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CAPÍTULO 2 – O LÓGICO-HISTÓRICO DO CONCEITO NÚMEROS INTEIROS

2.2 Dois olhares em torno da construção social do conceito números inteiros: perspectivas

2.2.2 Os fundamentos da racionalidade grega e os seus limites no tratamento da

2.2.2.3 O número como medida de extensão

Um outro princípio, que vale a pena comentarmos, é o que Lizcano (1993, p. 203-204, tradução nossa) chama de “uma visão coisista da realidade” que se refletiu em

47 Subtrair um número (ou uma magnitude) de outro (de outra) é assim uma operação em todo semelhante à de

extrair / abstrair o gênero da espécie. E será, portanto, o mesmo tipo de impossibilidade que priva de sentido tanto a operação de subtrair um número (ou magnitude) maior de um (ou de uma) menor como a operação de abstrair a espécie ‘homem’ do gênero ‘animal’, e não ao inverso. (LIZCANO, 1993, p. 197, grifo do autor, tradução nossa)

48 [...] qualquer realidade se divide de maneira imediata em duas metades, se bipolariza em yin e yang, em

feminino e em masculino. Isso ocorre também - por que não? – com essa realidade particular que é a do número, de maneira que este – em vez de ter essa realidade rotatória, informativa, grave, que tem entre nós – é uma realidade dividida desde o princípio; cada número também é yin e é yang, feminino e masculino, preto e vermelho, negativo e positivo (diríamos hoje). (LIZCANO, 2006, 133, tradução nossa)

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uma Matemática “empírica-ilustrativa”, cujas demonstrações necessitavam de exemplos do mundo físico.

Nesse sentido, até mesmo o pensamento algébrico se rende aos termos da experiência sensível,

[...] ‘algebra geométrica’ reemplaza a una posible ‘algebra aritmética’, lo cual impone severas restricciones al campo numérico y a las posibilidades operatorias. Por ejemplo, la imposibilidad de sumar o restar números de distintas especies (los correspondientes en líneas, áreas, volúmenes), lo que exigirá ahora una estricta homogeneidad en los términos de las ‘ecuacones’. O la identificación del simple número con un segmento de línea, que lleva a Euclides (en los libros VII, VIII y IX de los “Elementos”) a designar un número como el segmento AB, definido por sus extremos, y a sustituir expresiones como ‘es múltiplo de’ o ‘es un factor de’ por las respectivamente equivalentes ‘es medido por’ o ‘mide a’. (LIZCANO, 1993, p. 182)49

Essa concepção acarretou na dificuldade de interpretar raízes negativas como soluções de equações quadráticas. Se nos tempos de Euclides os números eram representados por linhas, obter a raiz quadrada de uma grandeza significava descobrir o lado (incógnita) capaz de gerar uma superfície quadrada dessa grandeza. Resultado que, por esta associação direta entre a Matemática e o mundo natural, seria impossível partir de um número negativo. (LIZCANO, 1993, p. 205-206, tradução nossa)

No fragmento que segue, extraído por Lizcano (1993), da obra intitulada “Tentativa de introduzir as quantidades negativas na filosofia” (1973), publicada pelo célebre filósofo I. Kant, temos que, o argumento utilizado por Kant, sob os fundamentos do pensamento euclídeo, o princípio da não-contradição e os artifícios das provas por redução ao absurdo (proveniente dos limites do pensamento empírico), pode ser descrito pela seguinte lógica: Se o zero não modifica a quantidade de algo, logo seu valor é nulo, nada. Então é um absurdo tirar algo de nada.

Podría pensarse que 0 – A es un caso que hemos omitido aquí. Este caso es imposible en el sentido filosófico: pues algo positivo nunca puede ser sustraído de nada. Si, en matemáticas, esta expresión es prácticamente exacta, se debe a que el cero no modifica en nada el aumento ni la disminución por otrs cantidades: A + 0 – A equivale a A – A; el cero es

49 [...] ‘álgebra geométrica’ substitui a uma possível ‘álgebra aritmética’ a qual impõe severas restrições ao

campo numérico e as possibilidades operatórias. Por exemplo, a impossibilidade de somar ou diminuir números de distintas espécies (os correspondentes a linhas, áreas e volumes), o que exigirá agora uma estrita homogeneidade nos termos das equações. Ou a identificação do simples número com o segmento da linha, que leva a Euclides (nos livros VII, VIII e IX dos elementos) a designar o número como o seguimento AB, definidos por seus extremos e a substituir expressões como ‘é múltiplo de’ ou ‘é um fator de’ pelas respectivamente equivalentes ‘é medido por’ ou ‘mede a’. (LIZCANO, 1993, p. 182, tradução nossa)

RODRIGUES, R. V. R. unesp perfectamente inútil. La idea que de ahí se ha sacado según la cual las

magnitudes negativas serían ‘menos que nada’ es, pues, vana y absurda. (KANT50, 1949 apud LIZCANO, 1993, p. 206, grifo nosso)51

Para o conhecimento de raiz cultural grega, o zero significa “nada”, em sentido oposto, para o conhecimento de raiz cultural chinesa, o zero é um número como outro qualquer, com que se pode operar.

Lembrando que, a operação “0 - A”, impossível aos gregos, era facilmente resolvida pelos chineses. Através das regras zheng/fu/wu, esta operação é interpretada como: na subtração, o nada wu operado com (ru) palitos vermelhos (zheng/positivos), inverte-se a qualidade dos palitos, resultando em palitos pretos (fu/negativos), analogamente o nada wu operado com (ru) palitos pretos (fu/negativos), inverte-se a qualidade dos palitos, resultando em palitos vermelhos (zheng/positivos). Na adição, o nada wu operado com (ru) palitos vermelhos (zheng/positivos) ou palitos pretos (fu/negativos), a cor/qualidade dos palitos/números continua a mesma. (LIZCANO, 1993)

Não só para Kant, mas para muitos matemáticos herdeiros do pensamento aristotélico-euclídeo, guiar-se por uma leitura, estritamente geométrica, cessou as possibilidades de cálculos com os números negativos e com o zero relativo. (LIZCANO, 1993)

2.2.2.4 As formas de negatividade “em processo” e “como produto” de Diofanto de Alexandria

Antes de abordarmos o singular modo de negatividade acionado por Diofanto, consideramos bastante pertinente apresentar brevemente as principais características culturais do período, chamado por Lizcano (1993) de “Alexandrino tardio” (250 a 350), que impulsionaram a fundamentação do conjunto dos números inteiros, libertando-a do ideal aristotélico-euclídeo:

• O emergir da irracionalidade;

• O pensar sob outros pressupostos considerados “místicos” (causas misteriosas);

50 KANT, E. Essai pour introduire em philosophie le concept de grandeur négative, Vrin, Paris, 1949.

51 Poderia se pensar que 0-A é um caso que omitimos aqui. Este caso é impossível no sentido ‘filosófico’; pois

algo positivo nunca pode ser subtraído de nada. Se, na matemática, essa expressão é praticamente exata, se deve a que o zero não modifica em nada nem o aumento nem a diminuição por outras quantidades: A+0-A equivale a A-A; o zero é perfeitamente inútil. A idéia que daí se tira segundo a qual as magnitudes negativas seriam menos que nada é, pois, vão e absurda. (KANT, 1949 apud LIZCANO, 1993, p. 206, grifo nosso, tradução nossa)

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• As novas significações para as notações matemáticas e novas manipulações com as quais;

• O fluir da imaginação e intuição;

• Os questionamentos sobre a relação imediata entre a Matemática e o mundo natural. (LIZCANO, 1993, 214-215, tradução nossa)

A abertura da negatividade flui do declínio do predomínio geométrico sobre a Álgebra, e pelo rigor da racionalidade grega clássica consolidado sobre a qual. A partir do manejo incomum de Diofanto com as notações algébricas:

Através de uma palavra, aritmo, Diofanto resolve problemas que envolvem incógnita. A palavra escolhida por Diofanto está associada ao número, representa o próprio número, aritmo. Diofanto reconhece na incógnita, o pensamento numérico. Ao solucionar problemas, se desprende do numeral físico, porém, ao criar a palavra que represente o desconhecido, a incógnita, faz questão de nos avisar que a incógnita, o desconhecido, representa um número. Assim como o zero, a palavra aritmo guarda o valor de uma quantidade desconhecida. (SOUSA, 2004, p. 107)

As formas de negatividade diofantinas tinham prioridade utilitária, pois, Diofanto não as define, nem as concebe, todavia, formula leis ou regras para operar com elas e trata-as por “regra de sinais”. “A negatividade é para ele um feito – ainda que melhor seria dizer uma ação – já construída, que se encontra ai dado, e que ele se limita a incorporar operativamente a seu trabalho matemático” (LIZCANO, 1993, p. 233, tradução nossa).

A negatividade “em processo” manifesta-se numa ocasião particularmente transitória, entre o processo de cálculo, nas resoluções de certos problemas, e também, na breve expressão e aplicação da “regra dos sinais”. A negatividade “como produto” surge no resultado, na solução desses problemas, bem na formalização nos dados.

Diofanto efetuava operações de adição e subtração com números inteiros (positivos e negativos), porém não aceitava os números negativos como soluções dos problemas, ou seja, a negatividade era construída e depois repelida, provavelmente efeito de uma hesitação de consciência ao interpretar a solução dos problemas na prática de onde originou.

Surgem as “(leipsis, leiponta, eide)” que “falam da falta de substância de uma mera ‘falta’ ou de sua indecisa existência como ‘forma ausente’” (LIZCANO, 1993, p. 210), que pela primeira vez, após a tradição clássica, é pensada e manipulada nas operações intermediárias dos problemas.

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As contradições de Diofanto, em suscitar a negatividade como processo e rejeitá-la como produto, é decursivo de uma crise de mudança de paradigma grego clássico (aristotélico-euclídeo) para helenístico, marcado por um momento de conhecimento e incorporação de outras matemáticas (egípcia, babilônica, pitagórica, logística). De ordem diversa à negatividade chinesa, que era uma negatividade popular, manipulada e desenvolvida com naturalidade, originada de um saber comum que os membros de uma mesma cultura compartilham.

Nesse contexto, Diofanto oscila entre duas formas de negatividade:

• Sem pensar, operativa, designada por Lizcano (1993, p. 234, tradução nossa) pela metáfora “atividade cega”;

• Pensada e repudiada.

• Para o OA

Contemplou-se no OA, um cenário que circuncreve a Grécia em seu período Clássico. Sobretudo, foram inseridos dentro deste ambiente, justamente os fundamentos conceituais que ali faltaram à concepção e aceitação das formas de negatividade construídas na China neste mesmo período. O conceito de movimento a partir de situações que retratem as ideias do filósofo Heráclito e o princípio de contradição através do movimento dialético da água.