracia, equidade de rendimentos e direitos entre homens e mulheres nos ambientes de trabalho. Segundo Lopez-claros; Zahidi (2005, p.08) ―[...] como os ganhos da globalização concentram-se, invariavelmente, em quem tem maior índice de escolaridade – com recursos e acesso ao capital- mulheres pobres, em geral, são as menos capacitadas a apreender oportunidades oferecidas a longo prazo‖.

O empoderamento político refere-se não só a oportunidade de escolha dos representantes no cenário político, mas a ampliação da presença das mulheres nos cargos de relevância e na formulação de políticas públicas. Neste contexto, o mais expressivo aspecto do processo de empoderamento é o avanço educacional visto que:

É sem dúvida, o pré-requisito fundamental para o empoderamento das mulheres em todas as mulheres em todas as esferas da sociedade. Sem educação de qualidade e conteúdo comparável à recebida pelos meninos e homens, as mulheres não conseguem acesso a empregos bem pagos do setor formal, nem avanços na carreira, participação e representação no governo e influência política. Além disso, aumenta o risco para a sociedade como um todo de que a próxima geração de crianças seja, igualmente, mal preparada (LOPEZ-CLAROS; ZAHIDI, 2005, p.11).

Neste bojo o acesso à educação influencia no controle de natalidade, no acesso à informação e legitimação dos direitos relacionando-se às condições de saúde e bem-estar.

Desta forma, percebe-se que os processos de empoderamento não podem ser vistos de forma fragmentada apenas pelo acesso ao crédito, programas de transferência direta de renda ou escolhas de consumo, mas um conjunto de ações do poder público e privado.

O ambiente propício ao diálogo e as decisões compartilhadas insere-se como um dos mais importantes apoios ao processo de empoderamento das mulheres, não somente em relação às compras, mas no tocante ao desenvolvimento do seu itinerário formativo e de sua família.

Quando questionadas sobre as decisões do lar, 51,12% as mulheres afirmaram ser responsáveis pela gestão de várias atividades, incluindo o que comprar e quando comprar.

―Deus‖ também foi citado por algumas mulheres como influenciador das decisões no lar e em suas vidas, como pode ser observado neste discurso:

[Quem toma as decisões da casa?] Deus, eu e esposo- M.Mil, 22 anos casada. [Quem decide o que vão comprar?] Deus, eu e esposo. [Quem faz as compras na casa?] ―Eu faço e o esposo paga‖. [Casada? ] Ainda não, espero em Deus‖- M.Mil, 27 anos solteira. [Trabalha?] Ainda não, estou esperando em Deus e sei que ele é fiel‖.

Boa parte das mulheres consideram-se ―chefes de família‖, inclusive pela falta de um companheiro. As mulheres são maioria na ocasião das compras, uma vez que 63,79% são responsáveis pelas compras, ações que envolvem decisão, escolha, análise em relação aos atributos de produtos e serviços além do custo benefício e opções de crédito e pagamento, ―habilidades‖ estas que as mulheres constroem durante sua trajetória formativa, ressignificando práticas e sociabilidades. Ampliaram-se também as atividades compartilhadas entre o casal, indicando maiores possibilidades de diálogo e negociação das tarefas do lar, embora a maioria das atividades domésticas sejam realizadas pelas mulheres, mesmo que estas também trabalhem fora do lar.