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PARTE III − REGISTROS E ANÁLISES

CAPÍTULO 5 −REGISTRO DAS FALAS

5.1. N.º1: Dona Jô

Dona Jô se apresenta:

“Tenho 78 anos, vim para Brasília em 1968. Conheci uma senhora, sou comadre dela. Ela morava em Buriti−DF, eu era vizinha dela, quando veio morar em Brasília, digo em Brasilinha, vim com ela e passei a viver na casa dela. Eu sempre dizia: vou acabar minha vida no asilo. Um dia eu vou para lá. Quando seu filho veio para dentro de casa com sua nora eu decidi: vou procurar meu canto”.

“Sabe, filha, sou sozinha no mundo, não tenho mais família e nunca tive filhos. Por incrível que pareça me decidi vir para cá quando vi uma festa na televisão falando do asilo; apareceu uma senhora dançando e ela tinha uma cara feliz”.

Isto faz lembrar a “topofilia” aludida por Bachelard (1988), significando o lugar feliz.

Continuando, Dona Jô relata:

“Em 2002 eu vim para cá, 14 de janeiro de 2002. Lembro-me como se fosse hoje, chuvia muito. Tomei café e fui para o terminal onde peguei o ônibus para o Núcleo Bandeirante”. Neste trecho do relato, já podemos identificar a presença forte da noção de temporalidade e a “angústia do passar do tempo” (DURAND, apud, LOUREIRO, 2004, p. 16). Lapoujade (1999, p. 9) diz: “o espaço, inseparável do tempo, é tão- somente o lugar dos possíveis [...]”, pode-se perceber a presença do espaço imbricada a idéia de tempo presente na narrativa de dona Jô. De acordo com Ferrarotti (1983, p. 28), a história de vida ocorre em uma seqüência temporal, o

autor lembra que “o tempo na vida de cada pessoa é que vai determinar cada situação”, que coincide e vem reforçar a noção da angústia diante do passar do tempo. G. Durand (1989) refere-se a esta angústia mais a menos a condicionar a estrutura presente no imaginário dos indivíduos e dos grupos, presente também nas idéias de Ferrarotti (1983, p. 21) quando diz que: as reflexões que cada pessoa faz não comportam somente o tempo, mas a possibilidade e vontade de não lhe perder.

Dona Jô em alguns momentos apresenta atitude heróica, como ao decidir ir morar no asilo. Convém também notar e anotar o movimento incessante das suas imagens sobre a vida: ela vem de algum lugar; chega; não se acomoda e parte para um canto eleito que ela chama “meu canto”, o que remete a antifrásia. A imagem da chuva remete, por sua vez, à presença de um imaginário disseminatório, como elemento cíclico colocado por Durand, Y. (1988) como estímulo arquétipo no Arquétipo Teste de Nove Elementos – o teste AT-9.

“Quando cheguei no asilo, a diretora me disse que tinha três vagas. Ela me disse: A senhora tem que vir até a semana que vem; dê uma resposta amanhã. Isso foi na segunda à tarde; na terça pela manhã estava aqui”.

Novamente o tempo demarcado por Dona Jô que evolui nos dias da semana e do período do dia: tarde e manhã.

Passei a mão no telefone e disse: hoje eu vou, nem que seja à noite eu chego. Sou uma criatura de touro, luto para vencer! Me responsabilizo pelos meus atos”.

Palavras reveladoras de um imaginário heróico, de luta e tenacidade. A presença do símbolo teriomórfo – animal touro − revela a presença de um imaginário heróico resultante da angústia diante do passar do tempo. G. Durand (1989, p. 60) refere-se ao simbolismo do animal “touro” registrando:

Um estreito parentesco do simbolismo taurino e do simbolismo eqüestre. É sempre uma angústia que motiva um e outro, especialmente uma angústia diante de mudanças, diante da fuga do tempo e da morte.

Mesmo demonstrando atitudes heróicas, em muitos momentos, ela deixa transparecer em sua fala necessitar de momentos de solidão e do aconchego, em uma atitude mística, como quando diz: “vou procurar o meu canto”.

Para Bachelard (1988, p. 145):

Todo canto de uma casa, todo ângulo de um quarto, todo espaço reduzido onde gostamos de encolher-nos, de recolher-nos em nós mesmos, é, para a imaginação, uma solidão, ou seja, o germe de um quarto, o germe de uma casa.

Dona Jô completa sua frase misticamente dizendo:

“Estou anestesiada ou não sou deste mundo, gosto muito de ficar sozinha quietinha no meu quarto ou somente sentada na minha cadeira, deixando o tempo passar”.

Dona Jô traz emoção e vários advérbios de tempo em seu relato: sempre, nunca, fazendo--nos entender melhor quando Ferrarotti (1983) define as histórias de vida como sendo a história das emoções e dos advérbios de tempo.

Y. Durand (1988) ao informar o processo de análise de um protocolo AT-9 refere-se à observação primeira da posição do personagem na dramatização/história e recomenda que, ao encontrarmos o personagem sentado, possivelmente estejamos diante de um imaginário místico; o personagem, Dona Jô não está em postura de luta e sim de aconchego, nesta parte do seu relato. Não bastasse esta expressão/imagem usada para demonstrar o seu desejo de não-luta, ela reforça a imagem mística dizendo gostar de ficar “quietinha sentado na minha cadeira, deixando o tempo passar”, o que se pode observar na sua posição, sempre sentada, como uma Grande Dama, altiva em sua poltrona.

Dona Jô refere-se aos outros habitantes do asilo como sendo estes os idosos, esquecendo-se da idade que ela tem, o que a faz uma idosa como os demais. Ela diz:

“Você esta vendo como elas são idosas, é difícil manter amizades aqui, a senhora tem sorte de estar conversando com uma das pessoas mais lúcidas daqui, nem todos são assim”. Nesta representação de si, Dona Jô deixa patente uma auto-estima elevada e não se reconhece como velha ou deixa emergir no seu microuniverso mítico laivos de desestrutura.

Como diz Beauvoir (1970, p. 24), “o velho que eu sou é o que os outros vêem em mim”:

[...] a velhice é uma situação composta de aspectos percebidos pelo outro e, como tal retificados (um être-pour autruì), que transcendem nossa consciência. Nunca poderei assumi-la existencialmente, tal como ela é para o outro, fora de mim. É um irrealizável (BEAUVOIR, 1970, p. 24).

Ao se referir ao cigarro/tabagismo, Dona Jô confessa-se fumante e diz:

“Fumo desde os 18 anos, ninguém fumava na minha família, o vício veio depois que perdi minha mãe. Um trauma é assim, uns partem para ignorância, eu sei que ninguém tem culpa, eu fumo”.

Ela assume o vício ou hábito e apenas eufemiza os seus malefícios sabidos dizendo fazer dele uma arma para vencer o trauma e quanto ao desistir do cigarro confessa:

“Tenho vontade de parar, mas isso, minha senhora, não leva a mal não, o vício de fumar é difícil de parar da noite para o dia, mas não sou viciada não, nem tenho os dedos amarelados como dos viciados. Parar de fumar acho que é igual tirar chupeta da boca de criança, ou balinha. A senhora tem filho? Então tenta e vai ver como é duro. Sabe, para mim, fumar é uma diversão. Quando a gente não tem o que fazer, não fala besteira, não chora é só fumar e a dor passa”.

Nesta fala, pode-se perceber a vontade de ter uma atitude heróica traída pela imagem eufêmica da dor, “a dor passa”; ela disfarça a dor e a solidão sem chorar ou dizer bobagens, ela fuma. Dona Jô usa o fumo como um apoio, arma para vencer a dor e denuncia a inatividade existente dentro do asilo.

Suas posições diante do tabagismo são atitudes heróicas. O cigarro é sua espada contra os medos, a angústia do passar do tempo e o sofrimento. A morte de sua mãe está presente como um marco para o início do uso do tabaco. Quando questionada sobre a possibilidade de abandonar o vício, ela se mostra decidida em suas posições, mas ao tentar se justificar ela nega que seja viciada, eufemiza os males do cigarro, mostrando dualidade de posições.

Mas conta como adquiriu o cigarro:

“É o seguinte: quando vou lá fora eu compro, só quando eu sair de novo é que vou comprar novamente. Não me lembro do asilo ter me dado cigarro, também eu posso comprar (...). Me orgulho de uma coisa: posso ficar sem fumar, mas não fico sem comer”.

Como pode-se ver, Dona Jô é uma senhora orgulhosa, destemida, que preza a boa alimentação, coisa que ela repete: recebe no asilo sem ter de se preocupar, o que indica uma atitude, uma “maneira de carregar o mundo” (Durand, G., 1989) de forma mística. Esta atitude revela mais uma vez a presença de um imaginário com estrutura mística/antifrásica.

Dona Jô relata:

“A casa não permite fumar no quarto e nem no corredor. Também não precisa: tem o jardim, tem área livre. Na verdade os idosos fumam em todo lugar. Eu fumo no meu cantinho”. Ela coloca-se sempre de forma diferente dos demais idosos do mesmo asilo e mais uma vez surge a imagem mística do “meu cantinho”, mas aparece a denúncia que os idosos fumam em todo lugar.

Mais uma vez ela, que heroicamente se posiciona, deixa passar uma forte réstia de impureza mística no seu imaginário ao se referir ao seu “cantinho”, o que nos remete à presença de uma estrutura mística ao lado do heroísmo identificado. Os nós aglutinadores das imagens revezam-se no seu imantar, ora em um regime ora em outro, o que nos leva a começar a entender que podemos estar diante de um imaginário (conjunto relacional de imagens) com estrutura disseminatória ou sintética, uma vez que a impureza se acentuou.

Dona Jô afirma em sua fala espontânea:

“Não tenho medo de adoecer não, todo mundo vai morrer mesmo! só tenho medo da violência, sou carioca e a senhora viu que horror a cidade maravilhosa, tenho medo de arma”. Dona Jô diz-se sem medo – “não tenho medo...” −, quer dizer heroicamente vivendo, mas reconhece o horror da violência da cidade maravilhosa. O localismo

afetual evidencia-se e apesar de dizer-se bem no asilo, fala da sua terra natal como a “cidade maravilhosa”. Ela tenta disfarçar seus medos, eufemizar a morte, sua solidão, dizendo-se forte destemida, mas precisa do cigarro como arma ou refúgio para despistar a solidão e o trauma.

Ela relembra, ao referir-se ao asilo, que:

“Aqui antes era muito bom quando seu [...] era vivo, tinha atividade todo dia, tinha até Banco do Brasil que vinha, não sei estas empresas, só sei que a gente fazia muita coisa. Sabe minha filha depois que o ‘pai’ morre a família perde um pouco o comando, não é? Aqui ficou mais calmo, mais triste, tem atividade, mas não é mais a mesma coisa”.

Neste momento, ela demonstra nostalgia de um tempo que não volta mais muito forte, o mito do pai, como protetor, um “líder”. Refere-se à presença do administrador e fundador do asilo como um pai, “um Herói”, e sua perda como um marco nas mudanças do local onde vive. Segundo Ferrarotti (1983, p. 59): “um homem não é jamais um indivíduo ele é um universo único”, que se manifesta por meio da estrutura e desestrutura do local onde vive, e das práticas exercidas no grupo do qual este faz parte. Dona Jô muda com as mudanças do asilo, em uma atitude mística, na luta contra as novidades no asilo.

A análise dos códigos afetivos juntamente com percepção dos fatos que envolvem uma instituição deve auxiliar a compreensão dos incontroláveis fantasmas privados que envolvem esta (FERRAROTTI, 1983). G. Durand (1989, p. 260) fala na transformação destes fantasmas em uma fantástica transcendental,

Esta expressão seria mais que um simples jogo de palavras se pudéssemos mostrar agora que esta função de imaginação é motivada não pelas coisas, mas por uma maneira de carregar universalmente as coisas com um sentido segundo, com um sentido que seria a coisa do mundo mais universalmente partilhada. Por outras palavras se pudéssemos provar que existe uma realidade idêntica e universal do imaginário.

Paula Carvalho (1998, p. 85) enfatiza a força destes fantasmas dizendo que “o fantasma é o princípio organizador de qualquer atividade ou pensamento [...]. O fantasma mobiliza, ‘organiza’ e canaliza a energia pulsional” é a trama intemporal do

Dona Jô representa de forma disseminatória seu imaginário; a diacronia se verifica: ora heróica, ora mística, portanto é Disseminátorio/sintético o imaginário desvelado de Dona Jô.

5.2. N.º 2: Seu Dedé

Apresentando seu Dedé:

“Eu tô quase voando, estou chegando aos 70 anos, sou de 25 de maio de 1938. Eu sou mineiro de Diamantina, sou uai sô. Nós éramos treze irmãos, seis da primeira esposa e mais sete da segunda esposa. Minha mãe foi enterrada no dia da inauguração de Brasília. Quem veio para Brasília primeiro foi minha quinta irmã, depois é que veio o décimo primeiro, depois que o resto dos meus irmãos já tava criado, ai veio a quarta irmã, a décima segunda irmã, Ah! minha filha a vida nossa é uma novela”.

No seu relato, podemos observar que a idéia de velhice está entranhada na idéia do tempo que passa e da partida, por que não dizer morte? Mesmo que ele use de termo voando para suavizar seus pensamentos na morte: ”estou quase voando”, como se sua vida estivesse partindo junto com os anos vividos, seu Dedé eufemiza o monstro, a morte. Para Messy (1993, p. 11): “se aproximar da velhice, para captar seu sentido, é evocar em nós, o temor da morte”, presença constante em nosso imaginário mesmo que se acredite na imortalidade.

Em sua narrativa mítica, seu Dedé procura enquadrar sua vida em uma novela. De acordo com Durand, G. (1998), o indivíduo faz com que o mito extrapole e seja descrito dentro de uma parábola, de uma fabula e/ou em uma narrativa literária, ou de uma novela como diz seu Dedé. Seu Dedé dramatiza criando um cenário a seu gosto, marcado pela idéia de morte.

Seu Dedé conta:

“Eu vim para Brasília em 1974, depois do desquite, depois de vinte anos de casado, houve o desquite, aí eu peguei e vim embora. Casei em Diamantina e vivi lá, minha ex-esposa colocou quatro filhos meus na terra, porque ela tinha problema de hemofilia, eu que curei a doença dela. Tem o problema se

ainda for viva, tem trinta e tantos anos que eu to longe. Minha primeira filha hoje já é vovó, eu sou bisavô”.

“Ela requereu o desquite por cause de um tapa que eu dei nela, mas aí eu assinei e deixei o prédio para ela, acabei dando duas vezes mais que o juiz me pediu e vim embora para cá, todo mês eu depositava o dinheiro para ela para acabar de criar os filhos”.

Quando decide partir da casa e deixar a esposa por quem confessa ter ainda sentimentos, mostra uma atitude heróica, mas aceita misticamente as regras do processo de desquite: “eu assinei [...] acabei dando mais para ela”. Ele continua a apontar ou a pontuar sua História de Vida com fatos negativos, mas se abre em sorriso ao falar que é avô e bisavô.

Ele conta que:

“Tinha uma loja de jóias. O casamento para mim foi ilusão, sabe um mineiro uai, caipira não sei nem como é que fala, namorada eu tive os montes, mas quando falava em casamento eu falava ‘naca’, o porque de tudo isso é porque eu gosto da minha ex-esposa até hoje e pronto, conviver com outra pensando na primeira é traição, é safadeza, resolvi viver só com Deus. Gosto dela, ela me ajudou muito, não posso nunca falar dela.”

Uma idosa que passou disse que era mentira porque ele está sempre paquerando no asilo, até mesmo com ela... Resposta de seu Dedé: “Cão que ladra não morde”.

Ao relatar seus sentimentos, consideração e reconhecimento por tudo que sua ex-esposa fez por ele, seu Dedé demonstra ser um homem que defende seus princípios. De acordo com Hillman (2001, p. 46), “O que condena a velhice à feiúra não é a velhice em si, mas o abandono do caráter”. Seu Dedé preserva seu caráter.

Seu Dedé declara-se ser fumante há vários anos:

“Meu pai fumava o fumava o fumo de rolo e bebida não, começou a beber depois que minha mãe adoeceu, começou a tomar os golinhos dele. Eu saía do grupo escolar, vi os outros bebendo e fumando, ai pensava um dia ainda vou experimentar isso e aí foi, o pior é que eu gostei. Eu fumo cigarro que eu faço, eu tenho papel”.

Seu Dedé começou a fumar muito cedo, ainda na escola, e o fator principal foi a curiosidade e o exemplo familiar. O que nos relata seu Dedé é um dado mostrado em várias pesquisas realizadas no Brasil sobre tabagismo. Em pesquisa preparada pela Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, citada por Prestes (2000) em revista de grande circulação nacional, sugere que talvez se deva adicionar novo tema à lista de campanhas do governo: o tabagismo na adolescência. O levantamento feito em um grupo de 800 fumantes em quatro capitais mostrou que os brasileiros começam a fumar cedo: aos 13 anos, em média, metade dos fumantes que moram na capital iniciou o vício entre os seis e os 14 anos. Outra pesquisa realizada pelo CRATOD em 2007 (Centro de Referência em Álcool, Tabaco e Outras Drogas), da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, mostra que 13,46% começaram a fumar entre os seis e os 11 anos e outros 36,54% o fizeram entre os 12 e os 14 anos. O levantamento ouviu 500 pacientes atendidos nesse centro de saúde durante um ano (BRASIL, 2008).

Sobre a motivação para ter vindo viver no asilo, seu Dedé diz:

“Não sei bem a data, se tem uns dois ou três anos que eu me tranquei aqui para fugir da bebida, quando eu cheguei aqui seu [...] antigo Diretor do asilo ainda era vivo. Cheguei na portaria e o moço disse: aqui não entra de qualquer jeito. Aí respondi: não é qualquer jeito não! eu tô querendo um apoio moral e espiritual e seu [...] disse: me dá licença, o senhor tá à procura de quem? Aí eu disse: tô a procura de mim mesmo, eu quero me reencontrar, quero fugir da bebida e na rua não tenho jeito, ele disse: faz favor, entra que a casa é sua, entrei e fiquei nesse cantinho aqui, esse cantinho é meu porque no meio de ‘frevedor’ eu na fico. O seu [...] me colocou neste canto e daí pra frente esse canto é meu. As coisinhas que eu acho estragada eu pego e conserto tudo, sabe? Roupas, botão, zíper, tudo”.

“Eu tô achando aqui a paz que eu tava procurando, tô fugindo do erro”.

Seu Dedé procura apoio para se ‘re-encontrar’ no asilo, procura fugir do seu ‘monstro’, que o persegue até hoje: o alcoolismo, para isso se penaliza dizendo: “tranquei-me no asilo, travando luta interna comigo mesmo”.

Ele demarca seu espaço dizendo haver um cantinho seu, simbolizando o local que ocupa no asilo como sendo seu canto, um canto que foi escolhido por ele e pelo Diretor do Asilo, mostrando a emergência simbólica do apego ao espaço eleito por ele, e também por sua cadeira, seu rádio, e os pequenos objetos que ele encontra e o cercam, criando ali seu lar. Seu Dedé ressignifica o espaço habitado no asilo, transformando uma cadeira em sua propriedade e as pequenas coisas que encontra em seus móveis, sua sala de visitas.

Diz ficar horas neste lugar pensando no passado e ouvindo música, este canto reflete sua casa. Segundo Bachelar (1988), a casa é o espaço que abriga os devaneios, protege o sonhador, permite que ele sonhe em paz. Neste espaço, ele se sente protegido e pode ter sua auto-estima elevada, fato que podemos comprovar quando ele diz saber consertar tudo. Ele procura uma maneira de vencer a ociosidade reinante no asilo.

Dando continuidade à sua história, ele diz:

“Eu não saio nunca, já me convidaram várias vezes para sair

eu digo muito obrigado. Ah! eu sinto mal na rua e caio, é isso que eu digo, mas é mentira, é porque se eu vê a cachaça na rua eu vou beber, é briga minha comigo mesmo, é guerra íntima. Aqui não entra bebida alcoólica, pronto tô no céu”.

Não sai da instituição por medo do monstro do vício que lhe espera em algum lugar fora das paredes do asilo, em uma constante ameaça lá fora; não enfrenta o monstro; refugia-se no asilo, no seu canto eleito, em uma atitude mística.

“No meu cantinho eu passo o dia inteirinho aqui, me

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