• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 – POR ENTRE EXPRESSÕES PROFANAS

1. NÓS QUE AQUI ESCREVEMOS A IGREJA NOS OPOMOS!

A constituição de uma imprensa de verve combativa e a difusão de certa literatura militante – panfletos, opúsculos, livros – foram marcantes nos círculos anticlericais do Brasil, uma vez que estes instrumentos de propaganda escrita estavam no centro dos sistemas de comunicação da sociedade381.

Como observou Robert Darnton ao tratar do mercado livreiro na França, “um livro é muitas coisas: produto manufaturado, obra de arte, mercadoria comercial e veículo de ideias”, ainda mais “numa época em que a televisão e o rádio não disputavam a supremacia da palavra impressa, os livros tinham o poder de suscitar emoções e pensamentos”382. É certo que, no início do século 20, a palavra impressa ainda exercia sua proeminência, animando os circuitos de comunicação de diversos movimentos sociais, entre os quais, o anticlericalismo, que, se valendo da produção e difusão de abundante literatura, buscou suscitar emoções profundas nos leitores, usualmente, enredados por discursos de ação.

E, em meio ao anticlericalismo literário de autores consagrados como Eça de Queirós, com O Crime do Padre Amaro (1875), Émile Zola, com O Crime do Padre Mouret (1875), ou Guerra Junqueiro, com A Velhice do Padre Eterno (1885), que eram lidos, discutidos, imitados, seguidos e aclamados internacionalmente, ganhou forma, no Brasil, um

380 A propósito, o extraordinário suporte documental do movimento operário e libertário produzido nas primeiras

décadas do século 20, existente no Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) – anexo ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) –, configura-se um importante exemplo da resistência levada a cabo por aguerridos militantes em épocas de funesta perseguição.

381 Cf. FERREIRA, Maria Nazareth. A imprensa operária no Brasil (1880-1920). Petrópolis: Vozes, 1978. 382

Ambas as passagens, DARNTON, Robert. Os Best-sellers proibidos da França pré-revolucionária. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, pp. 197 e 233.

modesto grupo de escritores, que, ao toque da sua pena, forjaram versos e prosas que tinham como alvo a Igreja. Além disso, desde o início do século 20, anticlericais e livres-pensadores deram forma a importantes núcleos de difusão literária, a exemplo da Biblioteca da Liga Anticlerical (Curitiba, 1901), da Biblioteca d’O Livre-Pensador (São Paulo, 1904) e da Biblioteca d’A Lanterna (São Paulo, 1909).

No Paraná, mais especificamente em sua capital, “a escrita anticlerical foi muito intensa a partir de 1901, quando da fundação da Liga Anticlerical Paranaense, que editava trabalhos de peso de autores vindos da comissão redatora” de Electra, visto que “a batalha que esses jovens escritores republicanos [...] assumem, adotando uma postura anticlerical, foi tomando contornos bem definidos através da palavra escrita”383.

Na Europa, a difusão de uma literatura anticlerical já vinha sendo aplicada com bons resultados, desde o final do século 19. Desse modo, em Paris, pela iniciativa do escritor anticlerical Léo Taxil384, surgem o jornal L’Anticlérical (1879), a Librairie Anti-Cléricale e a Bibliotéque Anticléricale – que, ao lado de obras de sua própria autoria, como À Bas la Calotte (1879) e Les Jocrisses de Sacristie (1879), publicou dezenas de brochuras de autores identificados com o livre-pensamento e o anticlericalismo, a exemplo de Les Galanteries de la Bible (1880), de Évariste Désiré de Forges Parny, e Le Catéchisme Républicain du Libre- Pensuer (1881), de Paul Foucher385. Por sua vez, em Bruxelas (Bélgica) – importante reduto do livre-pensamento devido à atuação da Fédération Internationale de la Libre Pensée – ganharam forma a Bibliothèque de La Liberté de Conscience (1901) e a Bibliothèque de Propagande (1903)386. Logo, impulsionado por José Nakens – diretor de El Motín –, na cidade de Madri (Espanha), publicou-se a memorável série de folhetos da Biblioteca del Apostolado de La Verdad que, em mais de uma ocasião, chegou aos círculos anticlericais do Brasil, cativando leitores e ganhando traduções para o português.

383 Ambas as passagens, MARCHETTE, Tatiana Dantas. Corvos nos galhos das acácias: o movimento

anticlerical em Curitiba (1896-1912). Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1996, p. 56-57.

384

Trata-se de um pseudônimo, seu nome verdadeiro era Marie Joseph Gabriel Antoine Jogand Pagés (1854- 1907). Escritor e jornalista de atitudes paradoxais, visto que, em 1885, abdica de sua militância no anticlericalismo, convertendo-se ao catolicismo, nessa fase, marcada pela ofensiva antimaçônica, entre outras obras, escreveu: Os Mistérios da franco-maçonaria (1886) e Confissões de um ex-livre-pensador (1887) – ambas traduzidas para o português. Anos depois, retomava o seu ataque contra a Igreja, especialmente tecendo duras críticas à prática da confissão, que resultou na sua excomunhão. Para detalhes sobre a vida de Léo Taxil, cf. LALOUETTE, Jacqueline. La République Anticléricale, XIX – XX siècles. Paris: Éditions Du Seuil, 2002, p. 447; ECO, Umberto. O cemitério de Praga. 8 ed., Rio de Janeiro: Record, 2012, pp. 309-327.

385

Ao longo do capítulo, para as obras que não tiveram publicações/traduções para o português, mantive os títulos no original.

386 Cf. LALOUETTE, Jacqueline. “Dimensions anticlericales de la culture republicaine (1870-1914)”, Histoire,

économie et société – époques moderne et contemporaine. Vol. 10 – nº 1, Paris: Armand Colin, 1991, pp. 127-

142; MATHYS, Cornélie. La Bibliothèque de Propagande (1903-1914): une action maçonnique anticéricale

Neste cenário de difusão literária, tem-se também o proeminente papel desempenhado, no início do século 20, pela Livraria Internacional, de Abel D’Almeida, localizada em Lisboa (Portugal), que, regularmente, fez cruzar o Atlântico alguns dos principais títulos da coleção Biblioteca de Educação Moderna (1900-1920), a exemplo de A Igreja e a Liberdade, de Emilio Bossi, Socialismo e Anarquismo, de Augustin Hamon, e Não Creio em Deus, de Thimotheon. A propósito, no Brasil, a referida coleção (que agregava ensaios de crítica social e religiosa, assim como obras científicas) foi amplamente difundida pela Livraria Azevedo, localizada no Rio de Janeiro, bem como pela Livraria Universal, situada na cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.

Certamente, no Brasil, a precursora na publicação de opúsculos de propaganda do livre-pensamento foi a Liga Anticlerical Paranaense. Dedicada à produção de material destinado a fomentar a propaganda, a liga investiu na publicação e na divulgação de folhetos de expressão anticlerical (e antijesuítica) da lavra de membros do seu próprio círculo387. Dentre esses jovens literatos, afeitos ao simbolismo e que compunham as fileiras da maçonaria, estavam Generoso Borges de Macedo, redator-chefe da Acácia – órgão da Loja Acácia Paranaense (posteriormente, em 1902, ingressou na Loja Maçônica Electra); Ismael Alves Pereira Martins (iniciado na Loja Modéstia, de Morretes), autor do opúsculo Tartufos (ensaio, 1900), foi diretor do Jerusalém – órgão da Loja Fraternidade Paranaense; Julio David Pernetta, ligado à Loja Luz Invisível; e Euclides da Motta Bandeira e Silva, autor de Heréticos (poesia, 1901), que atuou na Loja Maçônica Hiram, localizada em Paranaguá.

Se, por um lado, tais escritores estavam inclinados ao simbolismo – este sucedâneo das religiões positivistas, bem como do materialismo388 –, por outro lado, vale lembrar que eles compunham os quadros da maçonaria paranaense. Logo, como revelam certos aspectos das suas obras, especialmente, aqueles de crítica à Igreja Católica, o dever maçom de agir contra o erro, o fanatismo e a ignorância falava mais alto. Desse modo, Ismael Martins escreveu: “Resigna-te, pobre Paraná! Já se foram os anos de sossego, hoje é indispensável lutar; precisamos, evitar os botes da serpe para que no teu heróico sangue não se inocule o veneno que causa a pior das mortes: a asfixia da Liberdade, a consumpção do caráter”389.

387

Para detalhes sobre o movimento anticlerical em Curitiba, assim como suas relações com o simbolismo, cf. BALHANA, Carlos Alberto de Freitas. Idéias em confronto. Curitiba: Grafipar, 1981; MARCHETTE, Tatiana Dantas. Corvos nos galhos das acácias...; BEGA, Maria Tarcisa Silva. Letras e política no Paraná: simbolistas

e anticlericais na República Velha. Curitiba: UFPR, 2013.

388

Cf. BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 2 ed., São Paulo: Cultrix, [s. d.], pp. 293-294.

Em 1901, inaugurando a iniciativa de “Propaganda da Liga Anticlerical Paranaense”, veio a lume A Mulher e o Romanismo (ensaio), de Euclides Bandeira, seguido pelas publicações, em 1902, de A Igreja de Roma (ensaio), de Júlio Perneta, e Semana Santa (ensaio), de Generoso Borges, que, em tal obra, afirmava: “a Igreja católica romana há de cair do alto do seu deslumbramento, como um mundo que se abate sobre as massas ignorantes que a rodeiam e formam seus alicerces”390.

Seguramente, desde o final do século 19, o ataque ao clericalismo no Paraná tinha, como sua figura de proa, o literato e maçom Júlio Perneta. Da sua autoria, publicou-se O Clero e a Monarquia (ensaio, 1897), Os Chacaes (ensaio, 1898) e Epístola (ensaio, 1900). Também, em 1903, fez circular no Paraná o jornal A Reacção – editado na cidade de Antonina – e os opúsculos Missões Jesuíticas no Brasil (ensaio, 1903) e Galileu e A Estrela (ensaio, 1904). Além disso, Júlio Perneta manteve uma rede de contatos com anticlericais e anarquistas de São Paulo, a exemplo da redação de A Lanterna (2ª fase), inclusive, enviando folhetos e escrevendo artigos. Aliás, valendo-se dos seus dotes de escritor, mais de uma vez, saiu em defesa dos anarquistas.

É certo que a circulação em Curitiba de uma edição, em francês, de La Morale des Jésuites, de Paul Bert – que atacava o jesuitismo –, fez sucesso naquele círculo de letrados que colocou a sua pena a serviço do livre-pensamento e que contou, entre outros, com o professor e maçom Dario Persiano de AlmeidaVellozo391, autor de Derrocada Ultramontana (ensaio, 1905), Voltaire (ensaio, 1906) e Da Serpente Negra: Moral dos Jesuítas (ensaio alimentado pelas assertivas de Paul Bert, 1908), que, em certa ocasião, afirmou: “é dever de todo aquele que se presa de possuir uma pena [...] mostrar e demonstrar ao povo ingênuo e crédulo a impropriedade do ensino religioso, a falsidade das doutrinas da Igreja romana, a esterilidade de seu dogmatismo”392. Frente a isso, na ótica clerical, Vellozo – como líder de um “pequeno”, mas “ousado” grupo “clerofóbo” –, promovia “ataques injustos e caluniosos à Igreja”, motivado “por um ódio cego e satânico ao catolicismo”393. Deste modo,

390

BORGES, Generoso. Semana santa. Curitiba: Impressora Paranaense, 1902, p. 7.

391 Em Curitiba, foi diretor da revista Esphynge (1899-1906), uma publicação que misturava referências

ocultistas, maçônicas, simbolistas e anticlericais. Além disso, atuou como professor de História Universal no Ginásio Paranaense e esteve ligado ao Grupo Cenáculo (1895). Nessa senda, fundou o Centro Esotérico Luz Invisível (1899), a Loja Maçônica Luz Invisível (1900) e o Instituto Neo-Pitagórico (1909). Cf. BALHANA, Carlos Alberto de Freitas. Idéias em confronto...; BEGA, Maria Tarcisa Silva. Letras e política no Paraná...

392 VELLOZO, Dario apud PERNETA, Júlio. “Apresentação”, in BANDEIRA, Euclides. Heréticos. Curitiba:

Livraria Econômica, 1901, p. 7.

393

Até aqui, tudo em DESCHAND, Desiderio. Voltaire e os anticlericais do Paraná. Petrópolis: Vozes, 1914, p. 5.

Na primeira década do século XX, Curitiba é palco de ferrenha luta entre os livres-pensadores e a Igreja Católica. Esta, apoiada em várias ordens religiosas que aqui aportavam desde a última década do século XIX e mais o empenho do bispado local, disputa palmo a palmo o controle dos equipamentos culturais, indicando sacerdotes ou fiéis católicos letrados, para os espaços culturais. Ademais, buscam (e conseguem ao final da segunda década) controlar os principais meios jornalísticos da cidade394.

A essa altura, ganharia forma, no Paraná, um eloquente núcleo literário de manifestações do livre-pensamento, em que “[...] Dario e Júlio voltaram as suas baterias para a questão anticlerical, assumindo o comando da cruzada contra a Igreja Católica”395. Com efeito, surgem outras iniciativas, tais como o Centro da Mocidade Livre Pensadora (1905), que contava, entre os seus fundadores, com o literato Roberto Faria. Esse jovem escritor, ligado ao núcleo simbolista, foi redator-gerente da revista Stellario (1905-1906) e colaborador da revista O Olho da Rua. Logo, passou a pôr em papel impresso suas ácidas críticas ao clero, como bem demonstram os seus textos publicados nas páginas de A Vanguarda (1905), ou ainda sua novela anticlerical Abutres (1907), que foi muito bem acolhida nos círculos literários do Paraná.

Não obstante, uma vez que o grosso da propaganda anticlerical fez-se via um conjunto de textos curtos, especialmente ensaios de crítica religiosa, a novela Abutres é um caso a parte, que instiga detalhamentos, visto que tanto o autor (que morreu precocemente) quanto a obra ainda permanecem ocultos sob o espesso véu da história396.

Desta forma, como a própria imprensa destacou, Roberto Faria integrou a “geração moderna literária paranaense” e, desse grupo de “formosas inteligências”, rapidamente, destacou-se pelo “árdego temperamento de publicista”, bem como “amando a polêmica”, faria vibrar “a pena combatevista com vigor e brilho”. Enquanto “espírito liberto de preconceitos religiosos”, se empenhou na luta que o livre-pensamento sustentava contra o ultramontanismo, assim, “apaixonadamente empregou seus esforços” e “o fulgor de seu talento”, em prol deste “elevado ideal”397.

394

BEGA, Maria Tarcisa Silva. Letras e política no Paraná..., p. 238.

395 Idem, op. cit., p. 198-199. Segundo Maria Tarcisa Silva Bega, o literato, poeta e jornalista João Itiberê da

Cunha (1870-1953), que morou durante anos na Bélgica, no seu retorno ao Paraná contribuiu na difusão de certa literatura anticlerical (em francês).

396

Cabe assinalar o silenciamento em torno do autor e sua obra em três dos principais estudos acerca do anticlericalismo em Curitiba, que são BALHANA, Carlos Alberto de Freitas. Idéias em confronto...; BEGA, Maria Tarcisa Silva. Letras e política no Paraná..., em que não há a menor menção a Roberto Faria e a sua obra; e MARCHETTE, Tatiana Dantas. Corvos nos galhos das acácias..., que a certa altura, vale-se de um fragmento de Abutres, encontrado na revista O Olho da Rua (1908), todavia, sem detalhamentos sobre a obra ou o autor.

Nascido em 4 de maio de Faria teria herdado do pai,

pelo jornalismo398. Em 1904, na busca por aperfeiçoamento intelectual cidade de Curitiba, indo est

Dario Vellozo. Nos primeiros meses de evidente a que vinha. E sobre sua

em liberdade o aluno Roberto Faria, que fora preso ontem por intentar perturbar a ordem na estação da estrada de ferro, na ocasião da chegada dos alunos militares”

estopim da ojeriza de Roberto Faria contra o trem da Marinha que t

processo repressivo desferido, dias antes, pelas forças armadas (e que contou com o efetivo do Paraná) contra a revolta popular no Rio de Janeiro, que ficaria conhecida como Revolta da Vacina.

Em 1905, Roberto Faria ao Centro da Mocidade Livre periódico A Vanguarda (1905

em 1905, o folheto Derrocada Ultramontana

militante, o jovem estudante, escritor e maçom, bem como republicano e liberal, para outros jornais locais, entre os quais

de propaganda anticlerical. Nesse meio tempo, passou a publicar uma coluna i

398 Segundo atesta Raul D’Almeida em sua obra 399 A República, Curitiba, 21 de novembro de 1904, p. 2. 400

Imagem reproduzida do retrato que orna o túmulo de Roberto Faria, locali cidade de Rio Negro (Paraná).

4 de maio de 1885, na cidade de Rio Negro (Paraná), Roberto José Maximiano de Faria Júnior (jornalista), o gosto pelas letras e 904, na busca por aperfeiçoamento intelectual

cidade de Curitiba, indo estudar no Ginásio Paranaense, onde estreitou laços com o

os primeiros meses de sua estadia em Curitiba, Roberto Faria já deixava evidente a que vinha. E sobre sua presença indômita, atesta a imprensa local:

Roberto Faria, que fora preso ontem por intentar perturbar a ordem na e ferro, na ocasião da chegada dos alunos militares”

estopim da ojeriza de Roberto Faria – assim como de outros jovens vinculados ao Ginásio o trem da Marinha que transportava os alunos militares tinha como epicentro o

epressivo desferido, dias antes, pelas forças armadas (e que contou com o efetivo do Paraná) contra a revolta popular no Rio de Janeiro, que ficaria conhecida como Revolta da

Roberto Faria, juntamente a outros entusiastas, deu forma

ao Centro da Mocidade Livre Pensadora, associação que tinha como órgão porta

(1905-1906). Também pelo intento deste mesmo centro é publicado, Derrocada Ultramontana, de Dario Vellozo. No ofício de seu

o jovem estudante, escritor e maçom, bem como republicano e liberal, is, entre os quais Diário da Tarde (1906) e O Combate

. Nesse meio tempo, em 1906, por intermédio do jornal coluna intitulada “Pela Catedral”, tecendo fortes críticas ao jesui

Ilustração 2 – Roberto Faria400

Almeida em sua obra História de Rio Negro (1976). , Curitiba, 21 de novembro de 1904, p. 2.

Imagem reproduzida do retrato que orna o túmulo de Roberto Faria, localizado no cemitério municipal da

e Rio Negro (Paraná), Roberto Costa ), o gosto pelas letras e 904, na busca por aperfeiçoamento intelectual, transferiu-se para a treitou laços com o professor sua estadia em Curitiba, Roberto Faria já deixava atesta a imprensa local: “foi posto hoje Roberto Faria, que fora preso ontem por intentar perturbar a ordem na e ferro, na ocasião da chegada dos alunos militares”399. Ao que parece o assim como de outros jovens vinculados ao Ginásio – tinha como epicentro o epressivo desferido, dias antes, pelas forças armadas (e que contou com o efetivo do Paraná) contra a revolta popular no Rio de Janeiro, que ficaria conhecida como Revolta da

deu forma, em Curitiba, Pensadora, associação que tinha como órgão porta-voz o pelo intento deste mesmo centro é publicado, No ofício de seu jornalismo o jovem estudante, escritor e maçom, bem como republicano e liberal, escreveu O Combate (1907) – jornal intermédio do jornal A Notícia, fortes críticas ao jesuitismo.

Com admiração por pensadores como Vicente Blasco Ibáñez – autor de A Catedral (1903) –, e Max Nordau – autor de As Mentiras Convencionais da Nossa Civilização (1883), que, nos círculos anticlericais, ganhou notoriedade pelo capítulo “A mentira religiosa”401 –, Roberto Faria afiava sua pena com afinco contra o clero, como sinaliza o grosso de sua prosa. E, evocando sua verve literária, vociferava: “o século XX, não poupais vossa luz; luz, luz para aqueles que se debatem sob as garras vis e infames do clero!”402. Mas, o seu engajamento anticlerical não parava por aí, visto que, em maio de 1907, se viu publicar, nas páginas da revista literária O Olho da Rua, a seguinte notícia: “da lavra do jovem e distinto patrício Roberto Faria, um dos mais fortes talentos da nova geração literária paranaense, estará brevemente à venda, a magnífica novela anticlerical Abutres, que por certo será mais um grito de alarme contra o jesuitismo corruptor”403

.

Desde o século 19, enquanto gênero literário, o romance desempenhou um papel na divulgação das ideias anticlericais que não poderia ser negligenciado. Com a difusão do cientificismo naturalista de matriz francesa, diversos literatos passaram a redigir obras que deixavam em voga a aversão ao clero e ao fanatismo religioso, a exemplo dos consagrados Émile Zola e Eça de Queirós, ou, no Brasil, Antonio Joaquim da Rosa, com A Cruz de Cedro (1854404), Júlio Ribeiro, autor de O Padre Belchior de Pontes (1867/1868) e Faria Neves Sobrinho, com Morbus: Romance Patológico (1898)405. No século seguinte, autores como Ernesto Mezzabotta e Vicente Blasco Ibáñez ainda mantinham acesa essa chama do anticlericalismo literário no cenário internacional.

No Brasil, apesar da predileção, nos círculos anticlericais e anarquistas, por narrativas mais breves, tais como o ensaio, a crônica, a poesia ou o panfleto doutrinário, vultos literários como Fábio Luz406, com O Ideólogo (1903) e Os Emancipados (1906); Manuel Curvelo de Mendonça, com Regeneração (1904); Roberto Faria, com Abutres (1907);

401 Em 1902, o texto “A Mentira Religiosa” ganhou publicação exclusiva em brochura, pela Livraria Central, de

Lisboa.

402

A Vanguarda, Curitiba, 19 de fevereiro de 1905, p. 2.

403 O Olho da Rua, Curitiba, 11 de maio de 1907, p. 52.

404 Tal romance de inclinação antijesuíta foi em 1854 publicado em folhetim no Jornal do Commercio, de São

Paulo. Anos depois, em 1900, ganharia publicação em brochura pelo intento do jornal Correio Paulistano.

405

Sobre o anticlericalismo literário de Faria Neves Sobrinho, cf. SANTOS, Cristian. Devotos e devassos:

padres e beatas na literatura anticlerical. São Paulo: Edusp, 2014.

406 Fábio Lopes dos Santos Luz (1864-1938), natural de Valença (Bahia), atuou como médico, escritor,

jornalista. Após formar-se em medicina, mudou-se para o Rio de Janeiro, ali estreitando laços com o movimento anarquista. Identificando-se com o ideal libertário, colaborou em diversos periódicos, entre os quais A Vida (Rio de Janeiro) e A Plebe (São Paulo), bem como atuou no grupo Os Emancipados e no Centro de Estudos Sociais, ambos no Rio de Janeiro. Para detalhes sobre a verve literária e libertária de Fábio Luz (1864-1938), cf. “Epistolário Fábio Luz” (Dossiê), Remate de males, nº 18. Campinas: Departamento de Teoria Literária IEL/UNICAMP, 1998, pp. 153-221; RODRIGUES, Edgar. Os libertários. Rio de Janeiro: VJR, 1993, pp. 146- 155.

Lima Barreto407 (que, aliás, colaborou com artigos no jornal A Lanterna, valendo-se do pseudônimo Dr. Bogoloff), com Recordações do Escrivão Isaías Caminha (1909); Abdias Neves, com Um Manicaca (1909); e Avelino Fóscolo408, com O Jubileu (1920); valiam-se ainda do romance, esse “formoso método de propaganda que deleita, educa e ensina”409, enquanto ferramenta literária e de crítica social. Desta maneira, O Jubileu, Um Manicaca e Abutres foram obras emolduradas pela tendência anticlerical.

Ao ganhar publicidade, a obra Abutres, de Roberto Faria, foi vista como um tipo veemente de protesto contra a serpente negra, o jesuitismo e o clericalismo. Mas, qual era a trama dessa obra ímpia? Com que intensidade o anticlericalismo ganhava forma em sua prosa?

A saga, organizada em pequenos capítulos, gira em torno das falcatruas de Jordão,