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Na luta da gleba XV de Novembro: emergem os “sem terra” no Pontal

CAMPONESES DE OUTRORA

3.2. Na luta da gleba XV de Novembro: emergem os “sem terra” no Pontal

Uma boa parte da história dos movimentos populares é como vestígio do antigo arado. Poderia parecer extinto para sempre com os homens que aravam o campo muitos séculos atrás. Mas todo aerofotogrametrista sabe que, com certa luz e determinado ângulo de visão, ainda se podem ver as sombras de montes e sulcos há muito esquecidos. (HOBSBAWM, 1998, p.224)

A década de 1990 trouxe para o cenário das lutas nos campos de todo o país e do Pontal do Paranapanema a problemática da luta pela terra, expressa na figura do “sem-terra”, compreendendo uma gama de sujeitos, expropriados da terra e do trabalho, como os posseiros, ex-arrendatários, desempregados das usinas hidrelétricas, ribeirinhos, bóias-frias dessa região, e camponeses de outros estados, etc. Mas, se é nos anos 90 que surgem os sem- terra (com hífen) quando da ocupação da fazenda Nova Pontal, as três décadas que os antecedem evidencia como os camponeses resistiam ao peso impresso por aqueles que detinham a terra e, em suas mãos, as armas da violência, fosse sobre os posseiros da Santa Rita, Ribeirão Bonito ou sobre os “sem terra” da gleba XV de Novembro21, dentre outros movimentos.

O ano de 1983 torna-se um marco para se pensar a figura dos “sem terra” (sem hífen) no Pontal, particularmente com o movimento22 da gleba XV. As ocupações da fazenda Rosanela, de propriedade da Vicar S/A Comercial e Agropecuária e da fazenda Tucano, de propriedade de uma das empreiteiras da CESP, a Camargo Côrrea, ocorridas no dia 15 de novembro, marcam o nascimento desse movimento. No dia 23 de novembro, as famílias sem terra foram despejadas de ambas as fazendas, vindo a formar os acampamentos 15 e 16 de novembro, às margens da rodovia SP-613, que liga Teodoro Sampaio a Euclides da Cunha, Rosana e Primavera. No ano de 1990, como discutirei no próximo item, dá-se a ocupação da fazenda Nova Pontal, pelos “sem-terra” no mesmo município em que ocorrera o movimento da XV de Novembro, emergindo daí os germens para os assentamentos Che Guevara/Santa Clara e São Bento.

21 O assentamento XV de Novembro, no momento em que fora criado, localizava-se no município de Teodoro

Sampaio. Com a emancipação do Distrito de Rosana, o assentamento passou a pertencer ao novo município.

22Conforme ANTONIO (1990, p.47): "A Gleba XV é um dos resultados desses movimentos. Os alicerces da

construção da Gleba XV de Novembro foi (sic) o início e abriu (sic) profundas crateras no chão da Alta Sorocabana, repercutindo nas imprensas municipais, regionais, nacionais e, inclusive, internacionais".

(FIGURA 3- LOCALIZAÇÃO DO ASSENTAMENTO GLEBA

XV DE NOVEMBRO E FAZENDA NOVA PONTAL)

Observa Antonio que, em relação às questões que levaram ao despontar dos conflitos agrários no Pontal do Paranapanema, nos primeiros anos da década de 80:

Faz-se relevante considerar a questão das usinas hidrelétricas, pois foi a partir da desaceleração de suas obras e a conseqüente dispensa de milhares de trabalhadores que os conflitos existentes, e que eram acobertados pelos vários governos anteriores, revigoraram-se e se tornaram visíveis perante a opinião pública. Conclui-se, com isso, que as demissões, em massa, por parte da Cesp e das empreiteiras, foi o estopim de uma situação critica que já existia. A partir daí, tornou-se público o movimento camponês, denunciando todo o processo irregular na ocupação das terras e seu conflito secular, provocando a intervenção imediata do Estado.(1990, p.89)

Nesse palco de conflitos agrários, tais movimentos vieram desnudar para a sociedade, a situação de exclusão do direito à terra, dentre outros direitos, vivenciada por milhares de camponeses na região, desde o princípio da colonização. Os movimentos que desembocaram na XV de Novembro diferenciaram-se da luta dos posseiros e pequenos arrendatários, por enunciar formas de resistência em meio a conflitos, jogos de interesses entre mediadores e acampados, ações do Estado a reboque das práticas de luta, mas também espaços de unificação das práticas, e, por outro lado, de exposição das diferenças, como, por exemplo, dos conflitos entre os integrantes do PT e os do PMDB. Ressalta-se, então, o surgimento de novos sujeitos, os quais, num futuro próximo contribuiriam para que o MST adentrasse à região.

Em março de 198423 deu-se o decreto de desapropriação de uma área de 15.610 hectares, com a criação do “Projeto de valorização do Pontal gleba XV de Novembro”, contemplando 446 famílias dos acampamentos 15 e 16 de novembro. Esse assentamento foi constituído no governo estadual de Franco Montoro (ANTONIO, 1990, p.50). Após a medida de desapropriação da área para o assentamento, o Estado propôs o deslocamento dos acampados que permaneciam às margens da rodovia SP-613 para um canteiro de obras da Usina Hidrelétrica de Rosana. Tal medida tinha por objetivo amenizar o clima de tensão existente entre os acampados, entretanto, viria a contribuir para a sua reorganização em outros moldes. Lopes, refletindo sobre essa situação, observa que:

23 No ano de 1985 “[...] foi criada uma entidade de defesa aos proprietários de terras, sujeitos ou não aos

processos de desapropriação dos governos. Esta entidade denominada União Democrática Ruralista (UDR) tornou-se o instrumental de pressão dos grandes fazendeiros para resistir às mudanças na estrutura fundiária da região e do país. A fim de defenderem as suas terras, alguns fazendeiros começaram a formar milícias para atuar em suas propriedades, o que entendemos como o Estado de defesa dentro do Estado. O antigo jagunço passava a ser conhecido como o segurança da propriedade. Institucionalizava-se o seu papel, dando legitimidade e legalidade à violência”. (BORGES, 1996, p.108)

Em maio de 1984, se concretiza a mudança do acampamento da Rodovia para o canteiro de obras. Aquele processo de organização que existia quando estavam na Rodovia se mantém por pouco tempo. Os acampamentos dois e três (agora juntos) se definem como a sustentação de todo o movimento e acabam surgindo mais lideranças, como Walmir Rodrigues Chaves. (1989, p.49)

Conforme Lopes, na junção dos acampamentos surgem os conflitos mais agudos, na medida em que a nova liderança do momento: “É fruto do confronto direto que vai haver pelo poder do movimento [...] O grupo de Sidney de Paula se junta numa mesma quadra, enquanto que as outras lideranças se espalham por todo o acampamento” (1989, p.49). Observo, segundo informações junto a assentados da XV de Novembro, que a representação de Sidney de Paula, no movimento da XV, sempre esteve intimamente ligada aos políticos do PMDB.

Chama a atenção esse movimento pelo fato de a região conhecer, desde meados do século XX, as lutas dos pequenos arrendatários e posseiros, porém, os processos de ocupação de fazendas e acampamentos à margem das rodovias, com a participação de um grande número de famílias, não eram práticas comuns.

Expondo a forma como se deu o assentamento gleba XV de Novembro, observa Antonio que:

[...] o Estado através da SEAF, utilizando-se do Projeto de Valorização do Pontal do Paranapanema, - Gleba XV de Novembro - assentou em 1983- 1984, 483 famílias dos acampamentos 15 de Novembro, 1 e 2, e 16 de Novembro. Em 1988, esse Assentamento recebeu mais de 300 famílias dos acampamentos trevo de Alcídia, Roberto Horigoto e, parte do acampamento do trevo de Euclides da Cunha. (1990, p.20)

Lourdes Azedo, na década de 1980, acompanhara diretamente a situação vivida pelos acampados do movimento XV de Novembro, por atuar como assistente social na Secretaria de Promoção Social de Presidente Prudente. Em seu relato, essa entrevistada ilustra o processo de lutas que circunscreve o histórico de conflitos agrários no Pontal. Destaca-se, entretanto, o enfoque às práticas dos posseiros das glebas Ribeiro Bonito, Santa Rita, sem terra da gleba XV, Água Sumida, vistas como precursoras das lutas do MST na região, somando-se ainda às ocorridas na fazenda Rebojo, Lagoa São Paulo, bem como em outros lugares do Estado, como as lutas da fazenda Primavera e Sumaré. Ainda que o trecho seja extenso, faz-se necessária a sua referência, por evidenciar a leitura de uma personagem que viveu parte dessa história:

[...] acho que o que a gente precisa diferenciar é que hoje tem o MST que é um movimento social organizado que tem uma linha política, uma filosofia, uma ideologia... e que trabalha as questões aqui da questão agrária na região. Eles chegaram aqui, quando? Em noventa. Antes de noventa teve muitos movimentos aí, e a gente não pode negar quanto os movimentos foram importantes. Eles foram muito importantes porque eu acho que muita gente que hoje milita no MST é originário desses movimentos aí. Se a gente negar a luta da Santa Rita: ah, pelo amor de Deus!! Aquele pessoal foi herói. Negar a luta da Ribeirão. Negar a luta da gleba XV. Negar a luta do pessoal que foi pra Água Sumida, que foi desapropriada pelo Governo Sarney. Mas o pessoal brigou muito, teve muitas ocupações na Água Sumida. Então a gente não pode negar essas lutas. Eu sempre digo que a gente tem duas fases do movimento social aqui na região. A fase antes do MST, pós-MST, que eu pretendo inclusive fazer um trabalho sobre essa área. Que hoje você não pode achar que só existe movimento social na região depois que o MST chegou. Até porque o MST é um movimento que surgiu de uma forma organizada em oitenta e cinco, tá. E antes, os movimentos que surgiram no campo, eles eram o quê? Não só aqui tem movimentos, Sumaré lá perto de São Paulo que também há luta antes de oitenta e cinco. Tem a fazenda Primavera. Aqui na nossa região, a Rebojo. Aquele assentamento não saiu assim que o Governo chegou [...]teve briga lá feia. A própria Lagoa São Paulo, aconteceu aquele conflito que morreu aquele fazendeiro lá. A gente não pode negar a existência desses movimentos. Eu acho que eles tem sua importância no contexto histórico da região e muito. A Ribeirão, a Santa Rita, pra mim eles são assim históricos, aqui no Pontal, tirando a Rebojo que foi bem assim anterior, tal, mais que de mais resistência até hoje tão aí na situação, Santa Rita, Ribeirão, pra mim eles são históricos.24

Em decorrência desse processo de lutas, dá-se a conquista, por parte dos acampados, como observado no capítulo anterior, de novas áreas de assentamento25. Na

década de 1990, contando com a participação de homens, mulheres e crianças sem-terra nas ocupações, nos acampamentos, nas marchas, e, resultante dessas práticas, também no confronto direto com a UDR – um dos braços armados do latifúndio no país -, foram conquistadas até fins dessa década, na região do Pontal, 69 áreas de assentamentos, com cerca de 3.109 famílias assentadas, segundo os dados do ITESP.26

24Lourdes Azedo, no momento em que fiz esta entrevista, trabalhava como funcionária do ITESP.

ENTREVISTA. Lourdes Azedo. Casa Paroquial de Santo Anastácio, Julho de 1995.

25Para uma reflexão sobre os assentamentos na região do Pontal do Paranapanema, no período de 1960 a 1990,

ver ANTONIO (1990).

26Para maiores informações a respeito das ações do MST no Pontal do Paranapanema,

consultar:http://www.mst.org.br/mstsp/. No tempo presente, conforme os dados desse site, existem cerca de 76 áreas de assentamentos, com em torno de 6.000 famílias assentadas.

Tabela 1. ASSENTAMENTOS IMPLEMENTADOS OU EM IMPLANTAÇÃO NO PERÍODO DE 95 A JULHO DE 2000

Plano de Ação Governamental para o Pontal

Nº Projeto Município Nº Fam. Área (há) Órgão

1. Maturi Caiuá 172 4.519,35 ITESP/INCRA

2. Santa Rita Caiuá 21 523,54 ITESP/INCRA

3. Santa Rita do Pontal Euclides da Cunha 51 805,37 ITESP/INCRA 4. Porto Letícia Euclides da Cunha 36 707,00 ITESP/INCRA 5. Rancho Alto Euclides da Cunha 52 1.292,24 ITESP/INCRA 6. Rancho Grande Euclides da Cunha 101 2.447,09 ITESP/INCRA 7. Santo Antonio Marabá Paulista 70 1.822,47 ITESP/INCRA 8. São Bento Mirante do Paranapanema 182 5.190,50 ITESP 9. Che Guevara (Sta Clara) Mirante do Paranapanema 46 976,45 ITESP 10. Santa Carmem Mirante do Paranapanema 37 1.043,01 ITESP/INCRA 11. Estrela D’Alva Mirante do Paranapanema 31 784,50 ITESP 12.Haroldina Mirante do Paranapanema 71 1.964,89 ITESP/INCRA 13. Santa Cruz * Mirante do Paranapanema 27 294,03 ITESP/INCRA 14. Cannaã Mirante do Paranapanema 55 1.223,74 ITESP/INCRA 15. King Meat Mirante do Paranapanema 46 1.134,50 ITESP/INCRA 16. Santana Mirante do Paranapanema 12 212,00 ITESP/INCRA 17. Nossa Sra. Aparecida Mirante do Paranapanema 9 175,03 ITESP/INCRA 18. Arco-Iris Mirante do Paranapanema 105 2.606,79 ITESP/INCRA 19. Washington Luís Mirante do Paranapanema 16 343,24 ITESP/INCRA 20. Santa Rosa 1 Mirante do Paranapanema 24 692,00 ITESP/INCRA 21.Lua Nova Mirante do Paranapanema 17 375,00 ITESP/INCRA 22. Santo Antonio 1 Mirante do Paranapanema 17 532,00 ITESP/INCRA 23. Novo Horizonte Mirante do Paranapanema 57 1.540,59 ITESP/INCRA 24. Vale dos Sonhos Mirante do Paranapanema 23 617,94 ITESP/INCRA 25.Flor Roxa Mirante do Paranapanema 39 953,67 ITESP/INCRA 26. Santa Cristina Mirante do Paranapanema 35 837,90 ITESP/INCRA 27. Santa Lúcia Mirante do Paranapanema 24 597,27 ITESP/INCRA 28. Santo Antonio Mirante do Paranapanema 20 513,50 ITESP/INCRA 29. Santa Apolônio Mirante do Paranapanema 104 2.657,74 ITESP/INCRA 30. Alvorada Mirante do Paranapanema 21 565,43 ITESP/INCRA 31. Marco II Mirante do Paranapanema 9 242,96 ITESP/INCRA 32. Santa Isabel 1 Mirante do Paranapanema 70 492,00 ITESP/INCRA 33. Pontal (S. Rosa 2) Mirante do Paranapanema 29 232,00 ITESP/INCRA 34. Sto. Antonio da Lagoa Piquerobi 29 968,03 ITESP/INCRA

35. São José da Lagoa Piquerobi 29 1.026,37 ITESP/INCRA

36. Santa Rita Piquerobi 26 600,96 ITESP/INCRA

37. Água Limpa 1 Pres. Bernardes 31 956,00 ITESP/INCRA

38. Água Limpa 2 Pres. Bernardes 26 789,00 ITESP/INCRA

39. Santa Eudóxia Pres. Bernardes 6 167,00 ITESP/INCRA

40. Palu Pres. Bernardes 44 1.243,85 ITESP/INCRA

41. Rodeio Pres. Bernardes 65 1.861,39 ITESP/INCRA

42. Santo Antonio 2 Pres. Bernardes 24 672,85 ITESP/INCRA 43. F. Fernandes (S. Jorge) Pres. Bernardes 55 1.116,61 ITESP/INCRA

44. Quatro Irmãs Pres. Bernardes 15 385,98 ITESP/INCRA

45. Santa Maria Pres. Venceslau 17 263,90 ITESP/INCRA

46. Primavera I Pres. Venceslau 82 2.179,00 ITESP/INCRA

47. Primavera II Pres. Venceslau 42 895,00 ITESP/INCRA

48. Tupanciretã Pres. Venceslau 78 2.861,62 ITESP/INCRA

49. Radar Pres. Venceslau 29 5848,24 ITESP/INCRA

50. Yapinari Ribeirão dos Índios 40 852,52 ITESP/INCRA

51. Nova do Pontal Rosana 122 2.786,90 ITESP/INCRA

52. Bonanza Rosana 23 1.144,00 ITESP/INCRA

54. Córrego Azul Teodoro Sampaio 9 226,71 ITESP/INCRA

55. Vale Verde Teodoro Sampaio 50 1.010,75 ITESP/INCRA

56. Haidéia Teodoro Sampaio 24 868,26 ITESP/INCRA

57. Santa Vitória Teodoro Sampaio 27 515,51 ITESP/INCRA

58. Cachoeira do Estreito Teodoro Sampaio 29 490,47 ITESP/INCRA 59. S. Antonio Coqueiros Teodoro Sampaio 23 485,29 ITESP/INCRA 60. Santa Rita da Serra Teodoro Sampaio 40 837,43 ITESP/INCRA 61. Laudenor de Souza (P.Alcídia) Teodoro Sampaio 60 1.545,20 ITESP/INCRA

62. Vô Tonico Teodoro Sampaio 22 550,77 ITESP/INCRA

63. Sta Terezinha de Alcídia Teodoro Sampaio 26 1.345,83 ITESP/INCRA 64. Alcídia da Gata Teodoro Sampaio 19 462,03 ITESP/INCRA

65. Água Branca I Teodoro Sampaio 25 630,00 ITESP/INCRA

66. Santa Zélia Teodoro Sampaio 104 2.730,35 ITESP/INCRA 67. S.Terezinha da Água Sumida Teodoro Sampaio 50 1.345,82 ITESP/INCRA 68. Santa Cruz da Alcídia Teodoro Sampaio 28 712,57 ITESP/INCRA

69. Santa Rita Tupi Paulista 31 749,56 ITESP/INCRA

Subtotal Definitivos 3.109 77.369,90

Fonte: Caderno 6 ITESP, 2000

Discorrendo sobre as medidas tomadas pelos vários governos do estado de São Paulo para a legalização do grilo das áreas devolutas da região, Ariovaldo U. Oliveira destaca que, em tempo recente, em relação aos assentamentos das famílias da gleba XV de Novembro e aos da fazenda Santa Clara e São Bento, em Mirante do Paranapanema, as medidas governamentais evidenciaram o favorecimento em relação aos interesses dos “fazendeiros- grileiros”:

O governo Franco Montoro, por exemplo, recebeu dos fazendeiros-grileiros 30% das terras para assentamentos e, em troca, legalizou os 70% restantes. Já o governo Fleury, primeiro recebeu um terço das terras da fazenda Santa Clara (983 ha) legalizando os dois outros terços e indenizando os fazendeiros-grileiros das benfeitorias existentes nas terras recebidas do Estado. Quando do episódio da fazenda São Bento, em julho de 1994, o acordo foi também totalmente favorável ao fazendeiro-grileiro, pois recebeu como indenização pelas benfeitorias existentes na totalidade da área (5.250 ha) mais de 7 milhões de dólares, ou seja, quase a metade do preço de um hectare de terra na região. (1996, p.163)

Não se pode negar que as práticas do MST, na ocupação da fazenda Nova Pontal, em 1990, e nas que se sucederam, não tenham sido uma ruptura na forma como se desencadeava a organização da luta pela terra na região, marcada pelos movimentos fragmentados dos posseiros e acampados. Entretanto, não se pode esquecer das práticas e das “lições históricas” oriundas dessas lutas, como se pôde depreender da fala de Lourdes Azedo. Tanto que as práticas dos posseiros, bem como as dos sem terra da XV de Novembro, vão se tornar símbolos para se discutir a estrutura fundiária do Pontal, tornando a região, por certo tempo, também um chamariz para políticos – a exemplo de membros do PMDB, dentre eles:

Gerson Caminhoto, ex-prefeito de Teodoro Sampaio27 e Mauro Bragato, deputado estadual

por quatro gestões nesse partido, naquele momento histórico. Porém, mais que isso, constata- se ainda o surgimento de novos personagens na XV de Novembro, alguns desses tornando-se futuramente militantes e dirigentes do MST, a exemplo de Bil, Valter, Cida, João Paulo, Marcos, dentre outros.

Por ter vivido e constituído esse histórico de lutas, Bil narra, com propriedade, a trajetória do MST na região. A sua fala é rica em detalhes para a compreensão desse Movimento construindo-se pelos campos do Pontal. Esse camponês adentrou na luta pela terra desde o início da XV de Novembro. Como sujeito dessa história e da constituição do MST, contribuiu e contribui para a sua escrita e o seu fazer-se pelos vários recantos do Brasil.

O ano de 1983 desenha o início do espaço de lutas trilhado por esse sujeito. Quinze de novembro é a data de sua chegada à região, vindo do noroeste do Paraná, onde trabalhara nas lavouras de café como “porcenteiro, meeiro”. Em seu relato observa que: “Noticiário deu que tinha uma ocupação de terra e estamos aí até hoje na luta pela terra no Pontal do Paranapanema”.28

Em sua narração, Bil expõe a existência de conflitos envolvendo a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o PT, o PMDB e sindicatos na década de 1980, principalmente no que concernia à definição dos rumos que seriam tomados para a condução das lutas. Diferindo da leitura que predomina acerca da XV de Novembro, vista como um movimento derivado eminentemente das forças políticas do PMDB, seu relato apresenta outros agentes mediadores: “Era outras lideranças, lideradas por padres, sindicato não!! Igreja e sindicato; e por partidos políticos, o PMDB. Só depois que foi nós se entendendo na luta, integrando o Movimento dos Sem Terra”.

Conforme esse narrador, no momento em que despontavam tais lutas, os membros do PT na região, eram “[...] cara de classe média, tudo era doutorado aí: médico, advogado, etc., Banco do Brasil, é outra classe, não muito se integrou com a peãozada que somos nós [...]”29, o que, na sua leitura, os distanciava dos problemas que afligiam aos camponeses.

Nesse aspecto, Bil destaca ainda a ocorrência de disputas internas pela condução das ações da XV de Novembro, envolvendo integrantes do PMDB, bem como as novas

27No ano de 1995, época em que realizei uma entrevista com Gerson Caminhoto, ele era presidente do Diretório

do PMDB em Teodoro Sampaio, tendo sido um dos políticos que participaram ativamente nos conflitos agrários do município. No ano de 1992, foi eleito prefeito de Teodoro Sampaio, porém, em fins de 1995, teve o seu mandato cassado, após a instituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) pela Câmara de Vereadores, com o apoio do Sindicato dos Funcionários Públicos, que comprovou abusos cometidos pela sua administração.

28ENTREVISTA. Bil. Teodoro Sampaio, Secretaria do MST, 29/04/2002. 29Idem.

lideranças oriundas do PT e do grupo que participara do I Congresso Nacional do MST, em 1985, os quais, num futuro próximo, se somariam aos outros sujeitos que chegariam à região com o intuito de organizar o Movimento Sem Terra.

Mas, como assinala Valter, assentado na XV de Novembro, e um dos dirigentes do MST na década de 1990, no momento em que se davam as lutas da XV, não havia uma compreensão do que representava, para eles, o Movimento Sem Terra no cenário nacional, tanto que, fora Gerson Caminhoto, um dos organizadores da ida dos sem terra para o I Encontro Nacional do Movimento Sem Terra. Porém, se não existia essa compreensão do que era o MST, já despontavam oposições na forma de condução dos acampamentos. Como se sugere, essa oposição ocorria mais no campo de disputas partidárias, o que viria a contribuir para a diferenciação entre os grupos:

Em 85 teve o I Encontro Nacional do Movimento Sem Terra. Na época foi um ônibus aqui do município, puxado, por incrível que pareça, por Gerson Caminhoto. Gerson Caminhoto. Porque até então, não era muito assim: O